DE CAMP NOU A ALVALADE
Para ganhar a Europa, mais sorte menos sorte, mais ou menos erros dos árbitros, é preciso ser o melhor. É isso que o Benfica tem de mostrar amanhã à noite.
1- Escrevia-se na sexta-feira passada aqui em A BOLA: "Embora oficialmente em Alvalade ninguém o assuma, não deixou de causar alguma estranheza o facto de Lucílio Baptista ter sido o eleito para o V Guimarães-Sporting... Tratando-se de um árbitro com muita experiência, era tido como um forte candidato a dirigir o Sporting-FC Porto. Afinal, vai estar em Guimarães..." De facto, foi visível durante vários dias o esforço concertado de dirigentes, treinador, comentadores e jornalistas leoninos no sentido de pressionarem para conseguir ter o seu árbitro fetiche no chamado jogo do título. E foi transparente a sua frustração, quase indignação, ao constatarem que, em lugar da sorte grande, lhes saiu a terminação. Ora, para além do facto, sempre indecoroso, de assistir a uma campanha organizada para obter a nomeação de determinado árbitro para determinado jogo, no caso concreto da pressão a favor de Lucílio Baptista, tal desejo é simplesmente obsceno.
Lucílio Baptista é consabidamente um dos piores árbitros de primeira categoria em actividade - basta consultar as classificações dos vários jornais para constatar que o seu nome nunca figura entre os primeiros. Depois, foi já o escolhido para dirigir esta época o FC Porto-Benfica e (olha a coincidência!) também o FC Porto-Sporting. Depois, foi o árbitro escolhido para dirigir nada menos que quatro dos últimos cinco Sporting-FC Porto ou vice-versa para o campeonato - e em todos, sem excepção, prejudicou o FC Porto. Enfim, para além desses duelos onde parecia ter lugar cativo, Lucílio Baptista revelou sempre, nos restantes jogos do FC Porto que arbitrou, uma aversão invencível ao azul e branco - como se viu recentemente no Marítimo-FC Porto para a Taça e como já se tinha visto na final da Taça de há dois anos, um Benfica-FC Porto onde a sua dualidade de critérios foi decisiva para o desfecho final. Com tal historial a seu favor, é preciso ter desplante para achar que ninguém mais que ele era o árbitro recomendável para Alvala-de. O facto de os sportinguistas tanto se terem batido pela sua nomeação dá muito que pensar sobre os célebres bastidores do futebol português.
Mas, se não conseguiu Lucílio para Alvalade, o Sporting conseguiu-o para Guimarães - que, como alguém do clube fez notar, era tão decisivo como o jogo de Alvalade. E em Guimarães, sem grande ocasiões para brilhar, Lucílio Baptista voltou a revelar os seus créditos: deixou dois penalties por assinalar, um para cada lado. Só que o primeiro era a favor do V Guimarães e, se convertido, teria posto o Vitória na frente do marcador. Já no Dragão, no FC Porto-Sporting fizera exactamente o mesmo, deixando por assinalar um penalty para cada lado, sendo o primeiro favorável ao FC Porto.
2- 0 Sporting recebe então o FC Porto sem Lucílio Baptista mas com a grande embalagem psicológica de quem vai em 10 vitórias consecutivas, sete jogos sem sofrer golos e uma tão grande confiança que não há jogador ou dirigente que não afirme que o campeonato não lhes escapará.
Mas, como mais uma vez se viu em Guimarães, o futebol do Sporting é insípido e tem como credo único esperar por um erro de arbitragem ou por um deslize do adversário. Depois, o Liedson resolve. Um futebol assim pode ser vencido:
- adoptando uma atitude de cautela e expectativa semelhante e, já que são eles que têm de vencer o jogo, deixar-lhes a iniciativa da construção, do risco e da imaginação;
- evitar a todo o custo qualquer jogada dividida ou confusa que possa proporcionar-lhes um penalty ou um livre à entrada da área;
- evitar qualquer palavra ou gesto de desagrado para com a arbitragem, por mais brando ou justificado que seja;
- não deixar nunca o Liedson afastar-se mais de meio metro, nem que ele jure que só vai à casa de banho;
- quando no ataque, cruzar bolas por alto para a zona limite da pequena área e ter pelo menos dois jogadores preparados para acorre rem às sobras;
A menos que qualquer coisa de verdadeiramente anormal suceda, tal deve bastar para que o FC Porto saia de Alvalade na condição de principal candidato ao título.
