Quando chega a hora da verdade, nos grandes palcos europeus, sem «Apitos Dourados» nem bocas por fora, o FC Porto dá cartas e o resto é paisagem
1- Se eu mandasse, os jogos do Benfica só duravam 80 minutos, porque é só a partir dessa altura que o Benfica os resolve, depois de habitualmente ter gasto o tempo até aí a mostrar-se incapaz de os resolver. Já vão três jogos consecutivos e seis esta época, resolvidos pelas águias nos últimos minutos dos desafios. Camacho não se pode queixar da sorte que tem tido e que falhou a Fernando Santos, mas tanta repetição também não pode ser atribuída só à sorte. De certeza que há mérito da equipa em acreditar e lutar até ao fim, e de certeza que há muito demérito dos adversários e respectivos treinadores, que, nesta altura dos acontecimentos, já deveriam estar mais do que avisados, preparados e concentrados para as terríveis pontas finais do Benfica. Na Luz, domingo passado, o Marítimo mostrou, todavia, que não trazia a lição estudada. Aliás, mostrou como é que se consegue tudo fazer para perder um jogo que se poderia ter ganho.
Até aos quinze minutos de jogo, o Marítimo tornou claro que, se ali havia alguma equipa que sabia jogar à bola, eram eles e não o Benfica. Uma, duas, três oportunidades e golo, perante um estádio gelado com a facilidade com que a sua «melhor equipa dos últimos dez anos» era passada a ferro pelo futebol envolvente dos brasileiros do Marítimo. Depois, Ricardo Fernandes teve um assomo de má consciência perante tanta falta de respeito e resolveu oferecer o empate ao Benfica. Nada que tenha abalado os seus colegas: continuaram a entrar pela defesa do Benfica adentro como quem entra em casa sua, e veio o penalty e a expulsão de Quim, que poderiam soar como a sentença de morte do Benfica — para o jogo e para o campeonato. Parece que Makukula resolveu cobrar o penalty à revelia de Lazaroni e, para quem o estava a ver na televisão, percebeu-se logo, pela sua expressão, que muito provavelmente iria falhar, como falhou. A partir daí, o Marítimo apostou que não iria ganhar o jogo: displicência no ataque, total incompetência na defesa, falta de ambição para ir decididamente em busca da vitória, face a um adversário cansado por um jogo europeu quarta-feira e pela inferioridade numérica. E depois de mais uma oportunidade negligentemente desperdiçada pelo ataque insular, o Benfica chegou à vitória no contra-golpe. Ficou demonstrado que os «grandes» são «grandes» porque dispõem de mais dinheiro e mais adeptos, mas não só: também porque os «pequenos» não se atrevem a tentar deixar de o ser.
Quanto ao Benfica, diz-se que está assente que vai às compras em Dezembro. Parece-me que tarde de mais para a Liga dos Campeões e, pelo que se tem visto, provavelmente tarde de mais também para o campeonato. A menos que o objectivo oculto de Camacho seja a disputa do segundo lugar com o rival do Campo Grande.
2- O rival do Campo Grande atravessa uma série negra e deprimente, pela falta de estrutura competitiva que vem mostrando. A primeira linha é curta e vive de três ou quatro jogadores cujo rendimento determina o da equipa. Há «consagrados» (talvez depressa de mais), como João Moutinho, cujo futebol é previsível, repetitivo e sem rasgo; a segunda linha não existe e, tal como sucedeu com o FC Porto, os reforços da época foram um sonoro e indisfarçável fiasco. A diferença para o Benfica é que o Sporting não tem dinheiro para ir às compras em Dezembro e comprar por comprar está visto que não resolve problema algum, só acrescenta outro. Paulo Bento, que nunca viveu nada que se parecesse com abundância e facilidades, tem agora porventura o mais difícil desafio da sua jovem carreira de treinador, num momento em que já se escutam os primeiros sinais de impaciência e desagrado dos adeptos. Os que ainda acreditam que os milagres existem e não acontecem só em Fátima.
3- Pois, se o jogo do Benfica contra o Marítimo só deveria ter demorado 85 minutos, o do FC Porto contra o Leixões deveria ter demorado apenas oito — que foi quanto os portistas se dispuseram a jogar, depois de se verem a ganhar por 2-0 na infância do jogo. Chamam a isso «gestão», coisa de que as equipes usam e abusam, entre nós, e sem grande respeito pelo público que ajuda a pagar os ordenados dos jogadores. O FC Porto-Leixões, que assinalava o regresso deste confronto Porto-Matosinhos ao nível maior, foi um interminável bocejo, como se jogar futebol fosse assim uma coisa tão aborrecida. Valeu a oitava vitória em oito jornadas e, se sexta-feira o FC Porto conseguir vencer no Restelo, fica bem encaminhado para as dez vitórias em outros tantos jogos, o que seria notável.
Se já muitas vezes se tem falado desta impressionante série de vitórias sem exibições correspondentes, é justo também reconhecer que, faz amanhã oito dias, o FC Porto saiu de Marselha com um empate que merecia ter sido vitória e até folgada. Em Marselha, o FC Porto fez a melhor exibição da época, com uma entrada autoritária e categórica no jogo, teve bolas nos postes, viu os franceses adiantarem-se contra a corrente de jogo, mas os jogadores não desanimaram, foram em busca do empate e terminaram ainda em cima do Marselha e à procura dos três pontos. É nestes confrontos europeus ao mais alto nível que se vê bem como, de há largos anos para cá, o FC Porto cava uma diferença em relação ao Sporting e ao Benfica apenas comparável à que o Benfica dos anos sessenta do século passado tinha sobre os seus rivais domésticos. Quando chega a hora da verdade, nos grandes palcos europeus, sem «Apitos Dourados» nem bocas por fora, o FC Porto dá cartas e o resto é paisagem. Eu sei que dói, mas que querem?
4- Se tudo correr conforme o previsto, estreia-se depois de amanhã, numa sala perto de si, o muito previamente divulgado filme «Corrupção», com o qual alguns benfiquistas do mundo das artes quiseram mostrar a sua imparcialíssima versão do «Apito Dourado». Não entrando em cena a providência cautelar que seria de esperar, este filme inaugura uma nova forma de justiça popular, servindo, com base num único testemunho, a acusação, a «prova» e a sentença de condenação previamente estabelecida, relativamente a um processo que, na justiça real, ainda se encontra em fase de instrução. As intenções prosseguidas pelo filme são eloquentes da exigência ética dos seus autores e um exemplo do que seria a justiça se os juízes fossem escolhidos pelas suas cores clubísticas.
Não admira que o pessoal desta nobre empreitada se tenha desavindo entre si na mesa de montagem, com realizador e actriz principal para um lado, produtor e restantes actores para outro: eloquente, outra vez. Quanto à «testemunha» e musa do enredo, tão apaparicada antes pela realização e script, mudou de visual, fez extensões no cabelo e uma operação à barriga chamada qualquer coisa «aspiração», e optou por ficar do lado do produtor. Cheira-me que estará a alimentar aspirações a um novo passo na sua carreira artística multifacetada. Consta também que, além da versão do produtor, servida nos cinemas, haverá uma outra versão do realizador, servida em casa, para os amigos. E parece que, em vez de «Corrupção», se chamará «Uma amarga lição».
Texto digitalizado por mim do jornal Abola.