quinta-feira, maio 13, 2004

Contar espingardas

JOSÉ MANUEL RIBEIRO

Para os leitores d'O JOGO que leiam apenas este jornal será mais difícil pressenti-lo, mas podem sempre acreditar na minha palavra: o Mundo virou do avesso para ficar tal e qual como estava, à excepção de José Mourinho, que passou a ter mais apoiantes. Eu explico: a tese, subscrita por António Tavares-Telles, de que o treinador arrisca abandonar o clube pela célebre porta pequena, somada a uma ou duas notícias dando conta do atrito entre ele e Pinto da Costa e outros dois ou três artigos assinados pela "guarda pretoriana" - que é como chamam ao grupo homogéneo de jornalistas que não têm, automaticamente, opiniões desfavoráveis ao FC Porto - renderam a Mourinho uma pequena onda de simpatia candidata a transformar-se em maremoto de solidariedade já nos próximos dias. É bem possível que a "arrogância" tenha desaparecido para sempre do currículo dele. Bastou soar que Pinto da Costa lhe fez má cara e, pronto, passou do exército das trevas para o da luz. Mas essa é uma posição esperada de quem vê o Mundo a preto e branco. O FC Porto não pode acreditar nisso. Perder as estribeiras por causa de uma visita indiscreta a Londres é uma coisa; renegar um treinador a quem, há uma semana apenas, clube e adeptos estavam dispostos a erguer altares é outra. Sobretudo, por tão pouco. Mourinho agiu com a ansiedade compreensível de um homem que, pela primeira vez, tem ao alcance da mão a segurança definitiva para si e para a família, mais uns quantos milhões que pode usar para construir já a equipa dos seus sonhos. Não há nada de especial nisto. Não é o primeiro a crescer para além dos limites curtinhos do país, nem esse crescimento é surpreendente. Desde o início da época que a saída pareceu não só certa como lógica - e o percurso na Liga dos Campeões só acrescenta uma tonelada de argumentos a essa garantia. O resto resolve-se com Halls Mentoliptus.