segunda-feira, fevereiro 02, 2004

A última virgem

JOSÉ MANUEL RIBEIRO no Ojogo

O Sporting quer o serviço completo; o jogo sujo e a reputação limpa. E exige dos outros jogo limpo e reputação suja. Os outros são beneficiados pelos árbitros. Os outros incitam à violência. Os outros pressionam a Comissão de Arbitragem. Os outros fazem simulações. Os outros chantageiam o Governo. Pelo contrário, o Sporting não é beneficiado pelos árbitros: vê ser-lhe feita justiça. O Sporting não incita à violência quando abertamente desrespeita os direitos dos adeptos do FC Porto recusando-lhes entrada; e também não incita à violência quando ignora as exigências da polícia no sentido de relocalizar os portistas nas bancadas: cumpre religiosamente as regras que escolhe. O Sporting não incita à violência quando atribui a pressões do FC Porto sobre as autoridades uma mudança que a polícia lhe exigia há mais de dez dias, como escreve o Expresso: faz valer os direitos dos seus associados. O Sporting não pressiona os árbitros: critica-os de uma forma construtiva, em jeito de profissão de fé. Os jogadores do Sporting não simulam: são barbaramente agredidos por telepatia (Dias da Cunha viu uma agressão a Liedson, por exemplo, e teve tanta certeza dela que a reclamou no final) e os penáltis não só são todos genuínos como representam apenas uma fracção dos que deveriam ter sido marcados e não foram (embora os nove assinalados até ao momento sejam uma espécie de recorde europeu).

O Sporting jogou bem. O empate tem menos a ver com o árbitro do que com a incapacidade do FC Porto para ultrapassar os erros dele. O árbitro é apenas mais um factor aleatório, como os buracos no relvado ou o oportunismo de Rui Jorge no lance que irritou Mourinho, contra os quais as boas equipas têm de estar preparadas. Algumas estão e outras nem por isso. Mas uma coisa é ganhar jogos, pontos e cartões vermelhos enganando árbitros com as simulações de Silva, João Pinto e Liedson ou com a perspicácia antidesportiva (ou não) de Rui Jorge - são as armas possíveis e, pelos vistos, não escandalizam ninguém, ponto final -; outra é ter, em paralelo, um discurso sonso e moralista, cheio de factos sempre indiscutíveis, esteja a razão onde estiver. A verdade é que a última virgem americana nem o umbigo tem por inaugurar.


Liedson
Sabe o que é um sumaríssimo?

Liedson fez rir toda a audiência da Sport TV quando, aproveitando uma palmada de Jorge Costa no pescoço, se atirou ao chão em desespero... dois segundos demasiado tarde. A cena foi ridícula e "gravemente atentatória da ética desportiva" (neste planeta e em todo o sistema solar), conforme o estipulado pelo regulamento disciplinar da Liga para a aplicação do processo sumaríssimo. Não vai acontecer nada, naturalmente, e ainda bem, porque gosto de o ver jogar. Até pela recém-descoberta faceta de comediante.


Mourinho
Um dia mau

Mourinho teve um dia mau. Correu mal o jogo e saiu-lhe mal também o discurso. Falar em sair do país coloca-o naquele patamar superior que lhe tem valido críticas. Quanto ao lançamento de Rui Jorge, não há como negar: ter a bola permanentemente debaixo de olho é uma regra básica. Não se pode contar com o fair-play do adversário.