UMA EQUIPA PARA A ETERNIDADE
1- Domingo, José Mourinho acordou com uma das piores ressacas da sua vida: mais uma vez o seu Real sucumbiu às mãos do Barcelona de Guardiola e mais uma vez isso aconteceu em Chamartin, à vista dos seus adeptos e em circunstâncias duras de encaixar. Desta vez, sem se poder voltar contra o árbitro, Mourinho justificou-se com a sorte, que, segundo ele, fez toda a diferença. Não é verdade e Mourinho deve sabê-lo bem. A sorte não desempenhou aqui nenhum papel, como já não desempenhara nos 5-0 para o campeonato da época passada ou nos 0-2, também em Chamartin, para a Champions.
O que aconteceu foi que a melhor equipa que o futebol alguma vez viu, no momento da verdade, levou de vencida, com toda a tranquilidade e naturalidade, um Real Madrid a quem este Barcelona consegue quase sempre reduzir à condição de uma simples agremiação de grandes jogadores, cada um por si.
Entre nós, há quem ache que Cristiano Ronaldo (quanto mais não seja, porque é português) é muito melhor jogador que Messi e até se encontra quem declare que o futebol deste Barça é uma chatice. Com todo o respeito, não percebem nada de futebol. Cristiano Ronaldo é um sobredotado como atleta, mas não tem comparação com Messi, como jogador. No futebol moderno, para se ser fenomenal, não basta correr os 100 metros em dez segundos e possuir um remate demolidor: nisso, Ronaldo é melhor do que Messi. Mas falta-lhe o resto, aquilo que Messi esbanja em cada jogo: inteligência em movimento, capacidade de desequilíbrio constante, um poder de finta que nunca é inútil mas, pelo contrário, abre espaços e deixa adversários para trás, fora da jogada, e uma visão de passe e desmarcação como jamais vi.
A imprensa espanhola de domingo dedicava-se a e dissecar as razões pelas quais Messi nunca falha nos grandes jogos e Ronaldo falha quase sempre. Algumas teses sustentam que é exactamente a comparação com o seu rival directo ao lugar de Nº1 mundial que inibe o português, quando do outro lado está o argentino. Não creio que seja essa a razão, mas sim o facto de o futebol de Ronaldo perder capacidade quando enfrenta defesas de grande categoria e experiência. Pode sempre acontecer que ele arranque um remate do outro mundo, como aquele que conseguiu no Dragão, ao serviço do Manchester United, e que ditou uma injusta eliminação do FC Porto dos quartos-de-final de uma Champions. Mas raramente será o man of the match, porque os seus jogos de eleição não são os grandes jogos — como bem temos visto na Selecção.
Quanto ao Barcelona de Guardiola, pode ser que não seja a melhor equipa de todos os tempos, conceito sempre subjectivo e discutível. Mas quem terá sido melhor, então? O Brasil de 70, no México, com Pelé, Rivelino, Jairzinho, Tostão? Era, sem dúvida, uma equipa-espectáculo inesquecível, mas duvido que vencesse este Barcelona, que não acabasse sufocada pelo futebol dos catalães. O Ajax de Cruyff, Neeskens, Krol? Talvez sim, a comparação é possível, até porque esse Ajax, pela mão de Cruyff, foi o precursor deste Barcelona. Mas não vejo que outra equipa mais se poderá comparar a esta. E já lá vão uns quatro ou cinco anos de consecutivo esplendor!
2- Teve muito azar o FC Porto contra o Zenit, mereceu amplamente, pela segunda parte que fez, o golinho solitário que o teria colocado no primeiro lugar do grupo, em vez de despejado na Liga Europa. Os jogadores foram autênticos heróis de vontade, sacrifício e talento, mas não conseguiram derrotar uma equipa em que apenas o guarda-redes mereceu a qualificação.
