quinta-feira, janeiro 04, 2007

ENTREVISTAS e mais ENTREVISTAS

Há falta de futebol só deu entrevistas...MOURINHO - QUARESMA - DECO - CÉSAR PEIXOTO - COSTINHA - HILÁRIO - HUGO ALMEIDA - CARLOS QUEIROZ , tiradas do OJogo e JN...quem leu, leu...quem não leu, tivesse lido ou leia aqui :









"A minha melhor equipa foi o FC Porto de 2003"


Mais português do que nunca, tão confiante como sempre e cheio de certezas a respeito de qual é o melhor caminho, seja para o Chelsea que o FC Porto vai encontrar em Fevereiro, seja para as selecções, a quem gostava de cortar umas pontas, seja para lutar contra... a co-incineração. Mourinho actualizado.


Esta não é, ou não foi, uma entrevista de circunstância. Quando a fizemos, não havia um FC Porto-Chelsea em Fevereiro. Nem o livro de Carolina Salgado. Nem Maria José Morgado. Demasiados temas para emendar em cima do joelho num trabalho que pretendia ser um ponto da situação e também, por que não?, a curiosidade de conhecer o discurso de Mourinho sem todos os dados sobre a mesa. Teria pintado o mesmo retrato das forças e fraquezas do Chelsea? Diria que a sua equipa está mais lenta, embora controle melhor os jogos? Do FC Porto, de qualquer forma, falou depois e toda a gente ouviu. Disse que é preciso respeitá-lo e que o Chelsea precisa de estar no seu melhor para ganhar. E com isso lançou na dúvida centenas ou milhares de cabeças conspiratórias. A intenção seria diminuir o FC Porto, por lhe parecer importante informar aos jogadores de que é preciso respeitá-lo? Ou, pelo contrário, enchê-lo de confiança para tirar partido disso na altura oportuna? Ou (impensável) estava a ser sincero?

- Uma pergunta em duas etapas para abrir: os produtores de vinho português já lhe agradeceram?
- Já me agradeceram e já me mandaram qualquer coisa, no ano passado. Este ano esqueceram-se, mas se calhar é por alturas do Natal. Mas agradeceram por ter falado na qualidade dos vinhos portugueses e de alguma forma os ter ajudado no mercado inglês. No entanto, só o fiz porque, apesar de não ser especialista, sabia que era um vinho que podia publicitar. Não o faria só por ser português. Fi-lo porque era português e porque tinha a garantia de ser um produto de qualidade. E acho que temos de nos ajudar uns aos outros.

- Pergunto-lhe isso porque numa das últimas conferências de Imprensa que deu como treinador em Portugal pediu para ir embora porque entendia que o país não o queria lá. Porquê essa necessidade de retribuir a um país que não o queria?
- Quando treinamos equipas portuguesas e saímos do país não chegamos a aperceber-nos do que é ser um português a trabalhar no estrangeiro. Nós sentíamos isso também um pouco quando o Benfica ia treinar aos Estados Unidos ou quando jogávamos alguma dessas supertaças em Paris, como cheguei a disputar quando era adjunto, mas nunca tínhamos o entendimento perfeito do que é ser português e trabalhar no estrangeiro. É preciso estar fora e falar com o Pauleta, em França, e se calhar com o Meira na Alemanha ou com outros que estão aqui em Inglaterra para saber as saudades que têm do país ou quais as dificuldades que enfrenta um emigrante comum - não um emigrante privilegiado como nós - para se integrar numa sociedade que não é a dele. Entendo agora na perfeição como é que o FC Porto ia jogar ao estrangeiro e havia bandeiras tanto do FC Porto como do Benfica e do Sporting. De facto, o futebol é um factor de união. Há uma atracção ao país de origem e eu, apesar de ter uma vida social limitadita, percebo aquilo que significamos para as pessoas aqui. Acho que somos mais nacionalistas. Gostamos mais da selecção do que aquilo que gostávamos. Se me perguntasse há cinco ou seis anos se eu queria que as outras equipas portuguesas ganhassem nas competições europeias, respondia-lhe que me estava nas tintas. Se estivesse no Benfica, não queria saber se o FC Porto ganhava ou não; e se estivesse no FC Porto também não queria saber do que sucedia ao Benfica. Agora encontramo-nos numa situação em que todos queremos que o FC Porto, o Benfica e o Sporting ganhem. Viver fora torna-nos diferentes. Essa coisa do vinho não é uma retribuição. É o querer. A Mariza veio cá cantar e nós só não fomos porque estávamos em estágio na Alemanha, mas as mulheres foram porque, para além de ser uma grande cantora, é portuguesa.

- Perante uma mentalidade como a inglesa, acha mesmo possível alterar, com essas acções, a ideia que fazem dos portugueses?
- Acho que é possível. Mesmo a nível do embaixador e do cônsul, temos o "feedback" de que sim, é possível. E há pessoas nesta cidade com sucesso em diferentes áreas, não é só no futebol. Há bons médicos, banqueiros, gente em várias actividades com enorme competência. Por isso, por que não?

- Admitiu numa entrevista a um jornal espanhol que o modelo que está a utilizar no Chelsea não é o que lhe agrada mais mas sim o que lhe permite mais vitórias no campeonato inglês. Nesse caso, qual das suas equipas melhor coincidiu com os seus gostos pessoais?
- A minha melhor equipa foi a do FC Porto que ganhou a Taça UEFA, o FC Porto que nós construímos no nosso segundo ano, em 2003. Não me recordo de ver uma equipa defender tão bem ou a definir tão claramente os sítios em que queria defender. Fazia as melhores transições que alguma vez vi. E isto tendo em conta o que, ao mesmo tempo, se conseguiu ao nível individual, que foi fazer com que jogadores que ninguém conhecia assimilassem esses princípios. Recordo que eles não tinham estatuto quando chegaram ao FC Porto; Nuno Valente, Paulo Ferreira, Maniche... O próprio Costinha ainda não se tinha imposto no futebol português. Progressivamente, é uma equipa que ganha a Taça UEFA, a Liga dos Campeões e que faz cinquenta por cento da selecção portuguesa vice-campeã da Europa e semi-finalista no campeonato do Mundo. É um grupo de jogadores que passou do nada à Lua; uma equipa que partiu absolutamente do zero, em França, na pré-época. A forma como cresceu foi absolutamente fantástica. Se me perguntar se a equipa do ano seguinte era melhor, talvez fosse. Já tinha melhores jogadores, que já estavam numa fase diferente do seu processo de formação; e contratou-se mais um ou outro, o McCarthy, por exemplo, que veio trazer mais valor. Se me perguntar se o Chelsea de agora é superior, também digo que sim, porque tem melhores jogadores, mas no conceito de equipa, a construção que mais prazer me deu foi a que me trouxe o primeiro campeonato e a Taça UEFA.

- E pensa adaptar o Chelsea ao tal futebol de que gosta, um dia destes?
- O campeão inglês não teria hipótese de ser campeão em Espanha e o campeão espanhol não teria hipótese de ser campeão no campeonato inglês. Quando há diferenças culturais tão acentuadas, é muito, muito importante construir-se uma equipa adaptada à realidade. Depois, quanto mais tempo se trabalha e quanto melhor se torna, deve ser flexibilizada de forma a poder defrontar adversários de diferentes escolas. Mas acho que, como está, o Chelsea é o melhor para ter sucesso na Premier League. Ganhámos dois campeonatos e estamos num terceiro ano em que, sem querermos perder as características que nos permitiram vencer em Inglaterra pretendemos fazer algo mais a nível europeu, daí sermos uma equipa diferente, mais dominadora, mais controladora da posse da bola e dos ritmos do jogo. O facto de jogarmos em simultâneo com Makelele, Essien, Lampard e Ballack fez-nos uma equipa muito mais dominadora. Ao mesmo tempo, mais lenta, com transições menos efectivas, menos poderosas, mas uma equipa com muito mais controlo do jogo e dos ritmos. Isso talvez nos dê melhores condições para sermos bem sucedidos a nível europeu.

- Para ser o melhor clube do Mundo não é preciso forçar as pessoas a renderem-se à qualidade do futebol?
- Para sermos o melhor clube do Mundo era preciso comprar a história do Milan ou do Real Madrid e não podemos.

- Portanto, quando o Peter Kenyon, director-executivo, se comprometeu a tornar o Chelsea o melhor clube do Mundo em poucos anos estava a falar de uma missão impossível?
- O Peter é responsável por uma área que não é a minha. Eu digo que, para ser o melhor clube do Mundo, é preciso comprar o que não há no mercado. A história não se compra, constrói-se; e começa a construir-se como nós começámos: ganhando títulos. Fundamentalmente, é isso. O meu contrato é até 2010, não sei se será até essa data que o Chelsea lá vai chegar, mas o que garanto é que as equipas onde estou ganham títulos. Algum dia não ganharão, mas a história assim o diz e a melhor forma de um clube crescer é essa.


Plantel reduzido obriga a ter só os melhores jogadores do Mundo ou os que estão a caminho disso

"Shevchenko e Ballack são aquisições de que nós pensávamos necessitar"


- Em Portugal, debateu-se muito, na época passada, as vantagens e desvantagens do futebol-espectáculo e daquilo a que agora se chama defensivismo. Sentiu-se do lado dos vencedores ou dos vencidos com o campeonato do Mundo ganho pela selecção italiana?
- Nem vencedor nem vencido. É difícil identificar-me com correntes tão radicais de opinião. Para mim, o futebol é tanto melhor quanto mais equilibrado for. Futebol sem equilíbrio não é um futebol ganhador. Pode haver uma dominante, pela qualidade dos jogadores ou pelo próprio modelo de jogo que o treinador adoptou, ou seja, pode haver afinidades com uma dessas correntes, mas isso do futebol ofensivo ou defensivo é fictício ou anda lá perto. Se há pessoas que dizem que as minhas equipas são mais defensivas do que ofensivas, vejam as estatísticas e procurem quem marque mais golos do que elas. Ou vejam quem tem cerca de oitenta jogos seguidos em casa sem perder - e quando digo sem perder é que foi quase sempre a ganhar. Já nem sei quantos jogos são; sei que vão quatro épocas e meia sem uma única derrota em casa para o campeonato. Não sei se é recorde do Mundo ou não, mas se não é deve estar muito perto. Portanto, não sei identificar lá muito bem essa diferença. Acho que a Itália era uma equipa equilibrada, que arriscava quando tinha de arriscar. Na própria final, não jogou para as grandes penalidades. Quando sentiu que podia ganhar, acabou a jogar com Del Piero, Totti, toda a gente junta no ataque ao mesmo tempo. Sempre digo que os treinadores de clube, normalmente, são melhores do que os de selecção, porque trabalham todos os dias e jogam muitas vezes; quando se joga e trabalha mais vezes, a experiência floresce. Se calhar, o Lippi fez a diferença por ser um grande treinador de clube e ter chegado à selecção num momento crucial.

- Nesse caso, se eu lhe pedir que defina futebol-espectáculo, consegue fazê-lo?
- Futebol-espectáculo? Depende. Se eu for um espectador e não tiver um sentimento clubista, futebol-espectáculo é aquele com mais gestos individuais biomecanicamente perfeitos. É o pontapé de bicicleta, é o toque de calcanhar, é o drible...

