terça-feira, março 31, 2015

MIGUEL SOUSA TAVARES - DOCE FRANÇA

1- A Selecção cumpriu a sua obrigação frente à Sérvia e praticamente já garantiu um lugar reservado no Europeu de França. Em boa verdade, não seria de esperar outra coisa, olhando desde logo para o grupo de qualificação: o único com apenas cinco selecções e a apurar os dois primeiros. O que ninguém poderia esperar é que abríssemos o grupo com uma derrota caseira contra a Albânia. Seguiu-se uma vitória feliz por 1-0 na Dinamarca e uma sofrida vitória em casa contra a Arménia, pelo mesmo resultado. Veio depois novo golpe de sorte, com as consequências da batalha político futebolística entre a Sérvia e a Albânia, que culminaram com a derrota de ambas na secretaria. E assim, sem nenhum brilho e um mínimo de esforço, chegámos à confortável situação de nos bastar ganhar em casa à Sérvia, para ficar com o assunto resolvido. Foi isso que a selecção portuguesa tratou de fazer anteontem, com nova vitoria tangencial frente a uma Sérvia que pareceu já descrente, desmotivada e absolutamente desínspirada. Mais uma vez, não foi um jogo brilhante, nem sequer bom (o último de que me lembro, foi na Suécia, no play-off que nos deu a qualificação para o Brasil). Sem treinador à vista, a Portugal bastou-lhe ter Ronaldo como treinador de campo e João Moutinho como maestro o suficiente para compensar alguns desempenhos francamente inferiores, como os de Danny, Nani, Bosingwa ou Eliseu. Talvez Ronaldo e Moutinho sejam, neste momento, os únicos grandes jogadores portugueses, numa Selecção que precisa como pão para a boca que apareça em campo uma nova geração de jogadores, aquela que Rui Jorge anda a preparar com brilhantismo.

2- Afinal, aqueles que dizem que ao Sporting renovado de Bruno de Carvalho só lhe faltam, por enquanto, resultados, estão enganados. Nas palavras do próprio presidente sportinguista, já há dois títulos que não lhe fogem: os de «campeão nacional e campeão europeu de gestão, em apenas dois anos». Foi, garante ele, «a maior reviravolta de um clube europeu, em termos de gestão!» Ou seja, ali só falham os jogadores ou os treinadores; no que depende do presidente, não só nada falha, como, olhando à volta, por toda a Europa, ninguém se lhe compara a gerir um clube. Um talento e uma vocação que vêm de longe, como ele confessa na entrevista que deu no sábado ao Diário de Notícias. Conta ele que, a primeira vez que foi com o pai ao futebol, a Alvalade, ele, ao ver jogar o Sporting, não pensou «vou ser jogador de bola», pensou sim «vou é ser presidente deste clube... e, passados uns anitos, chego mesmo a presidente».

Há, de facto, infâncias que predestinam o futuro, mas não para qualquer um da mesma maneira. Eu, por exemplo e por coincidência, também fui a um estádio pela primeira vez aos seis anos: e também ao Estádio de Alvalade; e levado também pelo meu pai, que era sportinguista e tinha decidido que chegara a altura de me juntar à tribo. O adversário era o FC Porto, que foi impiedosamente esmagado - como o era sempre, quando vinha a Lisboa naqueles tempos e que, ao longo da minha infância e juventude, me fez sofrer miseravelmente quando gastava todo o dinheiro que conseguira juntar para os ir ver serem sovados na Luz ou Alvalade. E, nesse dia, enquanto o Sporting vencia e humilhava o FC Porto, sucederam-me duas coisas que certamente não estavam nos planos do meu pai: sem saber porquê, fiquei instintivamente do lado dos que estavam a ser sovados e, simultaneamente, fiquei fascinado com o equipamento azul e branco — de um azul semelhante ao da Real Sociedad e que nada tem a ver com este azul acéfalo que os patrocinadores dos equipamentos actuais impuseram. Cheguei a casa e disse à minha mãe que já tinha clube: o FC Porto. Ela perguntou-me porquê e eu expliquei-lhe que tinha sido pela cor do equipamento. E ela disse-me:« Fez bem. Afinal, foi no Porto que nasceu, e eu também». Mas sucedeu-me ainda uma terceira coisa, justamente o contrário do que sucedeu a Bruno de Carvalho: a mim não me ocorreu querer ser presidente do FC Porto (aliás, aos seis anos de idade, eu nem sabia o que era um presidente), ocorreu-me, sim, querer ser jogador de futebol. Que foi uma paixão, um vício que alimentei sem desfalecimentos e mesmo com alguma esperança, até ao dia, aí pelos quinze ou dezasseis anos, em que disse ao meu pai que tinha recebido um convite para ir prestar provas no Belenenses e ele olhou para mim e matou de vez o sonho, de um só golpe: «Ó filho, deixe-se de disparates e trate mas é de ver se consegue uma positiva a Matemática!». Hoje, o que sei dos presidentes dos clubes em causa é que eles não gostam particularmente de mim: o do FC Porto pôs-me um processo, que decorre em tribunal, talvez por eu ser demasiado portista, e o do Sporting também me instaurou agora um, talvez por eu não lhe reconhecer o génio que apregoa. Mas continuo a achar que as coisas mais bonitas do futebol são as cores dos equipamentos e o sonho que milhões de miúdos de seis anos do mundo inteiro alimentam de um dia poderem vir a ser jogadores de futebol. Já os presidentes que, como Bruno de Carvalho (seguindo literalmente as pisadas de Cavaco Silva), são capazes de afirmar sem se rir «raramente me engano», esses, confesso, que só me remetem para aquilo que Hemingway aconselhava fazer com algumas pessoas: «Trata-os com ironia e compaixão». O que seria do futebol e da vida e de tudo o resto, se não nos enganássemos em tantas esquinas?

3- Já basta de bailinhos na Madeira: desta vez, espero e pressinto que o FC Porto vai finalmente pôr fim a um já longo historial de harakiris cometidos na ilha - essa ilha agora mais livre, mais atlântica, quase liberta do presidente vitalício A J. Jardim. Um facto que merece ser comemorado com uma vitória portista. E tal está apenas ao alcance de uma mudança de atitude em relação à que foi a postura de passividade dos jogos do campeonato contra Marítimo e Nacional. Mesmo desfalcado de alguns dos principais artistas do conjunto, mesmo tratando-se da competição menor da Taça da Liga, eu não espero outra coisa que não seja ver o FC Porto regressar de lá com o triunfo. Para que a seguir a equipa se possa concentrar no que realmente interessa.


4- Só para que não digam que nunca sou capaz de os elogiar, quero deixar aqui um testemunho de admiração genuína pelo que aqui li, na edição de 13 de Março, acerca do trabalho que o Benfica está a levar a cabo no Seixal, no Caixa Futebol Campus: a nível desportivo e a nível formativo. Mais tarde ou mais cedo, uma estrutura e um trabalho daqueles há-de dar frutos a favor do futebol português e das selecções. Só gostaria de ver idêntica reportagem jornalística feita junto do FC Porto e das suas escolas. Para perceber em que ponto de comparação estão os dois grandes rivais entre si.
in abola

Uma crónica ao nível do período "chocho" sem futebol a nível de clubes...