Vítor Pereira, como eu temia e esperava, repetiu todos os erros para os quais eu tinha chamado a atenção aqui, no próprio dia do jogo: Maicon a lateral-direito, Rolando no centro da defesa e Hulk sacrificado a ponta-de-lança. Corrigiu o erro de Hulk na segunda parte, mas ingenuamente veio dizer que o fez porque Defour se tinha lesionado. Não vou repetir as críticas que já tentas vezes fiz e que agora reuniram a unanimidade de todos, mas custa-me a aceitar que um treinador não perceba que deixar Hulk isolado entre dois centrais, numa posição que não é a sua e desperdiçando a fantástica mais-valia que é tê-lo num dos flancos, onde dispõe do espaço que precisa para os seus arranques fulgurantes, é dar um tiro no pé.
Quando, pelos vistos forçado pelas circunstâncias, Vítor Pereira fez Hulk regressar à sua posição natural e quando descobriu aquilo que eu também já tinha escrito há muito tempo — que James pode ser um número dez vagabundo, genial — a equipa melhorou imediatamente. Só que, entretanto, tinha-se perdido meia parte e Hulk tinha-se desgastado em vão a batalhar fora da sua posição. Enfim, uns largos milhões que foram à vida e mais uma competição de que fomos afastados. E ninguém conseguirá convencer-me de que era inevitável.
Com esta, é já a terceira competição que Vítor Pereira perde ou de que é afastado. Em troca, ganhou a Supertaça Cândido de Oliveira, vencendo por l-0 e com uma fraquíssima exibição um vitória de Guimarães que este ano é uma completa desilusão. E vai à frente do campeonato em igualdade com o Benfica, mas tendo cedido um importantíssimo empate no Dragão contra os encarnados. E é só isso que ainda o mantém ao leme, na esperança que, depois de muitos erros, venha a sabedoria — ao menos por cansaço. Oxalá que sim, oxalá eu me tenha enganado quando previ que, com ele, o FC Porto não ia a lado nenhum.
3- Já contra o Beira-Mar, não comungo das críticas que aqui foram feitas à exibição portista. Foi um clássico jogo em que a equipa mais forte assume todas as despesas do ataque e da construção de jogo, contra uma equipa toda fechada lá atrás, jogando apenas na sorte e tendo-a. No primeiro remate à baliza, o Beira-Mar viu-se a ganhar e só não empatou no último segundo, na segunda oportunidade de golo e na segunda balda de Rolando, porque, aí sim, a sorte o abandonou. Mas teria sido uma tremenda injustiça, porque o FC Porto fez tudo o que devia para ganhar e teve períodos muitíssimo bons. Infinitamente melhores, por exemplo, do que o futebol com que o Sporting levou de vencida o Nacional e o Benfica fez o mesmo ao Marítimo.
4- O Benfica segue no seu registo habitual dos últimos tempos: muita garganta, pouquíssimo futebol, muita sorte e arbitragens felizes, como a de Jorge Sousa no Funchal, Para cúmulo, teve a sorte de ter encontrado, não o melhor Manchester United dos últimos anos, como disse Jorge Jesus, mas sim o pior, como logo se viu no jogo inaugural, na Luz. Com o primeiro lugar caído do céu, vê-se ao abrigo de Real e Barcelona e vê tombar na Liga Europa potenciais adversários como Ajax, Valência, Manchester United, Manchester City... e FCPorto. A sorte nunca explica tudo, mas às vezes é determinante.
5- Não fosse a Leonor Pinhão ter descoberto que Danny falhou de propósito um golo no Dragão, deixando-se antecipar por Helton, e eu diria que a passagem do luso-venezuelano pelos jogos contra o FC Porto foi uma demonstração de má educação notável. Imitar um cão a urinar para festejar um golo é inédito em termos de mau gosto e falta de respeito pelo público e pelo adversário. Explicar que o fez e voltaria a fazê-lo a pedido dos filhos, é o mesmo que dizer que lá em casa não é o pai que educa os filhos, mas os filhos que deseducam o pai. Ficar para trás no fim do jogo, a provocar o público do Dragão e ainda voltar à carga com provocações no dia seguinte é um mau serviço prestado ao seleccionador e à Selecção, quando um dia tiverem de ir jogar ao Dragão e ele for convocado. Lá em cima é tudo filho de boa gente.
* O José pediu-me se colocava aqui a crónica , visto que anda por fora. Fiz o melhor que pude. Desculpem qualquer erro.