- Por acaso, não tem nenhum jogador desse género no seu onze habitual...
- Não tenho nem quero. Enquanto profissional, os meus princípios são outros. Quando me pedem que ajude a transformar o Chelsea num dos melhores clubes do Mundo, tenho de ir à procura de resultados. E repito: estamos a falar de países culturalmente muito diferentes. Há jogadores que brilham de determinada maneira noutros campeonatos que aqui não conseguiriam fazê-lo.

- Porquê estrelas como Shevchenko ou Ballack depois de ter alimentado tão bem a equipa com jogadores escolhidos um patamar abaixo?
- Não me voltei para as estrelas. São duas aquisições de que nós pensávamos necessitar. Se queríamos ter um plantel dos mais curtos do futebol inglês e talvez do futebol europeu ao mais alto nível, precisávamos de ter muita qualidade em poucos jogadores e depois uma segunda linha de elementos jovens que pudéssemos trabalhar. Para termos dois médios de 19 anos, como o Diarra e o Mikel, na segunda linha, precisávamos de uma primeira linha de gente feita, de gente com experiência, adaptada a este tipo de responsabilidades. Para ter somente três pontas-de-lança no plantel, um dos quais um Kalou com vinte anos, também era necessário ter outros dois com níveis de maturidade grandes. Quando uma equipa é tão boa como a nossa, ou se contrata grandes jogadores de créditos firmados ou vamos à procura dos melhores jovens talentos. Acabámos, entre aspas, com as contratações de nível médio - ou jogadores de plantel, digamos assim - e fomos à procura de qualidade máxima, ou em jovens ou em elementos deste nível. E pensamos também que a nível de outras áreas de acção do clube, marketing e desenvolvimento da marca, também era importante termos jogadores de um determinado carisma.

- Mas cumpriu-se totalmente a sua vontade ou teve de a flexibilizar?
- Cumpriu-se na totalidade. Farto-me de rir quando vejo empresários ou dirigentes de clubes dizerem que o Chelsea está interessado neste, naquele e no outro. E farto-me de rir porque vai sempre dar ao mesmo: quem toma a decisão sou sempre eu. Podem falar do que quiserem.


"Deve haver quem trabalhe mais que eu"

Explicação para o sucesso está na "punch line": "Trabalha é pior"


- Quando falou do Alex Ferguson, recentemente, deu uma definição interessante de si: ele joga golfe nos tempos livres, você dedica-se a cem por cento ao futebol. É o tão procurado segredo do José Mourinho? Ganha porque trabalha mais do que os outros?
- Não, não, não. Disse isso a respeito de reuniões a que eu ia e ele, se calhar, não. Cada um tem o seu conceito de trabalho. Daqui por dez anos, talvez o meu se modifique. Actualmente, é este. Trabalho é trabalho e pronto. Não estou como o outro, que dizia trabalho, trabalho, trabalho e trabalho, porque acho que se deve trabalhar com qualidade, mas levo o trabalho a sério. Não sei como fazem os outros. Devem trabalhar muito bem, cada um à sua maneira.

- Portanto, essa não é a definição correcta do José Mourinho?
- Não. Deve haver quem trabalhe mais do que eu. Trabalha é pior.

- De qualquer forma, como contrapartida ao tempo que o Alex Ferguson gastará com o golfe, o José Mourinho tem os anúncios. Tornou-se uma parte complicada da sua vida?
- Não. O Alex joga golfe e se o joga é porque gosta. E faz muito bem. Já fez o suficiente na carreira para gozar a vida. Tenho uma admiração enorme por ele e pela filosofia, porque ama o futebol e não o larga, nem tem data prevista para o deixar. Sente-se, claramente, que se ganhar um campeonato outra vez vai divertir-se tanto como quando ganhou o primeiro, há vinte anos. Se calhar, está no caminho certo, a fazer as coisas certas nas horas certas.

- E os anúncios?
- A mim, a única coisa que roubam são dias de férias, porque eu nunca faço anúncios em tempo de trabalho. Faço-os sempre no verão e em Portugal. E posso dizer que troco um ou outro dia de férias por um dia de anúncios, mas divirto-me à brava. Se não me divertisse não fazia.

- A propósito do golfe do Alex Ferguson, o Carlos Queiroz diz que, se não houver abstracção, ao invés de cabeça os treinadores acabam por ter uma bola de futebol em cima dos ombros. Tem uma abstracção ou uma bola de futebol em cima dos ombros?
- Há diferentes formas de abstracção. Também tenho as minhas, em casa. Se calhar, a maior parte dos treinadores do mais alto nível tem filhos de dezoito, dezanove ou vinte anos, porque já são pessoas de cinquenta e tal, sessenta anos, a quem os filhos já só dizem até logo e só vão a casa para dormir. Eu tenho filhos com sete e dez anos e uma mulher com quarenta. Ela quer viver, os filhos querem sair, querem brincar e eu quero ter uma participação directa na vida deles. Se calhar, o que tenho é uma idade mais próxima de jogador de futebol do que de treinador credenciado. Não disponho de grande tempo para ter um hobby na verdadeira acepção da palavra.

- Como é o seu dia típico?
- Levanto-me às sete, saio de casa um quarto para as oito, faço o que tenho a fazer entre as oito e as dez; treino das dez ao meio-dia e qualquer coisa, almoço no clube e fico lá até por volta das quatro horas, se não treinar à tarde. Como não se treina à tarde quando se joga tanto como nós, às quatro horas, quatro e meia, geralmente, acabou o futebol para mim. Sigo para casa, depois vou buscar os filhos à escola e a seguir saio com eles e com a mulher. Eventualmente, posso precisar de uma horita para preparar alguma coisa para o dia seguinte, mas o normal é que entre as oito e as quatro consiga organizar a minha vida. E depois, pronto, o clube está estruturado. No meu departamento cada um sabe o que tem de fazer e é competente. Hoje já não perco tempo a fazer o vídeo de um jogo como fazia há quatro ou cinco anos, porque tenho pessoas que se encarregam disso e que sabem o que estão a fazer e o que eu quero.


Se fosse Mourinho a mandar, Europa seria dividida entre fortes e fracos

"Há jogos a mais de selecções a brincar"


- Um dos seus temas preferidos é o calendário, tanto o inglês como o mundial. É mesmo esse o problema? Há futebol a mais?
- Não, para mim não há futebol a mais. Há futebol a mais de selecções. Há jogos a mais de selecções a brincar e, por haver, quando há competições a sério os jogadores correm o risco de não estar ao nível que as pessoas esperariam. Relativamente às selecções, a minha grande crítica é que os jogadores devem competir sempre ao mais alto nível, não devem ter quilómetros a mais nas pernas, em circunstâncias fora daquela que é a sua realidade competitiva, e acho que não podemos tê-los a jogar nos melhores campeonatos a grande intensidade, qualidade e responsabilidade e depois representarem Portugal com o Cazaquistão, a Alemanha com San Marino ou a Inglaterra com o Azerbaijão. Quase diria que a Perestroika tem grande responsabilidade naquilo que é o actual futebol de selecções. A partir do momento em que as fronteiras se modificaram de forma radical, as competições de selecções fizeram o mesmo. São um exagero os grupos de sete e oito equipas, que realizam catorze, quinze, dezasseis jogos de apuramento, a maior parte dos quais só servem para lesionar jogadores. Em termos de apuramento, não têm significado nenhum, porque ele será decidido entre as melhores equipas; em termos de desenvolvimento dos jogadores, é nulo. Serve para aumentar o número de viagens, quilómetros em avião, desgaste, reduzir o tempo para treinarem e para se prepararem com os seus clubes. E digo muito honestamente: um dos motivos pelos quais só quero selecção no final da minha carreira é porque, para mim, competir é jogar a sério e é raro o jogo de selecção que me deixe em frente da televisão por noventa minutos. Normalmente, são jogos entre equipas de qualidade completamente díspar. É por isso que a Perestroika, com tudo de bom que trouxe ao Mundo, para o futebol foi péssima.

- Se fosse o Mourinho a decidir, como seria o futebol organizado?
- A nível de selecções seria organizado como se faz ao nível de clubes: os melhores jogam contra os melhores e os piores jogam contra os piores. Teria de haver duas divisões. Ao invés de Portugal estar a jogar agora com o Cazaquistão e a Inglaterra a jogar com San Marino, deixem lá o Cazaquistão e San Marino jogarem contra Andorra e as Ilhas Feroe jogarem contra o Luxemburgo. Os grupos passariam a ter três ou quatro equipas, em vez de sete e oito; os melhores apuravam-se na mesma; o número de jogos era reduzido; os jogadores teriam mais tempo para treinar. E como quem treina mais e com mais qualidade lesiona-se menos e joga melhor, os jogadores chegariam às fases finais de Europeus e Mundiais em melhores condições. As selecções permaneceriam para sempre no mesmo nível? Não. Teria de haver um ranking que permitisse baixar e subir de divisão. Parece-me que esta é a essência do jogo. Em Portugal, o Vizela não está a jogar contra o Benfica e aqui o Chelsea não está a jogar contra o Millwall.

- E as competições de clubes estão perfeitas como estão?
- No campeonato em que jogo não mudava nada. As equipas são suficientemente boas para competirem umas com as outras; a procura excede a oferta, as pessoas querem mais bilhetes e não há. Os clubes querem todos aumentar a lotação dos estádios e são os próprios "councils" que não deixam. Se em Portugal há coisas para mudar? Provavelmente. Se vai a Aveiro e estão quinhentas pessoas a ver os jogos; se vai a Leiria e estão seiscentas; se vai a Setúbal e estão 1500; se vai ao Belenenses e estão duzentas, provavelmente há coisas a mudar. Aqui não há nada a mudar.


Naturalizações deviam ter em conta a opinião dos cidadãos, mas...

"Sou um adepto da qualidade à frente da nacionalidade"

"Para um seleccionador, principalmente se não for o meu próprio país (...), a corrente de opinião geral é fundamental"


- Em tempos disse que é adepto da globalização e não há melhor exemplo dos efeitos dela no futebol do que a Inglaterra, onde há equipas como o Arsenal que nem jogadores ingleses utilizam. É boa ou má esta nova realidade?
- Sou adepto da globalização no sentido mais amplo do termo. No que diz respeito ao futebol, posso considerar-me assim porque sou um adepto da qualidade à frente da nacionalidade. Mesmo enquanto profissional no futebol português nunca disse que não devíamos ter um jogador ou um treinador estrangeiro, desde que acrescentassem qualidade. Num país como este, que é único ao nível do futebol, todos os que aqui trabalham devem continuar a lutar para que seja a melhor liga do Mundo mas ao mesmo tempo não se pode perder de vista a questão cultural. Nunca seria capaz de treinar um clube inglês sem ter em conta que um núcleo de jogadores ingleses é fundamental. Tem de haver alguma responsabilidade para com o futebol local, o seu desenvolvimento e o desenvolvimento das selecções nacionais. Daí que podemos vender, podemos comprar, mas nunca fugimos de ter um núcleo de seis ou sete jogadores ingleses - dos quais cinco ou seis são nucleares na selecção - e de nos sentirmos também responsáveis pela melhoria deles, para tentar que o futebol inglês não pare. O próprio Chelsea fez um investimento único no futebol jovem e em condições de trabalho na academia. Os resultados não se verão num ano ou dois, porque quando chegamos essa área era praticamente inexistente.

