Francisco J. Marques no JN:
O mau o vilão e a RTP
A RTP exibiu anteontem à noite, em 'prime-time', um documentário sobre Pinto da Costa, intitulado "O bom, o mau e o vilão", (o "bom", como se verá à frente, estava naturalmente a mais) na que terá sido a peça pretensamente jornalística mais parcial da televisão portuguesa dos últimos anos, em que apenas pretendeu - e conseguiu - ridicularizar Pinto da Costa e o Porto.
É difícil entender o que leva a RTP, que até tem um passado de subserviência ao F.C. Porto, aos seus rivais Benfica e Sporting, mas também ao poder político, a decidir-se pela exibição em horário nobre de um pretenso documentário que se limita a recolher e a exibir as piores imagens das últimas três décadas do F.C. Porto, mesmo que não tenham absolutamente nada a ver com Pinto da Costa (uns dois ou três minutos com o episódio da camisola rasgada de Rui Jorge por José Mourinho, situação em que o presidente do F.C. Porto não foi tido nem achado), numa espécie de "worst off" do F.C. Porto.
Logo no início, a narradora informa-nos de que os amigos não quiseram falar, porque Pinto da Costa está de relações cortadas com a RTP e a partir daí, como que aproveitando a deixa, tudo serve para deixar mal na fotografia o presidente do F.C. Porto e quem mais se lhe aproxime - lamentável a insinuação sobre Alípio Dias, quando se diz que foi o Crédito Predial Português que prestou a garantia bancária que travou a penhora do Estádio das Antas. Alípio Dias era então presidente do banco e aparece a abraçar Pinto da Costa e logo a seguir a narradora conclui, insinuante "Hoje é presidente do Conselho Superior do F.C. Porto".
Ao longo de uma hora o tom é sempre de desdém, seja pela imensa série de vitórias nacionais e internacionais da equipa de futebol, que mais não são do que uma nota de rodapé no programa, o que é estranho quando se trata da biografia de um dirigente desportivo, seja pelo gosto por poesia, seja pelas relações afectivas do protagonista, hoje bem conhecidas de todos, quanto mais não seja pelo mediatismo do livro da ex-companheira Carolina Salgado. De resto, não deixa de ser sintomático que o único ex-treinador do F.C. Porto a falar no documentário seja Octávio Machado, ele que é o único dos ex-treinadores a dizer mal de Pinto da Costa. Bobby Robson, Victor Fernandez, Artur Jorge, Carlos Alberto Silva, Quinito, Ivic, António Oliveira, Fernando Santos treinaram o clube. Todos já tantas e tantas vezes falaram publicamente bem de Pinto da Costa, mas a RTP só recolheu o testemunho de Octávio Machado. Coincidência.
Pinto da Costa está sob investigação, as escutas conhecidas são, no mínimo, comprometedoras e não abonam nada a favor do presidente do F.C. Porto. A justiça, cedo ou tarde, se encarregará de demonstrar a responsabilidade de Pinto da Costa. A RTP, no entanto, considera que se trata de serviço público fazer o julgamento televisivo, apresentando uma hora de emissão em que o melhor que se ouve é quando Jorge Costa diz que o F.C. Porto é obra de Pinto da Costa. Goste- -se ou não, é capaz de haver um bocadito mais de coisas a dizer, como acentuar o sucesso desportivo do clube, as contratações bem feitas, que permitiram, por exemplo, aproveitar Deco e Maniche, dois proscritos do Benfica, fazê-los campeões da Europa e transferi-los por milhões de euros, etc, etc.
A perspectiva de serviço público da RTP é tanto mais curiosa se recordarmos que em 2003, no ano em que o F.C. Porto venceu a Taça UEFA, o canal público não transmitiu os jogos em casa do clube, não porque algum concorrente se tenha antecipado e comprado os direitos, mas apenas porque a RTP considerou que era dinheiro mal gasto. O critério, curiosamente, já não foi o mesmo em 2005, quando o Sporting foi à final da Taça UEFA, ou na época passada, quando o Benfica chegou aos quartos- -de-final. Neste caso, a RTP até chegou a transmitir as meias-finais na RTP-N porque já tinha comprado o jogo em casa do Werder Bremen, adversário da equipa portuguesa, caso esta tivesse chegado às meias-finais. Isto para não falar do Verão de 2003, quando a RTP se preparava para não transmitir a final da Supertaça europeia, entre F.C. Porto e Valência, alegando, primeiro, que o jogo não era oficial, depois, que não se tratava de final.
Aliás, para que estas coisas sejam realmente transparentes - e a RTP é uma empresa pública, subsidiada por todos nós, com obrigação de boas práticas e contas claras -, a estação deveria, por exemplo, tornar público quanto pagou pela transmissão de jogos do F.C. Porto, do Benfica e do Sporting nos últimos cinco, dez ou 15 anos. Todos perceberíamos melhor o conceito de serviço público para a RTP e o documentário de anteontem à noite.