Uma excelente crónica, para abrir os olhos a muitos que ainda não perceberam e vão na onda...
Jorge Olímpio Bento na sua crónica "Um olhar do Norte":
A operação Apito Dourado é muito rendosa. Vende jornais e programas rádio-televisivos; é óptimo entretenimento e dá notoriedade, aplausos e louros a gente sedenta de galarim, andor e glorificação, à custa da terra queimada. Para tanto é gerida com o rigor e mestria de um marketing perfeito. A preceito e à medida da ambição e metas de venda dos promotores e dos gostos e expectativas dos consumidores.
Sim, o futebol e seus nomes de proa são um apetecido alvo mediático. Essencialmente porque suscitam mais inveja do que admiração. Somos um povo atavicamente invejoso; temos inveja dos outros, do seu poder e competência, do seu mérito e reconhecimento, das suas gratificações e êxitos, do seu bem-estar e viver. A inveja reduz à sorte e acaso, à fraude e proteccionismo o sucesso alheio e atribui o insucesso pessoal ao azar e falta de oportunidade, à injustiça e incompreensão dos outros.
Ao conferir estrelato aos seus protagonistas, o futebol desperta portanto a aversão e inveja de quem se julga com mais direito a ocupar o pódio da promoção e veneração, da adulação e celebração, da exaltação e entronização públicas. À inveja junta-se a frustração, sobretudo quando os outros alcançam mais do que era suposto suceder. Não se aceita o triunfo alheio e tenta-se diminuí-lo para iludir o demérito pessoal.
Enfim o futebol congrega os ingredientes ideais para ser lançada sobre ele uma cruzada de ferro e fogo com impacto e lucro mediáticos. Até porque nas últimas décadas a maioria dos adeptos esteve em jejum e abstinência no tocante a êxitos significativos. Logo atribuir o sucesso de uma minoria a esquemas de fraude e corrupção compensa, embora de modo ilusório e triste, quem não tem argumentos para vencer.
Mas... não haverá corrupção no futebol? Admito que sim, mesmo sem ter provas. Imagino que, nas transferências de jogadores e no doping, haja motivos para séria preocupação. Não acuso árbitros, por mais que a prepotência e inadequação de alguns para a função ditem a reforma urgente. Não tomo cunhas, fanfarronice e sexo por provas de corrupção. Porém tenho a firme convicção de que esta é no futebol muito menor do que noutros sectores. Por isso não acredito na pureza bacteriológica das intenções que movem a investida contra ele, expressas na gestão mediática do processo. E também não vejo razão para envolver tantos meios na operação. Assim acho que o país tem o direito de saber os respectivos custos e os órgãos superiores da justiça têm obrigação de fazer luz e ser claros nesta matéria.
Não, não acredito na bondade da mediatização da operação e de quem dela se serve. Não acredito que seja expressão genuína do desejo sincero de um futebol mais limpo. O filme tem outro guião e este vai para além da bola. Sou céptico quanto aos motivos e fins; se eram puros na fonte, foram inquinados pelo caminho. Até agora só vi espuma colorida, conforme aos apetites do freguês. E, porque olho em redor, farto-me de ver sinais de suspeita e manipulação.
No essencial o processo está concluído; já tem escalpes e vencidos. Mesmo que não se provem os crimes imputados, há figuras que vão sair dele diminuídas e até destruídas, pelas energias gastas e pela vida devassada. Chegaram ao fim da linha, forçadas. Não sejamos ingénuos; era isso mesmo o que se exigia e saudava desde o início: abatê-las, para outras, com perfil nada melhor, terem o caminho livre e facilitado. Era só isso e nada mais que se esperava e concitava o aplauso entusiástico da maioria. Por esse lado os mentores e apoiantes do processo já ganharam, mesmo que o remate judicial venha revelar que a montanha pariu um rato. Isso já pouco importa; o que conta é o objectivo de antemão garantido por um plano bem gerido. Parabéns aos vencedores! Entre eles não conto a justiça nem a vontade de elevação cívica do futebol; o troféu é da santa aliança ávida de poleiro e poder.
Enquanto o apito distrai o povo e aliena a atenção, o polvo estende e engorda os tentáculos da sua acção. Também aqui há vencedores e vencidos; são sempre os mesmos, eternamente estabelecidos.