- Pragmático como é, acha as naturalizações um caminho inevitável?
- Se eu treinar um clube, sou eu e um clube; se treinar uma selecção, sou eu e um país. Sem irmos ao extremo de entrarmos por referendos, porque seria um pouco ridículo recorrermos a um referendo por uma questão de foro desportivo, acho que é fundamental ir à procura de decifrar quais são as grandes correntes de opinião. Para um seleccionador, principalmente se não for o meu próprio país ou seja, se for apenas um mero profissional, a corrente de opinião geral é fundamental. Tem de se respeitar a cultura, a auto-estima e os valores dos países. De uma forma muito objectiva, porque posso adivinhar que a pergunta chegaria, eu, como treinador da selecção portuguesa, convocaria o Deco? Eu, treinador da selecção portuguesa, abriria espaço para um segundo, como o Pepe ou o Liedson? Não é uma das minhas respostas mais típicas, mas prefiro estar calado, porque quando a minha vez chegar terei de justificar todas as opções. Quem tem agora a batata quente na mão que decida.


"Livros? Só leio as biografias dos meus jogadores"


- A Inglaterra é, de certeza, o país que mais livros de futebol publica. Já comprou algum?
- Não comprei, mas dão-me. Se forem livros dos meus jogadores, leio, porque gosto de saber o que pensam e o que lhes está no coração. Os outros guardo, especialmente se me forem dedicados, porque a dedicatória merece respeito, mas o normal é que não leia.

- Não lê livros teóricos?
- Nem livros teóricos, nem biografias de outros treinadores ou jogadores. Só dos meus. Li os do Joe Cole, do Lampard, John Terry, Ballack e nada mais.

- Nem sequer livros de outro género? Ficção?
- Não, não. Leio pouco. A minha mulher lê por mim e passa-me o "feedback" daquilo que acha que é importante.

- O "Daily Express" publicou há uns dias uma pequena caixa com a análise de uma especialista à sua linguagem corporal, à sua inteligência emocional e outras subjectividades do género. Quando lê esses artigos, que interpretação faz? Reconhece-se nesses retratos?
- Não leio. Só se me disserem que saíram. Quando são profissionais sérios e honestos, cujo objectivo é fazer uma análise nua e crua, mesmo não me conhecendo e muitas vezes sabendo eu que eles não andam lá muito perto da verdade, tenho alguma curiosidade. Mas, por exemplo, essa de que me está a falar não li.

- Se hoje desenhassem um sinal de trânsito para treinadores, seria possível reconhecer o boneco se ele não tivesse um sobretudo com as golas levantadas e uma gravata lassa?
- Agora não. Acho que é por fases. Há trinta anos, cada treinador ia para o banco com a sua própria roupa, quase a roupa com que vinha de casa; depois, houve outra fase em que quem não fosse para o banco de fato de treino não era treinador. A seguir veio a do fato do clube, com o emblema. Passados mais uns anos, começou a usar-se o sobretudo, a gabardina, o nó da gravata um bocado mais aberto e mais mal feito, a barba por fazer. Estamos nessa fase.

- Mas não é assim porque o Marcelo Lippi usa sobretudo ou porque o Fábio Capello solta a gravata...
- Depois chega-se a uma altura em que já não se sabe se sou eu que imito os outros ou se são os outros que me imitam a mim.

- Viu a capa do jogo "Football Manager" mais recente?
- Já. A fotografia não é minha. Os meus assessores de imagem quiseram saber se era possível fazer alguma coisa, mas de facto está bem feito. É um gajo qualquer de sobretudo e de gravata com o nó mal dado.

- Porquê essa reacção? Porquê pensar imediatamente nos tribunais?
- Eu posso aceitar, mas, no que diz respeito à minha imagem, há muita gente envolvida. Vá dizer isso ao Chelsea que tem uma percentagem grande sobre os meus direitos de imagem, ou à empresa que, legalmente, tem outra percentagem. Para eles, já não é assim tão linear. É normal que tenham preocupações a esse nível.

- Quantos funcionários tem fora do futebol?
- Fora do futebol são poucos. Tenho um assessor de Imprensa em Portugal, uma empresa que se encarrega dos meus direitos de imagem e um advogado. Aqui em Inglaterra tenho outro assessor de Imprensa, mas do Chelsea, apesar de trabalhar directamente comigo. Portanto, pouca gente. É o clube que trata da marca, em Portugal tenho a ramificação e depois há o meu empresário e a empresa dele, que me ajuda nalgumas coisas.


Previsões para a Liga portuguesa de alguém que está "um bocado longe"

"FC Porto está numa situação favorável"


- Quer fazer uma leitura do campeonato português? Como vai acabar esta época?
- Não faço ideia. A minha leitura é a mais fácil: quem vai à frente tem vantagem e é o FC Porto quem vai à frente. Ganhou em casa ao Benfica e empatou em Alvalade, ou seja, vai à frente e até no cômputo dos grandes está numa situação favorável. O Sporting é que tem dois resultados negativos em casa com os adversários directos. Mas estou um bocado longe. Quando fazia aquelas peças para o "Record", preocupava-me em ver mais futebol português para ter alguma capacidade de resposta, porque gostava de fazer as coisas da forma mais séria possível. Agora que nem isso faço estou muito mais afastado.

- O que o levou a deixar de escrever essa crónica semanal e, já agora, por que razão deixou tão depressa de fazer aquele programa na SIC?
- Abandonei o programa na SIC porque gosto de fazer as coisas bem e senti que não podia. Para fazer mal, não faço. Não tinha disponibilidade. Os produtores queriam fazer melhor, o Pedro Mourinho queria vir cá a Inglaterra, falar comigo, preparar os programas, mas foi incapacidade da minha parte. Fiz o primeiro sem qualquer tipo de preparação, não gostei e senti logo que não tinha condições. Isso é coisa para fazer um dia que não esteja empregado. No "Record", eu gostava de fazer. E quem diz o "Record" diz outro sítio qualquer. Gostava de abrir o coração, de trocar umas opiniões e de deixar umas mensagens. Inclusive, dava os meus recados e utilizava o espaço também nesse sentido, só que aquilo que eu escrevia no "Record" na semana seguinte aparecia aqui em Inglaterra publicado. Qualquer jornal utilizava a crónica como se eu estivesse a dar uma entrevista e colocava as declarações fora do contexto. Comecei a pensar 'para quê?' Se eu aqui me protejo, faço as coisas de forma oficial, escolho os timings das entrevistas, por que razão haveria de me colocar numa situação difícil? Depois aconteceu qualquer coisa que despoletou... Pronto, eu já andava a pensar nisso mas houve qualquer coisa que me levou a decidir não voltar a fazer. E acho que é o melhor.


Acabou o "mister" nas conversas a dois

"Jorge Costa disse-me que agora somos colegas"

"O Jorge já é treinador e confio que possa vir a ser melhor. Do Vítor, não faço a mínima ideia a respeito do que lhe vai na cabeça"


- Vítor Baía ou Jorge Costa: qual deles vai dar treinador?
- O Jorge já deu, o Vítor não sei. Com o Jorge, por acaso, já falei e ouvi aquilo que queria. Disse-me que está a gostar muito e isso é fundamental. Se ele, ao fim de uma semana, me dissesse, 'ó mister, não estou a gostar', eu respondia-lhe 'então, faz a trouxa e vai embora'. Mas não. Disse-me duas coisas giras: que estava a gostar muito e 'já não te chamo mister, agora és colega'. A partir do momento em que diz isto, está no caminho certo. O clube é bom, não o força a uma mudança radical na vida dele, porque continua a morar no Porto, e é um clube com ambições, para além de ter um treinador diferente dele. Temos no Jorge um ex-grande jogador, habituado a estar ao mais alto nível, que agora se enquadra com um treinador que não foi um grande jogador, que não treinou grandes clubes, mas que se vê claramente que é um homem de trabalho, com uma carreira sustentada e equilibrada. Se calhar, é o homem certo para trabalhar com ele. Mas o Jorge já é treinador e confio que possa vir a ser melhor. Do Vítor, não faço a mínima ideia a respeito do que lhe vai na cabeça.

- Mas vê-o como treinador ou noutras funções?
- Como guarda-redes. Há muito tempo que não o vejo jogar, por isso não posso dizer como está, mas a minha última imagem do Vítor é a de um grande guarda-redes. Nas últimas declarações que li dele - por acaso, ainda hoje li qualquer coisa -, diz que quer ganhar mais títulos.


Falta de tempo poupa Sócrates a um adversário de peso

"Era capaz de andar por Setúbal a lutar contra a co-incineração"


- Visitou Israel em 2005 a convite de Shimon Peres. Vamos ter um Mourinho intervencionista no futuro? Vai dar uso à imagem que ganhou?
- A minha personalidade leva-me, por um lado, a querer utilizar esse poder, mas por outro a não querer que as pessoas saibam que o utilizo. Acho estranho dizer 'eu doei xis dinheiro a esta instituição'. Qual é o meu interesse? Doar e ajudar ou fazer com que as pessoas saibam disso? Para mim, é complicado, porque, mais uma vez, actuo sem pensar na minha imagem, ao contrário de pessoas que em situações parecidas, se calhar, fazem menos do que eu e publicitam melhor. Shimon Peres? OK. Dei a minha cara, tentei mostrar solidariedade para com uma causa, mas não houve um grande envolvimento directo. Click Sargent, que é uma organização daqui de Inglaterra para ajuda de crianças com cancro, é a minha imagem ligada ao Chelsea, a força da imagem, mas também não há um envolvimento directo.

- E não tem essa tentação?
- A tentação que não tenho é a de dizer 'na semana passada, doei 25 mil euros à instituição tal'. Isso não faço.

- É uma forma de ver o envolvimento. E a tentação de usar a imagem para influenciar correntes ou decisões políticas que tenham ou não a ver com questões humanitárias?
- Tenho. Vou tentar ser específico sem o ser totalmente. Na semana passada, fiz uma doação a uma instituição portuguesa que é estatal e pensei vinte vezes antes de o fazer, mas pediram-me tanto que acabei por aceitar. Porém, sendo uma instituição estatal, vou doar porquê, se é ao Estado que compete proporcionar-lhe condições melhores? Há em mim uma luta interior, mas felizmente tenho em casa uma mulher sensível a essas questões e que me influencia sempre no caminho positivo.

- Portanto, nunca o vamos ouvir gritar palavras de ordem?
- Difícil, a não ser que seja agora pela minha cidade de Setúbal, pela luta contra a co-incineração na Cecil, que é a destruição pura de uma das coisas mais bonitas que alguém poderá jamais ver na Natureza. É pena não ter tempo, mas se tivesse era capaz de andar por lá com umas bandeiras contra a co-incineração.






