Miguel Sousa Tavares Nortada in aqui
FOI, de facto, uma semana alucinante, de terça a terça. Tantas coisas se passaram em catadupa, no mundo do futebol, que o melhor é passá- las em revista cronologicamente.
Terça-feira, 4
A noite histórica de La Coruña, os trezentos quilómetros que faltavam para que o FC Porto conseguisse a impensável proeza de chegar a duas finais europeias em anos consecutivos. Mas bastaram- me os cinco minutos iniciais do jogo para perceber que, a menos que alguma coisa de verdadeiramente imprevisto acontecesse, o FC Porto não deixaria escapar a eliminatória. A atitude com que a equipa entrou no jogo, e que manteve inalterável durante 98 minutos, foi de verdadeiro campeão, de quem sai em busca do seu destino, esteja ele ou não escrito nos designíos dos deuses. Desde o início, o Porto pôs em sentido um Corunha que, por contraste, acusou por completo a responsabilidade de ver a meta à vista e não conseguir reunir a calma, a lucidez e a coragem demanter o ritmo até lá — o célebre e muito estudado síndrome de Mamede. Inversamente, o FC Porto mostrou de que raça são feitos os verdadeiros campeões e uma vez mais provou que é nos grandes momentos que se conhecem os grandes jogadores, os grandes treinadores e as grandes equipas. Na primeira parte manteve demesticado o adversário, na segunda entrou decidido a resolver as coisas rapidamente e ao terceiro golpe chegou ao destino. Também eu reparei no pormenor para que José Mourinho chamou depois a atenção: dos sete jogadores em perigo de levar segundo amarelo, nem umsó cometeu qualquer falta que o justificasse e, aliás, em conjunto, todos eles cometeram apenas oito faltas. Isto define uma equipa que consegue, num ambiente adverso e num jogo de vida ou morte, buscar a vitória sem nunca perder a lucidez. Acertei no desejo-previsão de que o Derlei jogaria de início e aguentaria o jogo todo. Enganeime na inclusão de McCarthy, preterido por umPedro Mendes que, em minha opinião, foi o único que destoou. E enganei-me, e ainda bem, na previsão de uma arbitragem caseira do Colina (já agora uma pergunta aos especialistas: quando falam num penalty contra o Porto que ele não marcou, por agressão do NunoValente aumadversário, poderia haver penalty com o jogo parado e a bola fora, à espera da marcação deumcanto?) Em 180 minutos de eliminatória o Corunha só construiu, e no seu terreno, duas oportunidades de golo, uma das quais — a mais flagrante — porque a defesa do Porto parou à espera de um offside inexistente. O FC Porto atirou duas bolas à trave e falhou mais duas oportunidades claras, além de ter disposto de um penalty não assinalado, no Dragão — onde o Corunha defendeu 90 minutos com onze jogadores atrás da linha da bola e um intenso recurso a toda a espécie de antijogo. É, por isso, inacreditável o facciosismo da imprensa espanhola a analisar o jogo e o tom de desprezo com que apreciam previamente uma final entre oMónaco e o FC Porto: os ricos ofendem-se com as veleidades dos pobres.
Quarta-feira, 5
Mourinho parte para Londres — ele vai ver o Chelsea, a família vai ver a cidade. Manifestamente, a viagem tem dois objecÉ tivos, mas é, de facto, precipitado e injusto julgar, como o António Tavares Teles fez, que Mourinho se prepara para sair pela porta pequena.
Quinta-feira, 6
Também eu parto para um pouco mais longe e, lá onde estou, chegam-me as extraordinárias notícias das ofertas loucas do Sr. Abramovitch. Se, realmente, se confirmar a oferta anunciada — sete milhões de euros por Mourinho mais o trio Deco-Costinha- Paulo Ferreira, ou cinco milhões por todos eles menos o último, é caso para dizer que Mourinho sai em ombros pela porta da Maratona. Mas é cedo para falar disso: há ainda duas finais pela frente e José Mourinho tem, pelo menos — e só isso, se calhar — de demonstrar ainda que tantas negociações semi-secretas e tantosmilhões acenados aos quatro ventos não deram a volta à cabeça do núcleo duro azul-e-branco.
