A TAÇA É NOSSA
1 – Estou com Cícero: « Qualquer um pode errar mas ninguém, sendo inteligente, pode persistir no erro.». Que é como quem diz: nunca é tarde para emendar o que está mal. Este prólogo tem que ver com a velha polémica questão do palco da final da Taça de Portugal que, como se compreende, é ressuscitada sempre que a disputá-la é o FCPORTO e um dos dois grandes de Lisboa. Com equipas ditas pequenas, o problema não se coloca porque, em regra, são vítimas previamente designadas para a imolação.
2 – Uns defendem que o local apropriado é o estádio Nacional, outros entendem que não. Faço parte da patrulha destes ultimos, e espanta-me que os alegados rostos do sistema, como Pinto da Costa e Valentim Loureiro, ainda não tenham conseguido remover do regulamento da FPF uma escória anacrónica que vem dos tempos da outra senhora e que assumiu foros de lei , ao que julgo, nos tempos do longo consulado federativo de Silva Resende. Significa que o sistema de então ainda prevalece sobre o sistema de agora. Como somos sensíveis aos exemplos estrangeiros, dizia-se que deviamos copiar a Inglaterra, onde a final da taça era uma festa que tinha sempre lugar em Wembley. Mas, até lá, já não é assim. Ficamos sós.
3 – Em abono da minha teoria, não vou servir-me dos muitos argumentos que tenho visto invocados pelos que contestam o statu quo: a insegurança do recinto, a sua reduzida capacidade, o mau estado do relvado, a falta de conforto, a vetustez e decrepitude das estruturas de apoio, o facto de até a selecção nacional nunca ali realizar qualquer jogo ( ali, no Estádio Nacional) , o que é sintomático e eloquente. Não. As minhas razões são outras.
Primeira: a verdade desportiva, que deve estar subjacente a toda a competição e que obriga a pressupor igualdade de condições e oportunidades.
Ora, alguém têm dúvidas de que o estádio Nacional favorece objectivamente as equipas de Lisboa ? Penso que não.
Porquê ?
Porque jogam em casa, um factor determinante. Passa pela cabeça de alguém que o Benfica teria conquistado sete das oito taças que disputou com o FCPORTO se a final tivesse outro palanque ? Se têm, consulte as estatísticas da Supertaça Cândido de Oliveira, que não se joga lá, e extraia conclusões.
Segunda: a justiça económica. O futebol é uma industria e, como tal, procura rentabilizar o mais possivel o seu produto-espectaculo. Os clubes são empresas, algumas cotadas em bolsa, que precisam de vitórias para valorizar o seu património e os dos seus accionistas. Cercear-lhes esse direito é atentar contra os seus legítimos interesses. Um triunfo na taça abre a Europa ao vencedor e traz-lhe benefícios financeiros. Não chega ? Se não chega, acrescento mais um dado: em nenhum outro país do Mundo a final da taça tem local fixo e mormente onde o futebol tem grande expressão, tais como Itália ( joga-se a duas mãos nos campos dos contendores), Alemanha, França, Inglaterra e Espanha. Ainda há dias vi o rei Juan Carlos no estádio de Montjuic em Barcelona a entregar o troféu ao capitão do Saragoça. Porquê lá ? Porque os adversários dos aragoneses eram os castelhanos do Real Madrid. Local neutro.
Conclusão: O problema existe, é grave e tem que ser resolvido urgentemente pela Federação com equidade, que é para isso que ela lá está. Sejamos sérios.
Manuel Martins Sá, cronista da Abola em 12 Maio 2004