Quaresma

"Se for campeão europeu saio no final da temporada"

Quaresma vai a meio da terceira temporada no clube azul e branco e, porventura, também a meio de um objectivo que serviria para encerrar o novo ciclo em Portugal. Mas há mais para saber de um jogador que garante cometer exageros apenas porque gosta de arriscar tudo para fazer um golo bonito ou uma jogada de sonho



Há um novo Quaresma. Tão diferente que o próprio assume pouco ter de parecido com aquele que o FC Porto contratou em 2004 ao Barcelona. A mudança teve a contribuição de Co Adriaanse, mas também resultou da decisão pessoal de acabar com o egoísmo e tornar-se num caso sério de candidato a jogador com mais assistências na estatística conhecida do futebol português. O bom momento é de tal maneira amplo que nele cabem também dois objectivos que podem ganhar a forma de três: singrar na Selecção Nacional, ser bicampeão português e, quem sabe, ganhar a Liga dos Campeões. Só quem tem medo não sabe sonhar e Harry Potter diz que sonha acordado e com os pés assentes na terra. Coisa para mágicos.

- Três anos no FC Porto é tempo suficiente para fechar o ciclo em Portugal?
- Depende. Se vencesse esta época a Liga dos Campeões, podia dizer que sim, que estava na altura de sair. Enquanto não for… Era um objectivo em que gostava de participar, seria um orgulho ser campeão europeu pelo FC Porto, porque este é um clube que merece que dê tudo por ele. Ajudou-me muito.

- A carta em que comunicava que não queria ir para o Atlético de Madrid...
- Antes de mais, respeito todos os clubes que se interessam por mim, porque é sinal que seguem o meu trabalho. Fico feliz por encontrarem valor no meu futebol. O desejo de ficar é fácil de explicar: um jogador que é feliz no clube, que sente o amor dos adeptos, ao ponto de ser um dos meninos queridos, apesar de não ser um produto na sua escola de formação, só pode desejar continuar.

- Mas, tinha receio que fosse um passo atrás ir para um clube lutar apenas por um lugar nas competições europeias?
- Não se trata de ser um passo atrás ou à frente. Hoje em dia o FC Porto é o clube português mais respeitado internacionalmente e está entre os melhores do Mundo. Estou num grande clube, que tem objectivos e que já ganhou títulos importantes. No fundo, estou feliz no FC Porto.

- E se no final da época o Atlético de Madrid voltar a mostrar-se interessado?
- Já falei com as pessoas mais importantes, com o presidente e o meu empresário e ambos deram-me a confiança. Não quero estar preocupado se o Atlético vai voltar ou não.

- A má experiência no Barcelona faz ter receio numa nova passagem pelo estrangeiro?
- Quero voltar ao estrangeiro e nunca escondi isso.

- Ao Barcelona?
- Gostava dessa segunda oportunidade, porque não conseguiu mostrar o valor que tenho. Foi um ano que me marcou negativamente, já que não fui capaz de mostrar que tinha valor para ficar. Se me perguntarem se fui para o estrangeiro demasiado novo digo logo que sim. Notei isso mal cheguei lá e encontrei-me sozinho, sem a família por perto. Aquilo parecia o fim do mundo, estava ali sozinho tentando esquecer essa solidão, algo complicado para um miúdo com 18 anos num clube tão grande como o Barcelona e sem sentir o apoio do treinador. Agora que sou mais experiente estou preparado para sair, ainda que por enquanto seja no FC Porto que queira continuar.


"Os elogios fazem-me ter vontade de ajudar a equipa"


- Como foi convivendo com a ideia de que o FC Porto era, no início das época, Andersondependente?
- Quanto a isso estou sempre tranquilo. Não ligo nem leio muitos jornais (risos). Acho bem que falem dele, é um miúdo que merece.

- Mas aposto que os jogadores não gostam muito quando se diz que a equipa depende do rendimento de um jogador...
- Cada um tem a sua forma de estar no mundo do futebol. Eu sou uma pessoa muito tranquila em relação a isso, porque podem falar de um colega meu, dizendo que é o número um, o craque da equipa, que a mim dá-me igual. Resta-me sempre entrar em campo e provar que tenho qualidade e que posso ajudar a equipa. Não tenho qualquer tipo de problema que destaquem um companheiro e não falem de mim.

- Mas de certeza que faz bem ao ego ouvir dizer, como tem sucedido ultimamente, que é o Quaresma que tem levado o FC Porto ao colo em alguns jogos, não?
- (risos) Não acho sequer que isso seja verdade. Aliás, esta equipa tem-me ajudado muito e é por isso que somos um grupo muito forte. É certo que gosto quando me elogiam, dizendo que faço falta ao FC Porto. Mas não é isso que me vai levar a pensar que já fiz tudo no futebol, que já sou alguém importante que me basta entrar no campo para marcar presença. Os elogios fazem com que tenha mais vontade de ajudar a equipa a alcançar os seus objectivos.

- Está difícil a vida de jogadores como o Quaresma no futebol actual?
- Creio que hoje vêem-se menos artistas e mais colectivo. Repare-se no Barcelona e logo aí notamos que o Ronaldinho já não faz aquelas jogadas cheias de fantasia. Joga mais fácil, para além de que tem mais jogadores para o ajudar. É claro que quando estamos numa equipa que necessita que se tire um coelho da cartola, se calhar inventamos mais. Hoje há menos artistas a resolver. Mas há momentos em que os artistas têm de aparecer e continuar a tirar coelhos.


"Sou capaz de apanhar Drulovic"


- Tendo por base de comparação a primeira volta da época passada, estas 13 jornadas da actual temporada são melhores?
- Do meu ponto de vista sim, as coisas estão a sair-me melhor do que o ano passado. Para começar tenho neste momento mais assistências do que na totalidade da época passada.

- Aliás, são onze, mas o recorde do FC Porto é de 23 assistências e pertence...
- Ao Drulovic.

- Isso. Será capaz de alcançar esse número?
- Vou trabalhar para isso e acho que como isto está a andar, da forma como as coisas estão a correr bem para mim e para a equipa, é provável que possa chegar lá.

- Esta época e parte substancial da anterior parecem revelar um novo Quaresma. É verdade ou apenas uma ilusão de óptica?
- Todos os anos aprendem-se coisas novas, vamos ficando mais maduros. Eu sou agora um jogador mais experiente e por isso posso dizer que me tornei um jogador mais de equipa.

- Essa ideia de evolução também se aplica à equipa? Este FC Porto será melhor de que o do ano passado?
- A equipa é praticamente a mesma. É certo que estamos a praticar um futebol diferente, até porque a táctica e muitas outras coisas mudaram. Estamos, penso eu, a fazer grandes jogos, a demonstrar que temos uma grande equipa, capaz de atingir os objectivos.


"O FC Porto não deve ter medo de ninguém"


- Este FC Porto pode ser campeão do Mundo ou esta é uma hipótese exagerada?
- Vamos com calma, ainda estamos longe da decisão. Há equipas muito fortes em prova e uma delas é o Chelsea.

- O facto do adversário dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões ser o Chelsea contribuiu para um certo arrefecimento dos ânimos?
- Arrefecer nunca arrefece. Já uma vez disse que o FC Porto não deve ter medo de ninguém. Os portugueses do Chelsea conhecem bem o FC Porto, conhecem o lema desta casa e por isso o clube que representam tem também que se preocupar connosco. Mas até ao primeiro jogo ainda se passará muita coisa e ainda é cedo para falar.

- Quais as possibilidades do FC Porto com o Chelsea?
- Neste momento a minha resposta seria 50 por cento para cada lado, mas ainda falta muito. Posso dizer que vamos jogar para ganhar, porque perder não nos passa pela cabeça.

- Preferiam que o jogo dos oitavos fosse antes desta paragem no campeonato?
- Se pudesse escolher diria que sim. Porque é óbvio que o Chelsea não está a passar uma boa fase e o FC Porto estava numa fase fantástica.

- Ficar por esta fase da Liga dos Campeões, ainda assim bem melhor do que na época passada, será frustrante?
- Claro. Temos valor para ir mais longe, porque apesar de jovem, esta equipa tem jogadores experientes. Já mostramos que somos fortes nos grandes jogos e com o Chelsea vamos ter dois grandes jogos, em que a responsabilidade será maior. Não vamos ficar contentes se ficarmos por aqui. Um clube como o FC Porto não pode ficar contente quando perde, mesmo que seja com o Chelsea ou o Barcelona.


"Não finto para a bancada"



- No final de um jogo Jesualdo Ferreira disse que não apreciava fintas a mais e todos ficaram a pensar que estava a falar de si. Ainda faz fintas a mais ou é algo que vai desaparecendo?
- (risos) Isso nunca vou perder, é uma coisa que nasceu comigo. Mas agora, se calhar, já sei quando é momento certo, quando devo ou não fazer mais uma finta. A verdade é que dantes exagerava um pouco, mas até esse aspecto tenho vindo a trabalhar para melhorar.

- Mas as fintas, mesmo quando na proporção correcta para aquele momento, são para alcançar satisfação própria, desanimar o adversário ou apenas para agradar aos adeptos?
- Já li em jornais certas pessoas escreverem que as faço para os adeptos. Mas não é assim, porque esta é desde sempre a minha forma de jogar e sempre gostei de futebol-espectáculo. Aliás, desde miúdo que gosto de arriscar e estivesse a ganhar ou a perder não tinha medo de arriscar. Aprecio mais os jogadores que vão para cima dos defesas com fintas sucessivas

- Faz bem ao ego ouvir o estádio a delirar com uma jogada individual?
- É sempre bom passar por um adversário e ouvir os adeptos a delirar com esta ou aquela finta. Mas, atenção, estou agora mais ciente de que não podemos jogar sempre para lhes agradar, já que antes de mais está a equipa e à frente da equipa está o treinador com as suas ordens.

- Ou seja, com o tempo, foi doseando a vontade de fintar?
- Hoje em dia sou mais objectivo. Se calhar dantes fazia cinco ou seis fintas e com isso nem sequer conseguia criar perigo, agora fico-me pelas três ou quatro e dessas resultam dois golos. Afinal, é natural que com o tempo se vá adquirindo experiência e eu trabalho diariamente para melhorar os aspectos em que não estou bem.

- Está visto que um dos pormenores individuais que aprecia bastante são os remates e cruzamentos de trivela. Concorda?
- Gosto, gosto. Lembro-me que quando estava nas camadas jovens do Sporting tive problemas com os treinadores porque queriam que eu rematasse com o peito do pé ou com a parte de dentro. Mas nunca consegui resistir aos remates de trivela, é mais forte do que eu. Eu bem quero rematar como eles queriam, mas aparece sempre o remate ou o cruzamento de trivela (risos).


"É porque vibro com o futebol que por vezes complico"


- Ficar de fora do onze inicial é o pior lhe pode acontecer?
- Custa, custa mesmo muito. Aliás, o que mais de custa no futebol é ficar no banco ou, pior ainda, entrar de início, a equipa a estar a perder e o treinador tirar-me quando se procura um bom resultado. Nesses momentos começo logo a pensar se serei eu que estou a atrapalhar alguma coisa.

- Mas quando está em campo, nessas circunstância,s parece querer resolver tudo sozinho. Concorda?
- Eu levo o futebol muito peito. Quando vejo-me a ganhar 2-0 ou 3-0 confesso que invento um pouco mais, até porque a vitória está praticamente garantida. Aí sou capaz de exagerar num pouco mais. Algumas coisas que faço dentro do campo não é por mal. É porque vibro muito com o futebol que por vezes complico as coisas.

