segunda-feira, dezembro 24, 2007

Corte inglês




Álvaro Magalhães, escritor no JN:

No intervalo do F.C.Porto-Guimarães recebi o seguinte SMS de um amigo vimaranense: "Parece a PremierLeague".

Até aí, eu só tinha reparado que estava a ser um bom jogo, excepcional mesmo, se atendermos à regra dos jogos entre grandes e, digamos assim, mais pequenos, em que estes abdicam de jogar e se limitam às marcações, à redução dos espaços e aos mil recursos do antijogo.

Ora, sendo o jogo, na sua essência, um rito agónico, que exige o confronto, pode dizer-se que, nesses casos, não chega a haver futebol. Se o F.C. Porto-Guimarães agradou a tantos, foi justamente porque houve disputa aberta. E essa a matéria a que chamamos "bom jogo" e muitos confundem com espectáculo. E até do ponto de vista interesseiro dos pontos é vantajoso não ter a cabeça tão ocupada com a defesa, já que rende mais ganhar um jogo e perder outro do que empatar dois. Não é porter sofrido 17 golos que a U. de Leiria é o último classificado (o Villareal, em Espanha, já sofreu 19 e vai em segundo), mas por ter marcado apenas 6.

É, pois, esta persistente cultura defensiva que empata o nosso futebol e assegura a crónica mediocridade da nossa Liga, onde há pelo menos 10 Empata Futebol Clube. De tudo o que nos falta, o que mais falta nos faz é a mentalidade competitiva, razão porque não temos uma classe média apta a interferir ciclicamente com os três grandes.

Onde estão os nossos Sevilha, Villareal, Roma,Manchester City? O Guimarães, pelo que se tem visto, é um bom candidato a esse posto. Mentalidade não lhe falta. Nem adeptos de primeira, desses que aplaudem a equipa na hora da derrota. E até isso, de facto, nos lembrou a "Premier-League".

Mas quantos jogos assim podemos ver por cá? Poucos, não é? Ora ouçam: os ingleses codificaram o jogo a meio do séc. XIX e exportaram-no para todo o mundo. Ele tornou-se universal e durante muito tempo não foi preciso olhar para Inglaterra para se ver o verdadeiro futebol, que estava porto do o lado. Mas a vida deu uma volta e, agora, está na altura de voltar a olhar para lá e reaprender as noções essenciais, principalmente essa fidelidade ao espírito do jogo, que paira acima de quaisquer interesses.

É verdade, está outra vez na moda o corte inglês. E enquanto espanhóis e italianos (sim, até estes, que tinham o cattenaccio no sangue) já estão a afinaras suas culturas pelo padrão (outra vez) original e têm jogos mais abertos, disputados, com mais golos, nós continuamos a defender-nos ferozmente, embora não se saiba de quem ou de quê. Talvez do terrível Adamastor.Isto é, de nós próprios.

Ou será dos despedimentos? Deixo-o, leitor, entregue ao assunto, enquanto avanço para as últimas compras. Feliz Natal.

(digitalizado por mim do JN edição papel)