3- Com esta ou outra táctica, mais uma vez Co Adriaanse tem uma oportunidade para mostrar que não é um bom looser e é capaz de vencer algum jogo importante (em 11 oportunidades dessas, esta época, só conseguiu vencer uma vez, contra o Inter, e com uma tremenda dose de sorte).
Mas também, a avaliar pelo ensaio geral de domingo, contra o quase condenado Gil Vicente, o que não abundam por ali são ideias de como vencer jogos. A tão louvada táctica ultra-ofensiva de Adriaanse, os dois extremos, os quatro avançados, a subida constante dos defesas e a mobilidade intensa de toda a frente de ataque têm produzido paradoxalmente uma constrangente dificuldade de chegar ao golo, a par de uma grande eficácia defensiva, que se deve ao enorme Pepe. Com os jogadores que tem, com as facilidades de banco de que dispõe, não se compreende que até para jogar em casa contra dez, e depois nove, jogadores do Gil Vicente a equipa revele uma tamanha falta de imaginação e simplicidade de meios para conseguir marcar golos. O FC Porto deve ser a equipa do campeonato que menos golos obtém de bola parada (o que fazem nos treinos?) e é seguramente aquela que necessita de mais ataques, mais posse de bola e mais remates para facturar um golo. E, se o Sporting é liedsondependente, o FC Porto tem passado a época inteira a viver do desalinhamento de Ricardo Quaresma dentro de um esquema de jogo previsível e inócuo.
4- Amanhã à noite, em Barcelona, o Benfica joga a tremenda esperança de conseguir continuar a alimentar um sonho fantástico. Todos temos consciência de que, para que issosuceda, vai ter de ser o grande Benfica que jogou em Liverpool a partir dos 30 minutos de jogo, com um Simão igualmente inspirado e com a mesma sorte sobrenatural provocada pelas rezas de Moretto que teve na Luz contra este Barcelona e nos primeiros 20 minutos de Liverpool.
A meu ver, a crítica feita ao jogo da Luz da passada semana não ajudou muito a mentalizar os jogadores para a tarefa ciclópica que os espera amanhã à noite. Colocando toda a ênfase no penalty não assinalado a Tiago Motta, fazendo disso quase uma questão diplomática com a Catalunha, a crítica esqueceu-se de dizer que a vitória através desse penalty, deliberadamente provocado e caído do céu, teria atraiçoado por completo a verdade do que se passou em campo e teria apagado, em mais um milagre absoluto, o muito mau que o Benfica fez e consentiu. Ouvir, sem pestanejar, o Simão declarar no final do jogo, ao microfone da TSF, que "a sorte não esteve do nosso lado, esta noite", e continuar a insistir na tecla do penalty, como se ele tivesse sido a nota dominante do jogo e o único factor que determinou o seu desfecho, não ajuda, a meu ver, os jogadores a mentalizarem-se de que vão ter de fazer muito mais amanhã do que fizeram há oito dias.
Nestes grandes jogos europeus as grandes equipas nunca se queixam de um árbitro que tenha cometido apenas um erro: porque elas sabem que é preciso contar com isso e ser capaz de vencer, apesar disso. Ora, o que não deixa de me impressionar é uma crítica que, por razões clubísticas ou patrióticas, é capaz de fazer de um erro do árbitro o padrão de análise de todo um jogo - independentemente daquilo a que se chama a verdade ou a moral do jogo. A diferença entre, por exemplo, o penalty que o árbiárbitro não assinalou contra o Barcelona e os dois que não assinalou no sábado, no Restelo, contra o Benfica, é que no primeiro caso esse penalty talvez tivesse permitido uma vitória que o Benfica não justificou pelo que jogou e, no segundo caso, permitiu, de facto, uma vitória que o Benfica não justificou (e, com ela, já lá vão seis pontos seguidos graças a erros de arbitragem, perante o silêncio eloquente do sr. Veiga...). Para ganhar a Europa, mais sorte menos sorte, mais ou menos erros dos árbitros, é preciso ser o melhor. E isso que o Benfica tem de mostrar amanhã à noite. De certeza que não é fácil mas foi o que fez contra o Liverpool.