- O golo ao Benfica foi resultado de vibrar tanto com o futebol?
- Aí é o momento, porque dentro do campo temos de pensar rápido. Se se lembrarem do jogo, recordarão que tentei antes mas não consegui, pelo que me restou esperar pela segunda oportunidade. Felizmente consegui.

- Posso concluir que o novo limite de Quaresma é de apenas duas tentativas?
- Se calhar no passado tentava cinco, agora só tento duas (risos). No dia do jogo com o Benfica acordei a pressentir que ia marca um golo e foi isso que disse à minha mãe e ao meu irmão, as pessoas com quem falo antes de cada jogo.

- E que disseram elas?
- "Pois... se sentes, Deus queira que sim" (risos). Felizmente ganhámos e isso foi o mais importante.

- É verdade que se considera o melhor jogador do Mundo?
- Disse isso na brincadeira. Creio que ainda estou longe de o ser, mas sonho com isso e trabalho para chegar a esse patamar

- Mas de certeza que se considera um bom jogador...
- Confio muito nas minhas qualidades, nunca tive dúvidas do que posso fazer, mas também sei que devo manter os pés bem assentes na terra. Há momentos para tudo, sei que estou a atravessar um bom momento mas não posso ainda comparar-me a Ronaldinho, Henry, Raul, Figo, jogadores que já ganharam muita coisa. Mas também sei que é com o passar do tempo que vamos aprendendo e que continuando a evoluir posso chegar ao nível dos exemplos que apontei.

- Sente que já não é um jogador incompreendido, como um dia disse ser?
- Eu era complicado e nem toda a gente me compreendia. Mas se calhar também não trabalhava para que as pessoas me compreendessem. Quando somos jovens, pensamos que sabemos tudo, que já alcançámos tudo no futebol. Mas quando acabamos por perceber que não é bem assim, temos de mudar, de forma a que gostem do que fazemos e para que percam as dúvidas sobre o nosso valor. Comigo as pessoas tinham sempre o pé atrás.

- E hoje já não existe esse risco?
- As pessoas já têm mais certezas. Há dois/três anos as pessoas pensavam "será que ele vai ajudar a equipa?". Actualmente estou a provar que mudei e que estou pronto para chegar a patamares mais altos.


"Adriaanse ajudou-me muito"


- A pergunta é inevitável: Co Adriaanse é o responsável por este novo Quaresma de que fala ou a mudança de uma decisão íntima?
- Adriaanse ajudou-me em algumas coisas e prejudicou-me em outras. A verdade é que também cheguei a um ponto em que meti na cabeça que teria de mudar porque alguma coisa não estava bem. Na época passada decidi trabalhar mais e mudar a minha maneira de jogar, para que, pelo menos, fosse convocado por Adriaanse, porque no início nem isso era. A verdade é que fui mudando muitas coisas no meu futebol e ele deu-me a primeira oportunidade com a Naval, jogo em que entrei e fiz o cruzamento para o golo. Na jornada seguinte, com o Rio Ave acho que Deus esteve comigo, pois joguei bem e marquei.

- Quais as críticas de Co Adriaanse?
- Em termos pessoais pouco ou nada falávamos, mas em termos profissionais ele era um pouco complicado. Relativamente a mim, criticava muitas coisas. Tive de mudar muito a minha maneira de estar em campo para lhe agradar, mas a verdade é que cabe ao jogador dar-se ao trabalho de mudar, porque é o treinador que manda, é quem faz a equipa e, se não mudarmos, para o treinador é igual.

- Então foi uma decisão pessoal que o levou à mudança, a ser menos egoísta e a ser mais regular?
- Foi uma decisão repartida. Co Adriaanse ajudou-me muito em termos psicológicos e tácticos. Ele tinha coisas boas, más... e sabia que muitas vezes eu ficava chateado pela maneira como falava comigo e como tratava as pessoas.

- Acha que hoje em dia os treinadores o entendem melhor?
- Não sei, mas se for verdade é porque, se calhar, eu mudei muito. Mudei a minha maneira de estar e de jogar. Porventura aquela desconfiança que os treinadores tinham, não sabendo se naquele dia poderiam ou não contar comigo, é uma fase que já acabou. Hoje sabem que podem contar comigo para tudo. Anteriormente persistia a dúvida: será que vai jogar bem? será que vai ajudar a equipa? Agora sou um jogador mais regular e pronto para ajudar a equipa.


"Admiro os portistas"


- Agora até parece que é uma tragédia se o Quaresma não jogar, mas o início do relacionamento com os adeptos não foi assim tão fácil...
- Foi muito complicado, até porque tudo correu mal ao FC Porto na época em que cheguei. Apanhei uma equipa que tinha perdido muitos jogadores importantes e recebido muitos jogadores muito jovens. E depois, a troca de treinadores fez mossa. Mas sim, é verdade, tive problemas com os adeptos ao longo da época, mas no fundo até os compreendia, porque, como já disse, e disse-o até mesmo à minha família, os adeptos do FC Porto são os que mais admiro. Ele vibram , têm o clube coração e, por muito amado que o jogador seja, se não trabalhar para a equipa leva logo com assobios. Eu gosto de ir à procura das palmas, por isso jogo desta forma.


"Defeitos? Sou mau a cabecear"


- Do actual reportório de fintas, qual é aquela de que mais gosta?
- De todas, desde que consiga passar pelo adversário. Sempre preferi os jogadores que passam o oponente graças a fintas, por isso gosto tanto de Ronaldinho, alguém fantástico com a bola no pé. Por isso gosto do Cristiano Ronaldo, não porque temos fintas parecidas, mas porque, de facto, faz coisas fabulosas.

- Como marcaria Quaresma se por um dia fosse defesa?
- Seria complicado e o melhor é não revelar o segredo (risos). Se fosse defesa talvez dissesse ao treinador que estava com tantas dores nas pernas que não dava para jogar. Só tinha duas hipóteses: ou ficava com a bola ou era expulso.

- Não é feito apenas de qualidades, terá os seus defeitos...
- Claro que sim. Não sou perfeito. O ponto fraco? A cabecear sou muito mau, fecho os olhos. Talvez por isso nunca tenha feito um golo de cabeça.

- Já apostou que marcará um golo de cabeça esta época?
- Ainda não, mas se calhar vou apostar, porque detesto perder apostas.


"Começo mal todas as épocas"


- Que explicação dás para os maus inícios de campeonato?
- Não podemos estar sempre em boa forma, isso é um facto. Mas a verdade é que raramente começo bem as épocas. As vezes pergunto-me porquê. Esta temporada comecei bem com o Leiria, mas tive de ser operado e depois custou-me imenso voltar à boa forma física e ganhar confiança. Por mais que quisesse, saía tudo ao contrário.

- A paragem do campeonato não pode contribuir para uma perda de forma?
- Não. Mesmo de férias nunca deixo de brincar com a bola.


"É um treinador exigente"


- Defina Jesualdo Ferreira.
- É um treinador exigente, é verdade. Gosta de trabalhar bem. Mas é igualmente uma pessoa que aprecia bastante falar com os jogadores, procurando transmitir confiança e conseguindo incutir no grupo um espírito de união muito forte.

- É assim tão importante para um jogador sentir a confiança do treinador?
- Se alguém disser o contrário está a mentir. E posso falar disso porque já passei por uma situação em que não sentia a confiança do treinador. A consequência disso é que chegava a pensar que, se calhar, já não sabia jogar futebol. É, de facto, importante sentir a confiança, pois nesse caso jogamos o que sabemos e o que não sabemos. As coisas correm melhor, ao ponto de quereres cruzar e marcares um golo, de pretenderes passar para a direita e a bola ir para a esquerda, direitinha a um companheiro isolado. (risos).


"Ganhar sempre os jogos nem que seja à porrada"


- Explique lá a razão para as longas corridas até Vítor Baía nos festejos pelos golos marcados?
- O Vítor Baia é um líder, é a pessoa que merece mais respeito no plantel. É o jogador com mais títulos no Mundo, aquele que dá conselhos aos jovens, a pessoa que transmite a vontade de vencer do FC Porto. Sem excepção, fala sempre com os novos, explica o que é o FC Porto, já que há muitos que chegam e não sabem a que clube passaram a estar ligados. O FC Porto é diferente do Sporting e Benfica.

- É diferente em quê?
- Eu já joguei no Sporting e estou muito agradecido ao clube, fui muito feliz. O Porto tem... não vou dizer que tem mais ambição, mas de facto é diferente na forma de estar, na maneira de vibrar, de ver as coisas.

- Isso é a tal mística?
- Se calhar. Se reparamos todos os jogadores entram em todos os jogos com garra e vontade de ganhar, seja à porrada, seja como for, porque o que interessa é sair de lá com a vitória.


"Agora não tenho de defender tanto"


- É complicado, ou nem por isso, mudar de sistema de jogo, como sucedeu com o abandono do 3x4x3 de Adriaanse e o regresso ao 4x3x3 com Jesualdo Ferreira?
- Todos os jogadores devem estar preparados para tudo. Cada treinador tem a sua ideia, a sua maneira de trabalhar e os jogadores devem estar preparados para a táctica que o treinador entendeu ser a melhor. Para mim e para todos foi uma situação normal mudar de sistema.

- O Quaresma foi obrigado a mudar a forma de jogar com a alteração táctica?
- Se calhar esta táctica até é mais fácil para mim. Agora, o Lucho ou o Raul Meireles, e falo destes porque são os que têm jogado mais vezes, fecham o meio-campo e eu não tenho que defender tanto como o ano passado. Nessa altura tinha que acompanhar várias vezes o lateral adversário, mas como agora o médio fecha, eu limito-me a ficar no lugar dele, a meio-campo.


"Já nem respondo quando se põe de braços no ar"


- Hélder Postiga de volta aos golos, vários deles na sequência de assistências suas… Ele já lhe disse obrigado?
- (risos) Não, nem precisa. Eu acho o Hélder Postiga um jogador de enorme qualidade, alguém com muita vontade de mostrar que é capaz de marcar golos e de jogar no FC Porto. Passou uma fase complicada, mas como é uma pessoa forte acho que merece o que está a passar agora. Se tem que agradecer que o faça ao grupo. É certo que lhe tenho dado golos a marcar, mas ele tem feitio passes para eu também resolver, mais uma prova que somos, de facto, um grupo muito unido.

- Qual o jogador do FC Porto mais difícil de aturar?
- Dentro do campo é o Postiga. Nunca está bem com o que tem (risos). Por vezes discutimos, mas tudo fica bem. Nos jogos é complicado lidar com ele, porque é uma pessoa que vibra muito com o jogo, quer sempre marcar golos e ter a bola com ele. Já o conheço há muitos anos, sei lidar com ele e às vezes já nem lhe respondo quando se põe com os braços no ar. O Postiga é um grande jogador, com muito valor.


"Temos um grande presidente"


- Como reagem os jogadores do FC Porto ao caso Apito Dourado?
- Não temos que nos meter nisso.

- Mas certamente que ficam desagrados com as alegações de que o clube aliciou árbitros...
- Custa ouvir, porque dessa forma colocam em causa o nosso empenho e trabalho pelos objectivos do clube. Há coisas que têm surgido, como ainda agora num livro, mas não nos afectam porque sabemos que temos um grande presidente, uma excelente pessoa que nos ajuda sempre que é necessário.


