terça-feira, março 08, 2005

Miguel Sousa Tavares

Em primeira mão...


O FUTEBOL NÃO É TUDO


O Sporting manteve os jogadores principais, reforçou-se pouco mas bem,tem o mesmo treinador desde a pré-época e tem sido poupado em lesões e castigos.
E tem 13 pontos a menos do que tinha em idêntica jornada do campeonato passado. Como explicá-los?

1 - Deixem-me contar uma pequena história pessoal. Em 1978 o FC Porto quebrou um longo jejum de 19 anos, que vinha da minha infância, e sagrou-se, enfim, campeão nacional. Foi o princípio de uma reviravolta decisiva no panorama do futebol português e o início de uma bela história azul e branca, que dura até hoje. Nesse ano o jogo decisivo do campeonato foi o FC Porto-Benfica, da antepenúltima jornada, e que terminaria empatado 1-1, com golos de Humberto Coelho e Ademir. O empate haveria de aproveitar apenas ao FC Porto, que, vencendo nas duas últimas e seguintes jornadas, chegou ao título por goal average.
Aconteceu que nesse dia decisivo do FC Porto-Benfica eu estava de férias no Brasil, em Angra dos Reis, fazendo mergulho, que é um desporto que não vem nas páginas dos jornais. A única maneira de seguir as peripécias do jogo em directo era através do rádio do barco de apoio, sintonizado na onda curta da RDP. Mas o mar de Angra é tão fascinante que não consegui, apesar da importância do jogo, ficar a bordo a escutar o relato: mergulhava e vinha ao barco de vez em quando, para saber como corriam as coisas lá longe, e apenas o último quarto de hora segui à distância de um oceano e em directo.
Pois passados quase 25 anos, e em dia de FC Porto-Benfica, de novo empatados no cimo da tabela, dou comigo outra vez em Angra dos Reis, outra vez no mar, e desta vez, além de não ter televisão, nem sequer tinha um rádio para acompanhar o jogo em directo. E foi por telemóvel que tomei conhecimento da marcha do resultado e do desfecho final, igual ao de então: 1-1. Para aqueles que acreditam nas coincidências do destino, este já está, então, traçado: o Benfica está condenado e o FC Porto será campeão. Esclareço que não é o meu caso: não acredito em campeões por razões sobrenaturais. Mas há sinais que se colhem no mar e o principal é este: o futebol não é, longe disso, o centro da vida.

2 - Quando saí de Portugal o FC Porto e o Benfica estavam em primeiro, o Sporting a dois pontos e o Boavista a três. Regressei a tempo de ver a 24º jornada, finda a qual FC Porto e Benfica continuam empatados na liderança mas o Sporting está agora a três pontos e o Boavista a quatro. No entretanto, o Sporting seguiu em frente na UEFA, o FC Porto deu o passo atrás que se temia na Liga dos Campeões e o Benfica foi eliminado, como se previa, da Europa e compensou-se se com a passagem às meias-finais da Taça, ajudado por uma arbitragem que li ter-lhe sido bastante favorável e por um sorteio que, de há dois anos para cá, teima em só lhe reservar jogos na Luz. É difícil dizer, quem, dos três, andou mais para a frente ou para trás, nestes 15 dias.

Aparentemente, e apesar da esperada eliminação europeia, o Benfica terá sido quem menos perdeu: evitou a derrota no Porto, o que já não acontecia há uma década, e finalmente conseguiu ganhar na Luz ao Beira-Mar e na Madeira ao Nacional. Mas o empate no Dragão pode vir a revelar-se um resultado escasso e falsamente positivo e a vitória na Madeira, pelo que vi, só foi possível graças à sorte e a mais uma arbitragem amiga de Bruno Paixão, que, fazendo vista grossa a umpenalty logo de início, permitiu que a história do jogo se escrevesse de outra maneira. Não vi, em momento algum, a "atitude, personalidade e bom futebol", de que falou no final Trapattoni, nem vi razão para "calar as bocas", de que falava Simão Sabrosa. Mas esta tem sido a história do Benfica desde o início da épo-ca: não me lembro de um único bom jogo, de princípio a fim, que tenha feito.

Em Penafiel o FC Porto tinha, à partida, o mesmo enredo que o Benfica: um quintal de dimensões reduzidas e um relvado onde a bola não desliza, antes progride aos solavancos. Mas, ao contrário do Benfica, teve a sorte do jogo logo contra si, entrando a perder na primeira jogada do encontro - o que resultou em que, logo a partir daí, tenha sido obrigado a correr atrás do prejuízo, contra 11 jogadores do Penafiel barricados em metade do quintal. Jogando tão mal quanto o Benfica na Madeira, o FC Porto revelou, sim, muito mais atitude e muito mais personalidade. Ganhou no último suspiro do jogo, matando com as armas com que este ano já morreu várias vezes, mas fez por isso e mereceu-o. Essa foi a boa notícia. Isso mais a prestação crescente de Ibson e a estreia promissora, embora breve, de Leandro do Bonfim, que me pareceu incomparavelmente melhor, mais simples de processos e mais eficaz que o desesperantemente inútil Diego. Mas McCarthy foi mais uma vez injustamente castigado (ele não saiu do campo para receber assistência e, portanto, não necessitava de autorização para reentrar) e vai ficar de fora no próximo jogo, o que deixa a Couceiro a angustiante dúvida de escolher entre duas figuras de corpo presente, Postiga e Fabiano, qual dos dois poderá atrapalhar menos o ataque. (A propósito, depois de ver o excelente golo de Hugo Almeida e constatar que eleja marcou, em dois meses no Boavista, mais golos que Postiga marcou em dois anos no Tottenham e no FC Porto, pergunto-me por que razão foi ele o sacrificado para ser emprestado a um rival e, já agora, o que terá passado na cabeça de José Couceiro para deixar o Quaresma no banco e pôr o Postiga em campo, contra o Benfica? Às vezes acho mesmo que os treinadores se guiam por intuições irracionais e não por evidências.)


E, enfim, temos este inexplicável Sporting de José Peseiro, que tão depressa deslumbra como se afunda, de um jogo para o outro e, às vezes, durante um mesmo jogo. Foi o que aconteceu no Restelo, onde, durante 20 minutos da primeira parte, o Sporting voltou a mostrar um futebol feito de movimento, imaginação e abertura de espaços que não vi esta época a ninguém mais e depois desapareceu do jogo, como que por magia, e só por sorte não encaixou uma derrota humilhante. Toda a gente, e com razão, nota o abismo que vai entre o FC Porto deste ano e o da época passada, bem traduzido nos 17 pontos a menos que leva em idêntica jornada do campeonato. Mas o FC Porto perdeu jogadores fundamentais, comprou disparata-damente jogadores que se revelaram verdadeiro fiasco, passou pelos processos que passou com os treinadores e tem tido jogadores fundamentais, como Maniche e McCarthy, constantemente afastados por lesões ou castigos. O Sporting, pelo contrário, manteve os jogadores principais, reforçou-se pouco mas bem, tem o mesmo treinador desde a pré-época e tem sido poupado em lesões e castigos. E tem 13 pontos a menos do que tinha em idêntica jornada do campeonato passado. Como explicá-los?


3 - 0 apito dourado começou a descer ao sul e às ilhas e a envolver alguns árbitros cujo currículo os torna insuspeitos de serem amigos do FC Porto. Pressinto que para alguns espíritos o apito se está a tornar menos dourado.

4 - E o Conselho de Disciplina da Liga, já se demitiu? Já foi demitido? Ou tudo se passa como se nada se tivesse passado?