domingo, novembro 26, 2006

Camisolas

Álvaro Magalhães, escritor no JN:

De que cor é a camisola do Benfica? Às vezes é como sempre deveria ser vermelha, cor de papoila quando saltita. Outras vezes, porém, olhamos e vemos lá uma espécie de cor de burro quando foge, algures entre o cinzento e amarelo.

"Os jogadores têm de saber o que é vestir a camisola do Benfica", foi o recado que Luis Filipe Vieira deu aos rapazinhos que correram em Braga. E onde estava ela, a camisola do Benfica? Os próprios adeptos encontram aí um estorvo à sua identificação com a equipa e têm-se queixado da anomalia. E como eles têm razão. Aliás, com a ocultação da verdadeira camisola esbatem-se também conceitos como "amor à camisola" ou "sentir, suar ou defender a camisola". E como querem os dirigentes que os jogadores defendam a camisola se eles próprios não foram capazes de o fazer?

Dantes, as actualizações ficavam-se pelo design das golas, debruados, decotes, e o equipamento alternativo era de uma cor neutra salpicada com notas da cor de referência. Depois passou-se a ousadas variações dos padrões e, aos poucos, chegou-se a um outro equipamento, sem as cores do clube, e que é usado mesmo quando não é necessário (contra o Celtic, por exemplo).

Está mal. As camisolas do futebol não precisavam de ir aos salões de moda. Símbolos são coisas sagradas e intocáveis, não devem mudar de aspecto ou de lugar sob pena de deixarem de o ser.

Esta ofensiva mercantil que varre o futebol, autêntica barbárie disfarçada de modernidade inevitável, onde tudo, sem excepção, se compra e vende, está a devastar sem piedade as conotações simbólicas dos clubes. É que estes rapazinhos também se fartam de correr. Primeiro, fizeram das camisolas painéis publicitários. Agora estão a comprar os nomes de estádios e os mais rápidos já começaram a comprar os nomes dos clubes. Sim, é verdade, o Inter de Milão tem negociações adiantadas para a venda do nome do clube a um Banco. E, sendo assim, já não está longe o Vodafone-F. C. Porto, o Somague-Sporting e o Caixa Geral de Depósitos-Benfica. E as camisolas, claro, terão as cores que tiverem.

Há salvação? Não me parece. Quem pode agora parar a marcha do comboio infernal? A própria FIFA, a quem competia zelar pelos aspectos simbólicos e totémicos, dorme descansadamente com o inimigo. Mas há sempre alguém que resiste e gera a possibilidade da esperança. Os adeptos mais inconformados do Manchester United fundaram um novo clube, o United of Manchester, que joga no escalão mais baixo e tem sempre três mil adeptos nas bancadas.

Ora, isto não é ainda a salvação, até porque esses adeptos continuam certamente a seguir os jogos do outro Manchester, mas quando eles se dirigem, nas tardes de sábado, ao campo do United of Manchester, à procura de mais pureza, devem voltar a sentir a consolação de quem regressa gloriosamente á infância para voltar a contar, do princípio, a mesma história.

Quando vemos que o mundo, à nossa volta, se desmorona, só nos resta recomeçar a criação do mundo.