"Quero muito ajudar Portugal"


- Luiz Felipe Scolari disse ainda recentemente que pretende para a Selecção Nacional o Quaresma do FC Porto. O que sentiu?
- É bom ouvir o mister Scolari falar bem de mim. Fiquei bastante feliz. É claro que isso acontecerá, é claro que trabalharei na selecção como faço no FC Porto. Quero muito ajudar esta selecção.

- As coisas não lhe têm corrido bem na Selecção A. Tem alguma explicação para isso?
- Desde que vou à selecção principal que o jogo que me correu melhor foi este último, em Coimbra. Nos jogos anteriores, por mais que desejasse, nada me saiu bem.

- Sentia-se pressionado?
- Sou uma pessoa que nunca ligou à pressão, é algo que sempre me passou ao lado. Agora é como lhe digo, há momentos em que queremos mostrar que também podem contar connosco e a ansiedade acaba por estragar tudo. Se calhar entrei muito ansioso, pretendia mostrar que desejava estar na Selecção, no fundo, que queria ajudar. Neste último jogo, com o Cazaquistão, entrei muito tranquilo e tudo correu muito bem.

- Custou muito ficar de fora do Mundial’2006?
- (risos) Não vou dizer que não. Custou-me e muito. Foi das coisas que mais me custou até hoje. Mas isso já passou. Não gosto de viver do passado, prefiro desfrutar o presente, e a verdade é que neste momento estou bem.

- A pretensão passa então por ajudar a Selecção Nacional a qualificar-se para o Europeu’2008?
- É um dos meus objectivos: afirmar-me de uma vez por todas na selecção portuguesa.

- Foi um Verão complicado, já que depois de falhar a convocatória para o Mundial, o Europeu de Sub’21 não correu nada bem. O que aconteceu?
- Foi tudo muito complicado. Depois da época que fizera estava à espera de ir ao Mundial da Alemanha. Acabei apenas por ir ao Europeu de Sub-21 e não posso dizer que estava com a cabeça limpa, porque não estava. Mas também estava preparado para que, se coisas corressem mal, as críticas viessem ter comigo! Mas também nunca me preocupei com as críticas, porque com elas convivo bem. Fico mais preocupado quando invadem a minha vida pessoal. Com a critica profissional lido bem.

- Quais as razões para que, até ao jogo em Coimbra, as exibições na Selecção Nacional não fossem as melhores? Scolari pressionava em demasia?
- O mister Scolari põe os jogadores à vontade, transmite muita confiança. Para ele a selecção é como uma família e, de facto, chegamos lá como quem chega a casa. O ambiente é bom, o seleccionador fala abertamente e dá moral aos jogadores. Por isso acho que o problema estava na minha ansiedade, gerada pela vontade que querer afirmar-me. Isso fazia com que as coisas não corressem como eu queria.


"Afirmar-me na Selecção"


- Um dia afirmou que quando mete uma coisa na cabeça é para leva-la até ao fim. O que lhe anda pela cabeça por estes dias?
- Duas coisas: afirmar-me na Selecção Nacional e ajudar o FC Porto a ser campeão uma vez mais.

- Qual o título que mais ambiciona?
- Vencer a Liga dos Campeões. Já fui campeão do Mundo, agora quero ganhar o título europeu.

- Que sentimentos o invadiram quando foi campeão do Mundo?
- Sentimentos fantásticos. Parece que já tinha feito tudo no futebol. Eu por acaso tive sorte porque foi chegar ao FC Porto, fazer um jogo e ser logo campeão mundial. Hoje tenho orgulho em dizer que já fui campeão do Mundo. É bom, muito bom levantar a taça.


"Pepe é um jogador fantástico"


- O que diz um internacional português sobre a possibilidade do brasileiro Pepe vir a representar a Selecção Nacional?
- Porque não? Se o Deco também o fez, vindo ajudar e trazendo à selecção qualidade? O Pepe é num jogador fantástico e igualmente uma pessoa fantástica. Penso também que a nossa selecção está bem servida de centrais, temos dois deles são fabulosos, o Jorge Andrade e o Ricardo Carvalho e há ainda o Fernando Meira, um grande jogador.

- Mas não lhe faz confusão ver jogadores naturalizados na selecção?
- A mim não. Desde que sintam o emblema e queiram ajudar o país a conquistar títulos, trazendo qualidade, são bem vindos.


Prefere Cigano


"Harry Potter", "Mustang" ou "Cigano" são algumas das alcunhas de Quaresma. E se passar pelo avançado portista na rua pode carregar nos decibéis que ele não se importa. Ou melhor, se lhe chamar cigano com má cara e um punho cerrado, aí o caso pode mudar de figura. De resto, não haverá problema. "Sinceramente, gosto de todas as alcunhas que me colocaram. No balneário quase todos me chamam cigano, mas de uma forma carinhosa e não em tom depreciativo. Se assim não fosse partiria para outra situação", diz a sorrir. A seguir aos jogos Quaresma abre os jornais para ver se há alguma alcunha nova, embora ultimamente o que encontre mais são adjectivos suficientes para fazer um dicionário.


Um doce por trás da cara fechada


Quaresma não tem um sorriso fácil. Só gosta de mostrar os dentes às pessoas de quem gosta e conhece e, por isso, nem sempre as abordagens dos fãs são as mais calorosas. "Num restaurante uma senhora pediu-me um autógrafo para o filho e eu disse-lhe que não, naquele momento não. Mas estava a brincar e até acabei por tirar fotografias". O avançado quer ser visto como uma pessoa normal que é, mas fica furioso quando escrevem sobre a sua vida privada, o passatempo favorito de revistas que de cor-de--rosa só têm o nome. Esse é o pior lado da fama. "Odeio que mexam com a minha pessoal, mais ainda quando escrevem notícias mentirosas, dizendo que fui pai de gémeos e que um morreu. É uma situação para ser resolvida em tribunal".


Lucho é um concorrente directo


No relvado é impossível ter uma ideia concreta, porque as equipas ainda se diferenciam através das camisolas, mas se vir Quaresma na praia vá preparando os dedos das mãos para contar as tatuagens. Sim, no plural...O próprio precisa às vezes de se ver ao espelho para saber ao certo quantas tem. "Tenho sete. Ou são oito?". Bem, não havia um espelho por perto. A família e a religião são as principais justificações para as escritas corporais e tudo começou com o irmão. "É um vício. Quando o meu irmão apareceu com a minha cara tatuada na perna disse-lhe que era doido, mas agora vejo que tinha razão. Gosto muito". No balneário do FC Porto há um concorrente de peso. Lucho parece ser ainda mais extravagante do que Quaresma e já tem pouco espaço livre para novos desenhos feitos com agulhas. "O Lucho tem mais do que eu", diz sem reticências. O argentino até já tatuou um autógrafo de Maradona e o repto foi lançado a Quaresma. "Não, só colocarei nomes de quem amo. Esses ficam para a vida".





DECO

"Estar sempre no top é complicado"


Um fabuloso jogador como Deco sabe que pode fazer das palavras um exercício tão natural como assistir Ronaldinho para um golo de "placa", ou marcar num golpe mágico após três dribles seguidos. Deco, melhor jogador do Mundial de Clubes que o Barça perdeu de forma infantil, recebeu-nos na sua moradia de Sant Just, subúrbios de Barcelona, com a simplicidade de sempre, com a amabilidade normal de quem se sente português. E falou do que lhe ia na alma. Muito do FC Porto que segue de forma apaixonada ou não fosse um ferveroso adepto, de Anderson de quem diz poder tornar-se ainda melhor jogador do que ele próprio, do Barça, claro, dos elogios de Rijkaard e Ronaldinho. Do sonho de fintar e enlouquecer a já louca liga inglesa e da renovação em marcha na Selecção Nacional.

- Frank Rijkaard, treinador do Barcelona, raramente individualiza o trabalho dos jogadores, mas depois do jogo com o América, das meias-finais do Mundial de Clubes, disse, entre outras coisas, que o trabalho desenvolvido por Deco devia ser armazenado num DVD para ser colocado à venda no sentido das pessoas que gostam de futebol poderem admirar a qualidade dos seus passes e a sua perfeita colocação em campo. Que comentário lhe merece esta ideia? Aumenta-lhe o ego?
- Não é questão de aumentar o ego. Sem dúvida que se o teu treinador diz alguma coisa boa sobre ti, isso é o melhor que um jogador pode ouvir, é o melhor elogio que um jogador pode receber. Os elogios da Imprensa, dos torcedores são importantes, sobretudo dos adeptos, mas o técnico é aquele que está ali no dia a dia, que te conhece melhor, que sabe os teus problemas, as tuas carências e anseios. Um elogio desses é sempre muito agradável de ouvir.

- Um elogio merecido?
- Foi um grande jogo, mas para mim perder a final marcou tanto que o resto que fiz para trás não tem assim tanto significado, deixou de ser assim tão importante. Tem valor, mas deixou de ser assim tão importante porque não conseguimos alcançar o grande e único objectivo que era ganhar a final.

- Não foi só Rijkaard a elogiar o seu trabalho. Também Ronaldinho teve um discurso elogioso considerando-o o melhor do Mundo na sua posição. E esta?
- Um elogio vindo do melhor jogador do Mundo é, claro, bom. Todos os elogios são bons, é sinal de que as pessoas apreciam o teu trabalho. Fico feliz. Eu acredito que no futebol é complicado, principalmente quando se conquistam muitas coisas e se atingem determinadas metas, manter esse nível. Chegar e conseguir ter êxito um ou dois anos não é tão difícil. Estar vários anos sempre a ganhar, sempre no "top" já é mais complicado. O segredo não é ser exageradamente humilde, nada disso. A todo mundo faz um elogio é lógico. Qualquer pessoa na vida quando recebe um elogio por aquilo que fez fica feliz. Faz bem ao ego, mas acredito que não vivemos dos elogios. Principalmente no futebol, onde a memória é curta, tudo se esquece muito depressa. É bom, fico feliz, mas tenho que manter os pés assentecs no chão.


"FCPorto é tão ou mais exigente que Barcelona ou Real Madrid"


O internacional português reconhece que chegou ao patamar mais elevado do futebol mundial graças ao trabalho que desenvolveu no "dragão"


- Disse um dia que gostava de terminar a carreira num clube com a grandeza do Barcelona. O FC Porto, que admira e de quem é adepto confesso, preenche esses requisitos?
- O FC Porto é um clube com a grandeza do Barcelona. Tenho contrato com o Barcelona até 2010. Estamos a três anos, não sei o futuro, se vou ou não cumprir. No momento as coisas estão bem, a correr bem, mas não se pode prever o que acontecerá daqui a uns meses ou anos.

