terça-feira, dezembro 05, 2006

Futebol e violência

Image hosted by Photobucket.com

Futebol e violência

Vendo jogar as equipas do Boavista que ele treina, pergunto-me se o Jaime Pacheco gostará de futebol. Talvez goste, mas não seguramente, do mesmo futebol de que eu gosto e do mesmo que leva as pessoas a deslocarem-se aos estádios

1- Tanto Vítor Pereira, novo presidente da Comissão de Arbitragem da Liga, quanto Ricardo Costa, novo presidente da Comissão Disciplinar, se declararam recentemente procupados com a violência que vêm observando em algumas jogadas do actual campeonato. Preocupados, mas — se bem percebi — impotentes ou indisponíveis para fazer alguma coisa. Li algures que a entrada de Katsouranis sobre Anderson, que retirou por longo tempo dos relvados portugueses o melhor jogador da Liga, foi considerada «banal» pela CD, e o árbitro que também a considerou banal — Lucílio Baptista — estava de regresso aos jogos da Superliga logo na jornada seguinte. Há três anos atrás, em Alvalade, Benny McCarthy, caído no chão, viu Rui Jorge aterrar-lhe involuntariamente em cima, ficando sentado sobre a sua cara. Esbracejou para se libertar e, ao esbracejar, terá atingido com o cotovelo o traseiro do defesa sportinguista. O mesmo Lucílio Baptista (sempre o árbitro de serviço aos jogos entre o FC Porto e os seus rivais) nem hesitou: considerou aquilo agressão e mostrou o vermelho directo a McCarthy. Já a CD da Liga (com outros dirigentes), resolveu agravar a pena normal, de dois para quatro jogos de suspensão, por entender que aquilo foi violência pura. Mudam-se os tempos, revê-se a doutrina: uma cotovelada no traseiro de um adversário que está sentado em cima da cara do outro, causando-lhe, talvez, um ligeiro desconforto, é um acto de violência; uma entrada a varrer, levando a bola e a perna do adversário e causando-lhe fractura do perónio e rotura de ligamentos do pé é uma entrada banal. Oxalá não haja muitas banalidades destas ao longo do campeonato!

Falando acerca deste assunto e outros co-relacionados, o novo presidente da CD da Liga deu a semana passada uma conferência de imprensa destinada a expor a nova filosofia disciplinar, a qual foi amplamente elogiada. Segundo o que li, Ricardo Costa afirmou que só em «situações limite, intoleráveis e absolutamente chocantes» é que serão doravante instaurados os célebres processos sumaríssimos. Por um lado, enquanto portista, não posso ficar senão aliviado, lembrando-me de que, no passado, os processos sumaríssimos mais pareciam processos azulíssimos, de tal modo era esmagadora a percentagem de casos em que eles eram aplicados a jogadores do FC Porto, em contraste com a raridade de vezes com que eram aplicados a jogadores de todos os outros clubes. Mas, por outro lado, fico preocupado: sabendo já que, de acordo com a nova doutrina, uma entrada como a do Katsouranis é banal, o que será preciso para que uma entrada seja julgada «intolerável e absolutamente chocante», ao ponto de justificar a atenção da CD? Será preciso o coma ou morte de um jogador?

Em abono da sua tese, disse o dr. Ricardo Costa que «esta Comissão Disciplinar não é órgão de recurso das decisões dos árbitros». Muito bem: a regra ficou clara. Só me pergunto para que servirá, então, a CD da Liga? Se é para aplicar de forma meramente formal e burocrática a lei (Fulano levou amarelo: um jogo de suspensão, Beltrano levou vermelho: dois jogos de suspensão), parece-me que qualquer funcionário administrativo serve, não havendo necessidade de ter um órgão integrado por magistrados e juristas para desempenhar a função.

