terça-feira, setembro 04, 2007

MIGUEL SOUSA TAVARES

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TÍTULO DE CAPA:

SE OS REFORÇOS NÃO FAZEM FALTA PARA QUÊ COMPRÁ-LOS?





TÍTULO DA CRÓNICA:

ESCRITA EM DIA






Se voltarem a perder o campeonato por um ponto, juro-vos que os sportinguistas virão dizer que só não foram campeões porque o árbitro percebeu mal que a intenção de Polga não era atrasar a bola para o guarda-redes no jogo do Dragão.


Onze dias fora do mundo sabem sempre bem, são até uma necessidade para quem, por dever de oficio, passa um ano inteiro, dia após dia, a seguir os sinais do mundo. Uma vez ao ano, pelo menos, eu dedico-me a esse exercício de limpeza do espírito. Infelizmente, porém, vem acontecendo ultimamente que, de cada vez que o faço, o meu afastamento coincide com algum momento decisivo da cena futebolística nacional, no que às minhas cores diz respeito. Afastar-me e perder um Benfica-FC Porto ou um FC Porto-Sporting, já vem sendo uma fatalidade que, todavia, não me faz prescindir do essencial — e o essencial, meus caros amigos, não é nem há-de ser nunca o futebol.

Desta vez, tudo se acumulou para me isolar do mundo: onde estive, não chegavam jornais nem televisão de Portugal, a Internet não funcionava e, para fechar o círculo, até o telemóvel caiu à agua e deixou de funcionar também. Soube-me pela vida! Lá soube que o FC Porto tinha ganho ao Sporting por 1-0 e que o Benfica tinha ultrapassado o FC Copenhaga e conseguido o acesso à Liga dos Campeões. E foi tudo.

Comecei a recuperar o perdido logo com a leitura dos jornais do dia no avião, e continuei com horas de leitura de dez dias de jornais atrasados, que me esperavam à chegada. Eis as conclusões resumidas deste curioso exercício de updating intensivo.

- O FC Porto ganhou ao Sporting aparentemente sem espinhas e apenas porque jogou mais ou menos mal ou porque fez mais pela vitória do que o adversário. Das várias opiniões lidas, não consta que o Sporting alguma vez tenha estado em perigo de poder ganhar o jogo ou sequer tentar ganhá-lo. A diferença para o jogo da Supertaça é que, desta vez, não apareceu um pontapé do outro mundo para desmentir a verdade do ditado que diz que quem não arrisca não petisca. Mas, afinal, os sportinguistas (nem outra coisa seria de esperar deles na hora da derrota…) trataram logo de vir explicar que só perderam o jogo por culpa do árbitro. Este teria interpretado mal a intenção de Polga ao atrasar a bola para o seu guarda-redes: ele não quis atrasá-la, quis apenas cortá-la — palavras do próprio Polga. Já há uns meses, também no Dragão, o Polga não teve intenção de derrubar o Pepe na área, quis apenas cortar a bola. Foi coincidência que então a bola nem se tenha mexido, enquanto o Pepe levantou voo, e coincidência que agora a bola tenha ido direitinha para as mãos do guarda-redes. A grande diferença é que, se então o árbitro esteve sincronizado com as intenções do Polga, desta vez não esteve. Mas parece também que, no domingo passado e frente ao Belenenses, o árbitro já esteve melhor sincronizado com as intenções sportinguistas. Basta ver como, desta vez, eles se remeteram ao silêncio sobre a arbitragem. No final, contas feitas e se voltarem a perder o campeonato por um ponto, juro-vos que eles virão dizer que só não foram campeões porque o árbitro percebeu mal que a intenção do Polga não era atrasar a bola para o guarda-redes, no jogo do Dragão. Vira o disco e toca o mesmo de sempre…

- Quarta-feira, o Benfica comprou mais três sul-americanos e Di Maria estreou-se, finalmente curado da lesão que trazia e confirmando as boas referências que lhe fizeram. E, no decisivo jogo de Copenhaga, conforme reza a crónica de A BOLA, teve a sorte do jogo e a sorte da arbitragem. E, assim, Camacho fez esquecer Fernando Santos e salvou a intangibilidade de Luís Filipe Vieira. Porque, se o Benfica tem falhado a Liga dos Campeões, para algum lado se iria virar a ira dos adeptos e palpita-me que, desta vez, não seria contra o treinador.