1- Escrevia-se na sexta-feira passada aqui em A BOLA: "Embora oficialmente em Alvalade ninguém o assuma, não deixou de causar alguma estranheza o facto de Lucílio Baptista ter sido o eleito para o V Guimarães-Sporting... Tratando-se de um árbitro com muita experiência, era tido como um forte candidato a dirigir o Sporting-FC Porto. Afinal, vai estar em Guimarães..." De facto, foi visível durante vários dias o esforço concertado de dirigentes, treinador, comentadores e jornalistas leoninos no sentido de pressionarem para conseguir ter o seu árbitro fetiche no chamado jogo do título. E foi transparente a sua frustração, quase indignação, ao constatarem que, em lugar da sorte grande, lhes saiu a terminação. Ora, para além do facto, sempre indecoroso, de assistir a uma campanha organizada para obter a nomeação de determinado árbitro para determinado jogo, no caso concreto da pressão a favor de Lucílio Baptista, tal desejo é simplesmente obsceno.
Lucílio Baptista é consabidamente um dos piores árbitros de primeira categoria em actividade - basta consultar as classificações dos vários jornais para constatar que o seu nome nunca figura entre os primeiros. Depois, foi já o escolhido para dirigir esta época o FC Porto-Benfica e (olha a coincidência!) também o FC Porto-Sporting. Depois, foi o árbitro escolhido para dirigir nada menos que quatro dos últimos cinco Sporting-FC Porto ou vice-versa para o campeonato - e em todos, sem excepção, prejudicou o FC Porto. Enfim, para além desses duelos onde parecia ter lugar cativo, Lucílio Baptista revelou sempre, nos restantes jogos do FC Porto que arbitrou, uma aversão invencível ao azul e branco - como se viu recentemente no Marítimo-FC Porto para a Taça e como já se tinha visto na final da Taça de há dois anos, um Benfica-FC Porto onde a sua dualidade de critérios foi decisiva para o desfecho final. Com tal historial a seu favor, é preciso ter desplante para achar que ninguém mais que ele era o árbitro recomendável para Alvala-de. O facto de os sportinguistas tanto se terem batido pela sua nomeação dá muito que pensar sobre os célebres bastidores do futebol português.
Mas, se não conseguiu Lucílio para Alvalade, o Sporting conseguiu-o para Guimarães - que, como alguém do clube fez notar, era tão decisivo como o jogo de Alvalade. E em Guimarães, sem grande ocasiões para brilhar, Lucílio Baptista voltou a revelar os seus créditos: deixou dois penalties por assinalar, um para cada lado. Só que o primeiro era a favor do V Guimarães e, se convertido, teria posto o Vitória na frente do marcador. Já no Dragão, no FC Porto-Sporting fizera exactamente o mesmo, deixando por assinalar um penalty para cada lado, sendo o primeiro favorável ao FC Porto.
2- 0 Sporting recebe então o FC Porto sem Lucílio Baptista mas com a grande embalagem psicológica de quem vai em 10 vitórias consecutivas, sete jogos sem sofrer golos e uma tão grande confiança que não há jogador ou dirigente que não afirme que o campeonato não lhes escapará.
Mas, como mais uma vez se viu em Guimarães, o futebol do Sporting é insípido e tem como credo único esperar por um erro de arbitragem ou por um deslize do adversário. Depois, o Liedson resolve. Um futebol assim pode ser vencido:
- adoptando uma atitude de cautela e expectativa semelhante e, já que são eles que têm de vencer o jogo, deixar-lhes a iniciativa da construção, do risco e da imaginação;
- evitar a todo o custo qualquer jogada dividida ou confusa que possa proporcionar-lhes um penalty ou um livre à entrada da área;
- evitar qualquer palavra ou gesto de desagrado para com a arbitragem, por mais brando ou justificado que seja;
- não deixar nunca o Liedson afastar-se mais de meio metro, nem que ele jure que só vai à casa de banho;
- quando no ataque, cruzar bolas por alto para a zona limite da pequena área e ter pelo menos dois jogadores preparados para acorre rem às sobras;
A menos que qualquer coisa de verdadeiramente anormal suceda, tal deve bastar para que o FC Porto saia de Alvalade na condição de principal candidato ao título.