- Mas reconhece que a sua relação com o FC Porto é mais ou menos especial…
- Mais ou menos não, é especial. É diferente. Estou no Barcelona graças aquilo que fiz no FC Porto, graças aquilo que lá consegui fazer. E isso não esqueço. A escola, tudo aquilo que aprendi foi no FC Porto. A relação é, também por isso, diferente. No FC Porto passei momentos inesquecíveis, ganhei tudo, ajudei a ganhar tudo, passei por momentos bons, outros complicados e difíceis. Mas a minha vida, a minha base toda foi feita lá. Tive a sorte de ter passado pelo FC Porto e ter jogado lá esses anos todos serviu-me para muita coisa, para poder, por exemplo, chegar ao Barcelona e não sentir essa pressão tão grande que é visível em outros jogadores. Já vinha com uma escola fantástica. Para um jogador jovem, novo, com talento que está a daer os primeiros passos, o FC Porto é o clube ideal. Por diversas razões, principalmente pela política do clube, pela ambição, pela força. É um clube que tem uma exigência tão grande ou maior que o Barça ou o Real Madrid. Então, isso faz com que aumente a responsabilidade de lá jogar. Para quem é novo acho que ajuda muito.

- Como tem visto a carreira da equipa?
- Bem, muito bem. Infelizmente, ou talvez não, para a "Champions" vai ter de jogar com o Chelsea. [risos]

- E em termos internos?
- Tem dominado.

- A equipa não parece ser muito nova e poder correr riscos no futuro imediato se for muito pressionada?
- É uma equipa nova, mas ambiciosa. O FC Porto renovou bem como sempre. Acredito que conseguiu ir buscar jogadores novos e bons, e o Jesualdo trouxe uma boa mentalidade. O FC Porto nem precisa, porque a mentalidade é de um clube ambicioso e ganhador, os jogadores que entram ali já sabem, mas o treinador pode dar algo mais, e pelo que vejo, o Jesualdo tem dado algo mais à equipa. É uma equipa muito ambiciosa, tenho seguido os jogos, põe tudo em campo.

- Como vê o reencontro com Mourinho? Que hipóteses terá o FC Porto perante o bicampeão inglês?
- Tem hipóteses, principalmente depois daquilo que conseguir fazer em casa e como vai conseguir aguentar a pressão de jogar na casa do Chelsea. É uma equipa nova, mas tem demonstrado alguma maturidade e carácter. A forma como conseguir encarar o segundo jogo irá ditar a sorte do FC Porto.

- Em termos internos também é da opinião de Costinha que o FC Porto vai ganhar o campeonato ?
- Gostaria que fosse o FC Porto e acredito que vai ser o FC Porto. É uma equipa mais consistente, mais homogénea e com muita ambição. A média de idades é de 23 anos, mas todos têm muita ambição, têm vontade de triunfar.


"Anderson poderá fazer melhor do que eu"


O mágico não tem dúvidas em relação ao poder de explosão do jogador portista


- Os adeptos do FC Porto suspiravam por um novo Deco até à chegada do jovem Anderson que parece ter conquistado os corações dos mais exigentes simpatizantes portistas. E não só. A admiração do circo do futebol. Acha que Anderson tem o perfil certo para pode vir a ser um novo Deco?
- Acho que ele capacidade para fazer mais, pode fazer mais do que eu fiz. Pela qualidade que tem e pela idade; eu cheguei ao FC Porto com 21 anos, ele tem 18. Talvez em termos de potencial tenha mais do que eu tinha na altura. Tem a mesma vontade de trabalhar e de aprender como eu tinha e isso éfunmdamental nmaquele clube, Agora acho que ele tem muita mais força do que eu tinha na altura. É mais explosivo. Não sei se será um novo Deco. Acho que ele poderá até ser melhor até, porque eu não tinha tanta força como ele tem. Tem muita força na explosão, uma arrancada muito forte e eu nunca tive isso tão forte. Além da qualidade técnica é algo mais que o favorece bastante.

- Anderson pode equiparar-se, portanto, a jogadores como Cristiano Ronaldo e Messi
- Sim, claro. A única diferença é que ele apareceu esta época e teve azar com a lesão. Ele está dentro dessa linha desses jogadores com brilho que serão referências do futebol nos próximos anos.

- Como vê o crescimento desportivo de Cristiano Ronaldo, por exemplo, que pode ser um futuro candidato a melhor jogador do Mundo?
- Acho que sim que pode ser. Nesses últimos anos, em Portugal e não só, têm aparecido jogadores com algum carisma. Jovens, mas com fibra, casos do Cristiano, mas também do Messi e do Anderson, que está á surgir agora no FC Porto. Não só uma geração de qualidade, mas uma geração com brilho. Tivemos aí várias gerações de grandes jogadores mas que não tinham esse brilho. O Cristiano, o Messi e o Anderson para além de terem um grande futuro pela frente vão dar algo mais ao futebol, têm algo mais a dar, têm carisma, têm o tal brilho. O Cristiano está já num clube acostumado a vencer, o Messi também, o Anderson igualmente. Vão ganhar, vão estar sempre entre os primeiros. A probabilidade de poderem ganhar é grande.


"Era melhor ter sido campeão do que o melhor jogador"


O nº20 do Barça recorda que a derrota no Mundial de Clubes deixou marcas


- Trocava o título de melhor jogador do Mundial de Clubes pelo triunfo diante do Internacional no jogo da final?
- Claro, sem dúvida. O título de melhor jogador não tem o mesmo sabor e expressão do que teria se tivéssemos sido campeões. Era melhor ter sido campeão do que o melhor jogador, isso é evidente.

- O que é que falhou na final com o Internacional?
- Acredito que dois factores tiveram peso, principalmente um. Esta competição é complicada porque na realidade, as equipas europeias vão com muito pouco tempo de adaptação, ao contrário das sul-americanas, por exemplo. Nós chegámos na segunda, jogámos na quinta e a final no domingo. Os adversários estavam lá há muito tempo. O campeonato brasileiro, por exemplo, tinha acabado duas semanas antes do Inter viajar. Isso não justifica tudo, porque podíamos fazer mais. Mas tem peso. Quando é assim, quando fisicamente não estamos ao melhor nível, e era impossível estar, acho que às vezes os planos de jogo têm de ser um pouco diferentes. Mas às vezes fica difícil. O Internacional jogou no contra-ataque, procurou defender bem, e teve a sorte do jogo. Num contra-ataque marcaram. Mas para nós é complicado, porque a obrigação de ganhar era nossa.

- Não encararam a final com exagerada sobranceria?
- Acredito que não. Fomos para o campo com a atitude normal, até porque nem jogámos mal e na teoria e acredito que sim a nossa equipa é superior. E todos esperavam uma vitória nossa. Mas foi difícil. O Edmilson, por exemplo, emagreceu cinco quilos, eu dois, acordávamos às quatro da manhã sem vontade de dormir, às seis da tarde estávamos cheios de sono, enfim, foi complicado, porque esse desgaste tem consequências.

- Como analisa o comportamento de Frank Rijkaard que assumiu a carga toda da derrota? Foi um exagero da parte dele?
- Acho que sim, que foi exagero. As coisas têm de ser repartidas. A derrota e o êxito têm de ser repartidos. Não conseguimos vencer, mas a culpa não é exclusiva. Ele faz as suas opções e o Barcelona, jogue quem jogar, tem de ter condições de jogar uma final como esta

- Como analisa as críticas do presidente do Sevilha que disse que com ele ao leme, Rijkaard treinaria a equipa B?
- Às vezes as pessoas quando não estão acostumadas com o êxito, e quando o alcançam parece que lhes sobe à cabeça esse momento de euforia. Há um ano ele não falava isso. O Sevilha ganhou-nos a Supertaça, está bem classificado vai na frente da tabela, e claro agora é diferente. Mas acho que além de ser injusto para o Frank Rijkaard ele não tem de falar nada. O presidente tem de ser preocupar com o Sevilha e não fazer declarações sobre o Barcelona e principalmente sobre o treinador do Barcelona.


"O Barça vive dos atacantes"


- O Barça acabou o ano em segundo lugar, a três pontos do guia-surpresa, o Sevilha, mas com um jogo a menos (frente ao Bétis). Ao contrário da época passada a equipa "culé" revela maiores dificuldades em resolver os jogos. Há ou não há uma quebra de rendimento? A ausência de Eto'o e também de Messi explicam tudo?
- O Barcelona está bem, o que acontece é que outras equipas, como o Sevilha, principalmente, e o Real Madrid estão também muito bem, melhor do que na temporada passada. Nesta altura no ano passado estávamos aí com seis/sete pontos de vantagem. Este ano não, eles estão a fazer igualmente um grande campeonato. A diferença não está no Barcelona mas no melhoramento das outras equipas, sobretudo o Sevilha.

- Mas as ausências , sobretudo de Eto’o e Messi têm tido influência na produção de jogo do Barça. Ou não?
- Este ano tem sido difícil para nós. Não fizemos uma preparação adequada, fizemos a possível. O clube tem as suas obrigações normais, e o problema é que fomos directos a esses jogos, um deles a final da Supertaça, sem trabalho de treino, sem base. Houve um tempo em que conseguimos treinar e ganhámos algum ritmo.

- Em ano de Mundial é quase sempre assim...
- O que acontece é que além disso e logo a seguir apareceram as lesões de jogadores importantes; primeiro o Eto’o, que estava bem fisicamente, não tinha tido os jogos do Mundial, tinha feito a pré-época de forma correcta, estava em excelente momento físico. As coisas complicaram-se. A lesão dele coincidiu com as melhoras de outros elementos, iríamos estar mais fortes, eu estava melhor, o Ronaldinho também. Se ele estivesse na equipa conseguiríamos outros resultados. Depois magoou-se o Messi outro elemento importante. Na minha opinião o Barcelona vive dos atacantes, pela forma de jogar, vive muito deles. As coisas complicaram-se. Mesmo assim, temos aguentado bem, mas em vários momentos sentimos que nos fazem falta.

- Em, ternos pessoais como se tem sentido? Poucas férias, muitos jogos de queima uns a seguir aos outros...
- Tenho-me sentido bem. O problema não é as férias, mas sim a intensidade dos jogos e a exigência dos jogos. A pressão é imensa, um pouco como acontecia no FC Porto. Esse ano a exigência da selecção é, igualmente, maior. Não tem um jogo de alguma acalmia. Todos são exigentes. O cansaço acaba por ser mais mental do que físico.


"Renovação na selecção é natural não forçada"

"Pepe na selecção? Nos dois últimos anos tem sido o melhor jogador do FC Porto"


- As saídas de Figo e Pauleta marcaram ou não um ponto de viragem na Selecção Nacional? Acha que a renovação em marcha vai manter Portugal entre as melhores selecções do circuito internacional?
- O Figo é um jogador que faz falta, fará sempre, como o Zidane na França. São jogadores que deixaram muito na selecção. É sempre difícil vê-los sair e vamos estar sempre lembrando deles. Agora a realidade é que em grande parte da qualificação para o Mundial o Figo não esteve presente e nós conseguimos ganhar jogos. Sem dúvida que faz falta, tal como o Pauleta, mas acredito que a viragem é uma coisa natural, não é por eles terem saído. Aparecem novos jogadores, começam a pressionar para terem oportunidades, outros estão no final das respectivas carreiras, é uma renovação natural, não forçada

- Sente algum rrependimento por ter aceite jogar na selecção de Portugal? Nesta altura seria, de caras, titular no "escrete canarinho"...
- Já disse isso várias vezes. E continuo a pensar o mesmo. Tomei a decisão de jogar por Portugal não que não acreditasse que um dia jogaria na selecção do Brasil. Sempre acreditei que teria condições de jogar pela selecção brasileira, mais cedo ou mais tarde jogaria lá.