- Francamente, achei de muito mau gosto e muito pouco desportiva a intransigência do FC Porto ao não ceder ao adiamento do seu jogo contra o União de Leiria. Para mais, com a paragem do campeonato no próximo fim-de-semana, não havia argumento razoável que o justificasse (e, para mais, se o jogo tem sido ontem, eu já o tinha visto…). Parece-me que a intenção clara foi tirar partido do cansaço do adversário — e conseguiu-o. São jogadas que não gosto de ver, nem no meu clube ou, principalmente, no meu clube.

- Em três jornadas, o FC Porto matou três borregos da época passada: Sp. Braga, Sporting e U. Leiria. Foi um começo de campeonato a 100%, cuja importância se poderá revelar determinante no futuro. Mas nem tudo é líquido na equipa de Jesualdo Ferreira. A situação de Postiga, nem vendido nem aproveitado, é uma das razões de perplexidade. A outra é, obviamente, a situação dos reforços, de que já aqui falei. Jesualdo não gosta da palavra reforços e acha que numa equipa campeã ninguém é comprado para entrar a jogar mas, sim, para ficar em banho-maria, à espera que algum dos campeões se lesione. É um ponto de vista de treinador e aceitável, como todos os outros. Diferente é o meu ponto de vista, o de accionista e sócio pagante. E insisto no meu ponto de vista, já longamente exposto: se os reforços não fazem falta nem têm, por si só, categoria para entrar directamente na equipa, para quê a necessidade de comprar uma dúzia deles todos os anos, fazendo com que o grande problema da gestão do plantel seja arranjar clubes que os queiram por empréstimo? Das duas, uma: Jesualdo não tem razão na forma como não integra novos jogadores com valor na equipa, ou tem razão em não integrá-los mas, neste caso, deve uma explicação aos sócios sobre o motivo porque os quis, e logo tantos. É que gastar dinheiro a comprar jogadores por atacado é fácil. Só que depois vai ser urgente vender o Quaresma para esconder o défice acumulado a pagar ordenados a jogadores inúteis e excedentários.

- Desafio alguém a dizer-me quais eram os clubes de Carl Lewis, Jesse Owens, Juantorama, Abéé Bikila, ou qualquer outra das glórias eternas do atletismo mundial. Lá fora, de certeza que muitos não esqueceram os nomes de Carlos Lopes, Fernanda Ribeiro ou Rosa Mota. Quem não esqueceu, sabe que são atletas portugueses, mas de certeza que ninguém sabe a que clube pertenciam. O atletismo tem essa vantagem anti-clubística sobre o futebol. Ou melhor, tinha: porque esta semana, lendo opiniões de vários leitores de vários jornais, cheguei à conclusão de que os dois novos campeões mundiais, Vanessa Fernandes e Nelson Évora, não são de Portugal mas, sim, do Benfica. Pois felicito o Benfica pelos seus campeões do mundo mas, se não se importam, considero que eles são campeões de nós todos e não apenas dos benfiquistas.

PS: Se bem percebi, a minha colega de coluna, Leonor Pinhão, desmente que tenha tido alguma coisa que ver com a escrita do livro da d.ª Carolina Salgado ou com a entusiástica ressurreição das investigações do Apito Dourado, determinadas pela publicação dessa obra literária. Parece que ela, e citando as suas próprias palavras, nunca se dispôs a «sujeitar a verdade ao crivo do julgamento popular em função das paixões clubistas que toldam o raciocínio». Assim, por exemplo, o tão publicitado filme Corrupção — de que ela é autora do script e o marido da direcção — não tem nada que ver com um julgamento popular ditado por paixões clubistas, em que a verdade já está estabelecida previamente, sem necessidade de contraditório, o julgamento já está feito e a sentença já está dada. É tudo uma aldrabice.


Texto digitalizado por mim do jornal Abola. Agradecimentos ao Fernando pela compra da mesma.