1. Escreveu aqui ontem o Fernando Santos, no seu editorial: "O país está cheio de sabichões de irregularidades de terceiros mas incapazes de assumirem perante as autoridades a responsabilidade da denúncia sem ser a coberto de um anonimato inclassificável".
Eu acrescento: e incapazes também, ou sobretudo, de (anonimamente ou não) denunciaram as irregularidades que eles próprios cometem. Porque de facto, neste país (e digo neste país porque é aqui que a discussão está centrada) toda a gente, ou quase toda a gente, "irregula" a toda a hora, ou a quase toda a hora.
2.E "irregula" por tudo, e para tudo. Até quando se trata da morte: Por favor, peça ao seu amigo cirurgião que opere o mais rapidamente possível a minha mulher, que tem lista de espera para mais uns meses! Senão, ela morre. E a verdade é que o cirurgião amigo lá dá um jeito na ordem dos "factores", e a senhora é operada e salva. Só que, muito provavelmente, à custa de alguém que não tinha quem fosse amigo do cirurgião... Cirurgião esse que, aliás muito naturalmente, pelo Natal, acaba por receber em casa, do marido da senhora, agradecido, seis garrafas de bom vinho, ou duas de champanhe, ou até apenas um bolo-rei. O que, no entanto, se houvesse uma denúncia, poderia dar em quê? Num caso de corrupção activa, presumo, noutro de corrupção passiva, e ainda num outro de intermediação (embora benévola) irregular, ou até se calhar fraudulenta, sei lá! Estão a ver...
3. E quando falo do cirurgião, do doente e do amigo de um e de outro, limito-me obviamente a dar um (aliás muito benigno) exemplo. Porque pode dizer-se o mesmo, ou muito pior, a respeito de todas as áreas de actividade, de todas as profissões, e de toda a qualidade de utentes. Por muitas razões e uma em particular: porque, em Portugal quem não "irregula", está lixado! Passa para trás, ou desaparece da lista.
4. Em Portugal com efeito, não há guichês. Ou se há, é só para os "camelos". Ser utente, é estar, numa escala social, entre o pobre de pedir e o pequenino, muito pequenino funcionário da vida, que ainda mal acedeu, se é que acedeu, ao telemóvel, ao televisor a cores, ao automóvel. Pelo que, tudo quanto ele desejaria, enquanto utente, usar, lhe é negado; ou então lhe é concedido em muito más condições: não tem nenhum amigo que conheça um cirurgião...
5. Mas voltemos à trave a ao argueiro. Porque, em seguida, lá vem a hipocrisia, o jesuitismo, a manhosice, e a denúncia, está bem de ver... Exemplo? Um árbitro não pode usar um emblema do seu clube, mas um jornalista, por exemplo, pode!. E porquê? Bom (vamos lá ser um bocadinho irónicos): porque o árbitro, quando apitar, vai ser com toda a certeza parcial (e há que denunciá-lo), o jornalista, quando escreve ou fala não, é claro...
Pelo que, morte ao dito árbitro, isto é, morte ao outro! A nós, evidentemente, não...
6. E depois, ainda por cima, o futebol tem a exposição mediática que tem!!!...
Começa a semana com isto
Há 12 horas