Por exemplo: quase a terminar o FC Porto-Boavista desta jornada, o austríaco Linz teve uma entrada às pernas do Quaresma, quando a bola já nem sequer lá morava, que não foi exactamente uma entrada mas sim uma agressão a pontapé. Colocado a três metros de distância e de frente para a jogada, o árbitro Elmano Santos — que passou o jogo a contemporizar com a violência do futebol boavisteiro — ficou-se por um escandaloso cartão amarelo. Ora, segundo a doutrina exposta por Ricardo Costa, não há nada mais a fazer — ele não está lá para corrigir disciplinarmente em defesa do futebol as decisões dos árbitros. Nem mesmo se, por infortúnio, o Linz tem partido uma perna ao Quaresma e — se por coincidência, naturalmente — o FC Porto se visse agora com os seus dois principais artistas no estaleiro...

2- Vendo jogar as equipas do Boavista que ele treina, pergunto-me se o Jaime Pacheco gostará de futebol. Talvez goste, mas não, seguramente, do mesmo futebol de que eu gosto e do mesmo que leva as pessoas a deslocarem-se aos estádios. Como se pode gostar de futebol, quando se entra em campo a jogar deliberadamente para o 0-0, sempre com os onze jogadores atrás da linha da bola (inclusive nos pontapés de canto do adversário), renunciando ostensivamente a qualquer ensaio de contra-ataque, cortando todos os ataques organizados do opositor com faltas na zona intermediária e dando rédea solta aos seus jogadores para usarem de uma dureza, às vezes violenta, que não é apenas uma atitude defensiva mas uma estratégia de intimidação e desgaste físico planeado dos adversários?

Seguramente que João Loureiro não tem culpa que Pinto da Costa lhe tenha ido roubar o treinador que ele contratara para a época e que a experiência de emergência com um desconhecido treinador sérvio tenha fracassado. Mas o recurso, em desespero, ao regresso de Jaime Pacheco e dos seus conhecidos métodos é um sinal claro dado pelo presidente do Boavista: «Que se lixe o espectáculo, que se lixe o prestígio, que se lixe o futebol, que se lixem os adeptos e os críticos! É preciso é alguém que nos dê pontos!» O resto pode esperar. Mesmo que as bancadas do Bessa, e muito compreensivelmente, estejam sempre às moscas.

3- A diferença entre uma equipa de vencedores e as outras, é que, se todas elas são, ora vítimas de erros de arbitragem, ora beneficiadas com erros de arbitragem, uma equipa de vencedores tenta sempre lutar pela vitória, independentemente do que faz o árbitro, enquanto que uma equipa de perdedores vive a justificar as derrotas com os erros dos árbitros. Anda para aí muita gente que tenta diminuir o valor das vitórias de quem mais vence — o FC Porto — lançando mão de um arquivo de memórias selectivo onde repousam todas as situações em que, nos últimos 20 anos, o FC Porto terá sido beneficiado com erros de arbitragem. Escusado será dizer, porém, que a situação inversa — os erros contra o FC Porto — não constam nunca do arquivo, não ficam na memória e não merecem atenção.

Esta época, e já lá vão doze jogos, sucedeu que, felizmente, não há a registar nenhuma situação em que o FC Porto tenha ganho pontos graças a erros de arbitragem. E manda a verdade que se diga que o contrário também não. Mas, se o FC Porto não se pode queixar de nenhum erro de arbitragem que se tenha revelado decisivo, não é porque eles não tenham ocorrido, mas porque a tal atitude de vencedores levou a equipa a superar esses erros e a ganhar, apesar deles. Na penúltima jornada, no Restelo, com 0-0 no marcador, marcou um golo que só o árbitro e o assistente não viram: sem se incomodarem, continuaram à procura da vitória e alcançaram-na. Na jornada de sábado, contra o Boavista, também com 0-0, tiveram um penalty claro que só o árbitro não viu e outro mais discutível que ele também não viu, além de um já referido critério disciplinar de Elmano Santos de mãos largas para o antijogo boavisteiro: continuaram a porfiar até chegar à vitória. É assim que se limpam os arquivos e é assim também que se forjam os campeões.