Jesualdo, Quique e desconsiderações
Pergunta repetida a Quique Flores, na véspera do encontro com o Belenenses, publicamente anunciado como o seu último jogo no comando técnico do Benfica:
— Já alguém da SAD do Benfica falou consigo para rescindir o contrato?
— Não, já disse que não — desabafou Quique.
Pergunta dirigida a Jesualdo Ferreira, já tricampeão como treinador do FC Porto, na véspera do desafio da consagração portista contra o Sp. Braga:
— O aperto de mão que deu a Pinto da Costa significa que já foi selado o acordo de renovação do contrato?
— Se é pela questão dos apertos de mão que dou a Pinto da Costa, seria treinador vitalício do FC Porto — suspirou Jesualdo.
Por razões diversas e em circunstâncias, desportivas e profissionais, quase opostas, Quique Flores e Jesualdo Ferreira viram-se, nas últimas semanas, na situação ingrata e desconfortável de não saberem o que responder sobre o seu futuro próximo.
Num caso, o de Quique Flores, a desconsideração dos dirigentes benfiquistas, de Luís Filipe Vieira a Rui Costa, chegou ao ponto de permitirem que se discutisse amplamente a contratação e os problemas de recrutamento de Jorge Jesus ao Sp. Braga, ao longo de dias e dias, sem pronunciarem uma palavra em defesa da dignidade do treinador, Quique Flores, com o qual assumiram um contrato válido ainda para a próxima época. Pior: sem dirigirem, até à noite de sábado passado, um esclarecimento ou uma satisfação ao próprio — como se depreende da resposta de Quique sobre a hipótese de a SAD do Benfica rescindir o seu contrato.
No outro caso, o de Jesualdo Ferreira, é a deselegância de Pinto da Costa que tem protelado, deliberada e ingratamente, a indefinição sobre a renovação do contrato do treinador já tricampeão. Apostado em mostrar publicamente quem manda e a quem entende que cabem os louros pelos triunfos do futebol portista, Pinto da Costa tem sujeitado Jesualdo Ferreira à penosa tarefa de responder, com ar contristado e recorrendo a evasivas, a uma questão que, ainda por cima, está mais do que decidida na cabeça de todos, incluindo a de Pinto da Costa: a necessária e inevitável continuidade do treinador.
Por detrás do afastamento de Quique Flores da Luz, a meio do contrato que assinou com o Benfica, está uma filosofia de gestão desportiva, casual e impaciente, que é responsável pelo cemitério de treinadores em que se transformou o clube: já vai a caminho das duas dezenas em 15 anos, não há um único que resista duas épocas consecutivas e completas.
Sempre à procura do sucesso imediato e do regresso instantâneo aos grandes êxitos de um passado cada vez mais distante, as direcções do Benfica apostam tudo o que têm (e o que, muitas vezes, não têm), no início de cada época. Quem não vence à primeira é dispensado, desbarata-se o trabalho entretanto feito, os conhecimentos e métodos adquiridos, recomeça-se de novo, quase do ponto zero. Com outras caras, novas e abundantes promessas, expectativas ilusoriamente elevadas ao máximo, muitos milhões gastos em indemnizações e sempre mais contratações. Os resultados desportivos desta gestão imediatista e em desespero de causa estão à vista de todos. Os resultados financeiros vão ficando, por enquanto, na sombra dos gabinetes.
Luís Filipe Vieira regista a segunda pior série de resultados da história do futebol do Benfica: quatro épocas seguidas sem chegar, sequer, ao 2.º lugar no Campeonato. Entretanto, queimou Ronald Koeman, Fernando Santos, José Antonio Camacho, Quique Flores. Quem está, afinal, em causa: o presidente e o seu modelo de gestão ou a capacidade e qualidade dos treinadores?
Por tudo isto, o pré-demitido pelos jornais Quique Flores deve ter esboçado um sorriso ao ouvir, há dias, quando ainda nenhum responsável do Benfica falara com ele, Luís Filipe Vieira a considerar que se deve «desconfiar daqueles que não têm gratidão, porque a falta dela denuncia gente vulgar». Pois, pois.
Jesualdo Ferreira é o primeiro treinador a somar três títulos consecutivos de campeão no FC Porto e prepara-se para vencer, no domingo, a Taça de Portugal. Verá, entretanto, ser anunciada a renovação do seu contrato numa qualquer rábula ou cerimónia ao estilo de Pinto da Costa.
Mas já não escapará à descortesia e ingratidão de que foi alvo nestas últimas semanas, em que o presidente o forçou a fazer o papel de vencedor menor e oficialmente não reconhecido. Pinto da Costa considera-se acima, muito acima, de qualquer treinador do FC Porto. E faz questão de o demonstrar a todos. José Mourinho terá sido o único que não se submeteu a esse ditame. E a esse estilo.
Só verdades
Há 13 horas