3- Com esta ou outra táctica, mais uma vez Co Adriaanse tem uma oportunidade para mostrar que não é um bom looser e é capaz de vencer algum jogo importante (em 11 oportunidades dessas, esta época, só conseguiu vencer uma vez, contra o Inter, e com uma tremenda dose de sorte).
Mas também, a avaliar pelo ensaio geral de domingo, contra o quase condenado Gil Vicente, o que não abundam por ali são ideias de como vencer jogos. A tão louvada táctica ultra-ofensiva de Adriaanse, os dois extremos, os quatro avançados, a subida constante dos defesas e a mobilidade intensa de toda a frente de ataque têm produzido paradoxalmente uma constrangente dificuldade de chegar ao golo, a par de uma grande eficácia defensiva, que se deve ao enorme Pepe. Com os jogadores que tem, com as facilidades de banco de que dispõe, não se compreende que até para jogar em casa contra dez, e depois nove, jogadores do Gil Vicente a equipa revele uma tamanha falta de imaginação e simplicidade de meios para conseguir marcar golos. O FC Porto deve ser a equipa do campeonato que menos golos obtém de bola parada (o que fazem nos treinos?) e é seguramente aquela que necessita de mais ataques, mais posse de bola e mais remates para facturar um golo. E, se o Sporting é liedsondependente, o FC Porto tem passado a época inteira a viver do desalinhamento de Ricardo Quaresma dentro de um esquema de jogo previsível e inócuo.
4- Amanhã à noite, em Barcelona, o Benfica joga a tremenda esperança de conseguir continuar a alimentar um sonho fantástico. Todos temos consciência de que, para que issosuceda, vai ter de ser o grande Benfica que jogou em Liverpool a partir dos 30 minutos de jogo, com um Simão igualmente inspirado e com a mesma sorte sobrenatural provocada pelas rezas de Moretto que teve na Luz contra este Barcelona e nos primeiros 20 minutos de Liverpool.
A meu ver, a crítica feita ao jogo da Luz da passada semana não ajudou muito a mentalizar os jogadores para a tarefa ciclópica que os espera amanhã à noite. Colocando toda a ênfase no penalty não assinalado a Tiago Motta, fazendo disso quase uma questão diplomática com a Catalunha, a crítica esqueceu-se de dizer que a vitória através desse penalty, deliberadamente provocado e caído do céu, teria atraiçoado por completo a verdade do que se passou em campo e teria apagado, em mais um milagre absoluto, o muito mau que o Benfica fez e consentiu. Ouvir, sem pestanejar, o Simão declarar no final do jogo, ao microfone da TSF, que "a sorte não esteve do nosso lado, esta noite", e continuar a insistir na tecla do penalty, como se ele tivesse sido a nota dominante do jogo e o único factor que determinou o seu desfecho, não ajuda, a meu ver, os jogadores a mentalizarem-se de que vão ter de fazer muito mais amanhã do que fizeram há oito dias.
Nestes grandes jogos europeus as grandes equipas nunca se queixam de um árbitro que tenha cometido apenas um erro: porque elas sabem que é preciso contar com isso e ser capaz de vencer, apesar disso. Ora, o que não deixa de me impressionar é uma crítica que, por razões clubísticas ou patrióticas, é capaz de fazer de um erro do árbitro o padrão de análise de todo um jogo - independentemente daquilo a que se chama a verdade ou a moral do jogo. A diferença entre, por exemplo, o penalty que o árbiárbitro não assinalou contra o Barcelona e os dois que não assinalou no sábado, no Restelo, contra o Benfica, é que no primeiro caso esse penalty talvez tivesse permitido uma vitória que o Benfica não justificou pelo que jogou e, no segundo caso, permitiu, de facto, uma vitória que o Benfica não justificou (e, com ela, já lá vão seis pontos seguidos graças a erros de arbitragem, perante o silêncio eloquente do sr. Veiga...). Para ganhar a Europa, mais sorte menos sorte, mais ou menos erros dos árbitros, é preciso ser o melhor. E isso que o Benfica tem de mostrar amanhã à noite. De certeza que não é fácil mas foi o que fez contra o Liverpool.