Sábado, 8
E o impensável acontece: o galáctico Real Madrid, a melhor equipa de futebol jamais reunida, soma a quarta derrota consecutiva e, em pleno Chamartin, despede- se do campeonato, depois da Taça e da Liga dos Campeões. Nunca alguém prometeu tanto para cumprir tão pouco. Lá longe chegam-me notícias de que Carlos Queirós poderá ser aposta de Pinto da Costa para suceder aMourinho. Espero bem que seja uma notícia de empresário: com Queirós à frente do FC Porto, o espírito de vitória desta equipa esfumar- se-ia emmenos de umtrimestre. Além de que, eu pelo menos, ainda não esqueçi o que ele dizia e insinuava sobre o FC Porto quando, à frente de uma excelente equipa do Sporting, não conseguiu ganhar-nos o Campeonato.
O FCPorto ganhou mais um título nacional no andebol. Ajuntar aos do futebol e de básquete, já garantidos. E ainda tem o hóquei em patins, onde depende apenas de si próprio para ser também campeão: as quatro principais modalidades profissionais entre nós. Embora no domínio das amadoras, o Sporting não ficou também de maõs a abanar: sucedendo ao eterno rival, ganhou o título de futebol de salão, uma modalidadeemfranca expansão, desde que o FC Porto desatou a acumular títulos no estádio e não mostrou desejos de transferir o seu futebol para o pavilhão.
Domingo, 9
Falho a última jornada do Campeonato — acho que vai ficar a ser o único jogo do FC Porto que eu não vi esta época, excepção feita a dois jogos da Taça. Mas f i q u e i a saber que o McCarthy arrancou, e em grande estilo, o pódio dos melhores marcadores, mesmo sobre a meta, e que o Sérgio Conceição culminou da mais infeliz maneira um regresso falhado. Eis duas previsões em que acertei, assim que ambos vieram. Fico a saber também que o Benfica esperou até ao último minuto para assinar a sua presença em nova tentativa de qualificação para a Liga dos Campeões, após uma recuperação final a todos os títulos notável. E sei, enfim, que o Sporting imitou, à sua escala, a época de todas as derrotas do Real Madrid, em Espanha, e que Belenenses e Guimarães, apesar de novas derrotas, safaram-se do que teria sido uma mais do que merecida descida de divisão (e cumprindo assim a profecia do despromovido José Couceiro, e que é, de facto, uma coincidência que já vem registando-se há duas épocas: nunca descem equipas com estádios para o Euro).
E eis a minha pessoalíssima selecção para o onze deste Campeonato: Moreira ou Vítor Baía (não consegui decidir); Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho, Michel van der Gagg e Rossato; Deco, Rochemback e Maniche; Derlei, Liedson e Douala. Os onze são afinal doze: seis do FC Porto, dois do Sporting e um de Benfica, Marítimo, Nacional e U. Leiria.
Segunda-feira, 10
No regresso a casa fico a saber pelos jornais que, com a sua vitória emGuimarães, «ficou provado que o Sporting foi a melhor equipa do Campeonato». Como julgo recordar que o FC Porto também disputou o mesmo Campeonato, isto equivale a dizer que o Sporting é a melhor equipa portuguesa da actualidade.Aúltima vez que olhei para o ranking da FIFA lá vinha o Sporting, se bem me recordo, em 351.º lugar e o FC Porto classificado como a terceira equipa mundial da actualidade. Há, manifestamente, um problema de desactualização da FIFA, cujos critérios não alcançam as especifidades do sistema português.
Terça-feira, 11
O FC Porto regressou hoje ao trabalho para preparar a final da Taça. Os jogadores do Benfica têm mais um dia de folga, só regressam amanhã. Que domingo haja uma bonita festa no Jamor, um grande jogo de futebol, uma arbitragem limpa e sem casos e que ganhe a melhor equipa desse jogo. São os desejos de um portista.
Os cobardes adoram linchamentos
Há 4 horas