- Como vê a possibilidade de Pepe poder jogar na selecção portuguesa?
- Acho que tem de ser uma decisão pessoal. Se é vontade dele não vejo grandes problemas. Analisando o FC Porto nos últimos dois anos, o Pepe tem sido o melhor jogador. A selecção tem grandes defesas também, mas seria sempre uma mais solução.

- Tem alguma explicação para as quebras no rendimento da Selecção Nacional depois do quarto lugar no Mundial?
- O único jogo em que falhámos foi contra a Polónia. De resto, acho que temos cumprido com o que se esperava e que era normal. Contra a Polónia, talvez não contássemos que eles aparecessem tão fortes, estiveram muito fortes, mas do que imaginávamos. Fizerem um jogo perfeito, difícil de repetir.

- A qualificação estã em perigo?
- Acredito que não, agora não vai ser tão fácil como talvez se penssasse. Não são fáceis esses jogos fora de casa, muito longe, com jogos das equipas pelo meio, com os jogadores a serem obrigados a duplos esforços, o que não acontece com a maioria dos futebolistas desses países que não têm essa exigência. E claro, a motivação de defrontar Portugal é cada vez maior. Em risco não, faltam ainda muitos jogos

- Encontra explicação para as recentes ausências de Maniche e Costinha? Razões disicplinares estarão na origem das dispensas ou estamos a falar apenas de questões meramente técnicas?
- Acho que foi opção e como disse uma renovação natural. E também, acredito que há jogos em que se podem fazer mais experiências do que outros. E nesses acredito que dava para testar outras possibilidades.


Na semifinal do Mundial frente à França

"Se estivesse ao meu nível podíamos ter feito algo mais"


- Deco não esteve ao seu nível no Mundial. Uma lesão três dias anteas do encotnro inaugural com Angola, que falhou, impediu o médio do Barcelona de se apresentar a cem por cento. Em condições normais, Deco nem sequer deveria ter jogado. Jogou medicado, como fez questão de ressalvar a O JOGO. Concorda que se tem estado ao seu nível na semifinal do Mundial contra a França, a Selecção Nacional poderia ter feito algo mais? Sente que esteve uns furos abaixo do que pode e vale durante o o Alemanha'2006?
- Concordo em absoluto

- Por que razão?
- A minha lesão, três dias antes do começo da competição. Para mim foi complicado e o que aconteceu é que a lesão fez-me jogar sempre condicionado. O jogo em que me senti melhor foi contra a Holanda e acabei por ser expulso o que condicionou outra vez. Falhei o encontro com a Inglaterra o qual podia ser importante para aparecer melhor diante da França.

- Foi só a lesão?
- Eu não treinava! Antes do começo treinei e estava a sentir-me muito bem. Depois da lesão passei um mês sem treinar, só fazendo trabalho de recuperação para jogar. A minha sensação foi de grande frustração, por não poder fazer mais. Não posso dizer, porque no futebol não há certezas, que se estivesse bem Portugal seria campeão mundial. Não posso dizer isso. Mas se estivesse ao meu nível frente à França acredito que podíamos ter feito algo mais. Não conseguia. Fiz 15/20 minutos bons contra a França e depois não consegui manter. E eu preparei-me muito bem, vinha a treinar bem. Quando me lesionei foi uma grande frustração porque sabia que o tipo de lesão difícil. Normalmente não poderia ter jogado. Joguei à base de remédios, porque normalmente não poderia jogar.

- Só a sua robustez física lhe permite estar bem neste começo de época depois de tanto esforço?
- O que acontece é que a lesão do adutor, um estiramento, obriga a uma pagarem de 15 a 20 dias. Não podes fazer nada nesse período. Depois a lesão por si só cura-se. Depois, mais uma ou duas semanas para adaptar e treinar e depois fazer uma manutenção e prevenção segura. Tive 25 de férias e no princípio fiz essa prevenção; joguei sentindo ainda um pouco de dor, mas não limitativa. O que não aconteceu no Mundial em que me limitava os movimentos, limitava muita coisa. Nem sequer joguei o primeiro encontro contra Angola.


"Portugueses têm estado bem"


- É, claramente, uma das mais fortes e poderosas ligas mundiais. Em Espanha jogam dos melhores futebolístas do Planeta. Alguns portugueses. Do que tem observado e sem entrar em detalhes, Deco analisou a produção dos futebolistas oriundos de Portugal.
- Globalmente têm estado todos bem. O Jorge teve a grave lesão que complicou muito. Com normalidade vai voltar a jogar, porque é o melhor defesa que o Corunha tem. O César Peixoto tem tido azar e tem estado lesionado; o Beto, no Huelva, quando joga tem cumprido. O Costinha nem sempre é utilizado, porque o técnico do Atlético não joga com um médio e um pivot fixos, mas quando tem tido oportunidades tem respondido; o Maniche vai muito bem, tem feito até alguns golos; o Zé Castro tem sido opção nos últimos encontros e tem feito trabalho positivo e o Nunes é titular do Maiorca. O Duda esperava vê-lo mais vezes a jogar no Sevilha, mas não tem tido sorte, está lá o Adriano e a jogar bem. Em ternos gerais, o comportamento dos portugueses tem sido, na minha óptica, positivo.

- Alguns dos grandes de Portugal lutariam pelo título em Espanha?
- Sim, acho que o FC Porto principalmente.

- Fala-se menos dos árbitros em Espanha do que em Portugal?
- Aqui não se fala tanto, mas acredito que é também uma questão cultural. A discussão em Portugal em torno dos árbitros consegue atingir todo o país. Aqui não atinge tanto, porque aqui há muitas regiões autónomas e o que acontece é que, bom, às vezes fala-se que os árbitros beneficiam o Barça ou o Real, mas são discussões passageiras. Não se alimenta tanto. Aqui há outros problemas, mas aqui não são problemas para toda a Espanha. Há problemas nas regiões, na Catalunha, Madrid, Astúrias, Andaluzia e assim sucessivamente. É diferente.


A propósito do "desaparecimento" do Salgueiros

Ricos mais ricos, pobres mais pobres


- Antes de jogar no FC Porto, Deco passou pelo Salgueiros, um clube que em termos profissionais fechou as portas. Como analisa essa situação?
- É triste. É difícil passar por lá, agora é uma estação de metro onde dantes estava um campo. Era um clube especial, um clube de bairro, formado por pessoas humildes, mas sempre presentes nos treinos, gente sincera. É com uma certa nostalgia que lembro esses tempos. O que aconteceu no Salgueiros está a acontecer um pouco por todo o lado. Os clubes poderosos cada vez ficam mais poderosos, cada vez geram mais receitas, cada vez alcançam mais coisas; os mais pequenos estão cada vez mais pequenos, com poucas soluções de subsistência. As grandes empresas normalmente não apostam nos clubes de menor dimensão que têm razão de existir, mas lutam com muitas dificuldades. O futebol está a tomar um rumo estranho e difícil. Os que têm, cada vez têm mais, mais “sponsors”, mais dinheiro, os que não têm vivem com imensas dificuldades, não encontram fórmulas para terem receitas. Só que o futebol também vive desses clubes. E Portugal há um problema suplementar que é a ausência de pessoas nos estádios, coisa que não acontece aqui em Espanha. Aqui os clubes de menor dimensão enchem os estádios, têm torcedores próprios que compram e pagam, que levam a família ao futebol. Em Portugal isso já não acontece. E depois surgem os problemas com salários, jogadores que não recebem. Tenho amigos nessa situação, jogadores no desemprego.


"Quaresma teve a sorte de voltar ao FC Porto"


- Acha que Ricardo Quaresma tinha futuro se regressasse ao futebol espanhol?
- Acho que sim. O grande problema do Quaresma é ter vindo para o Barcelona numa época de transição, uma época complicada e muito jovem. E a pressão de jogar no Barcelona não é fácil, sobretudo para um jogador jovem. Agora o Quaresma teve a sorte de voltar para o FC Porto. Não teria melhor clube para o acolher e para ajudar ao seu crescimento do que o FC Porto.


"Estou no leque restrito dos melhores"


- Sente-se entre os dez melhores jogadores mundiais?
- Considero que tenho tido numa carreira boa, positiva. Nos últimos cinco anos tenho conqusitado títulos importantes. Não é fácil manter esse nível. Tenho tido a sorte de jogar em grandes clubes, em grandes equipas compostas por excelentes jogadores. Nos dois últimos anos no FC Porto ganhámos tudo, para além dos títulos nacionais anteriores; no Barça os últimos dois anos também vencemos tudo. Cinco anos num nível elevado. Isso faz com que esteja no leque restrito dos melhores. Mas não é só isso que nem motiva nem isso é tudo. O que me importa é continuar nesse nível durante mais anos.


"Vítor Baía é um exemplo"


- Qual a importância de Vítor Baía tem neste momento no FC Porto? Acha que no futuro pode ser o elemento-chave que faça a ponte entre os técnicos e a equipa?
- Depende dele. Mas eu acredito que quando tem um jogador num plantel com a experiência e a história do Vítor, um jogador que fica no banco sem criar problemas, reconhecendo que o outro guarda-redes está melhor, demonstra uma ombridade fantástica, uma coisa forte e isso faz dele um exemplo para os mais novos, faz com que os mais novos olhem para isso com todo o respeito, respeitem a atitude de um grande jogador de uma figura que ficará para sempre ligada à história do clube..


Gostaria um dia de jogar em Inglaterra”


- Mudar de liga agrada-lhe? Jogar, por exemplo, na liga inglesa é um objdctivo?
- Não sei. O que acontece é que hoje a minha família é muito importante nas minhas decisões. Já não é uma coisa pessoal, pensar exclusivamente no lado profissional. Mas eu gostaria um dia de jogar em Inglaterra, porque acho que é um campeonato que me fascina. Mas o que acontece é que estou num dos nelhores clubes do mundo, estou bem, estou feliz aqui. As pessoas tratam-me bem, gostam de mim, sou acarinhado. Sair por sair não.

- Chegou a falar-se numa troca com Lampard, médio do Chelsea...
- Acredito que isso foi mais fantasia da Imprensa. E aqui quando as coisas começam a correr mal, as críticas começam sempre primeiro para mim e para o Ronaldinho.


"Liverpool tem grande treinador"


- Na Liga dos Campeões, o próximo jogo do Barça será contra o Liverpool. Que perspectivas?
- O Liverpool tem excelenets jogadores, um grande treinador [o espanhol Rafael Benitez] e é uma equipa que em casa tem adeptos fantásticos, fazem uma pressão incrível e se não consegues ter controlo sobre isso é complicado. O que vai ditar muito é o primeiro jogo. Temos de tentar vencer sem sofrer golos. O 1-0 seria ideal, lógico que 2-0 ou 3-0 seria melhor, mas 1-0 pode bastar. É que, acho eu, temos boas possibilidades de marcar em casa do adversário.


“Cannavaro fez um grande Mundial”


- Ronaldinho merecia ter ganho a FIFA World Player?
- As pessoas às vezes confundem um pouco. Estes prémios são atribuídos pelo que jogador fez no ano, na época. Não é um prémio de carreira. É dedicado ao ano, só isso. Os jogadores têm de ganhar pelo que fizeram naquele ano. Não significa que sejam os melhores, ou os mais conhecidos. Se fomos analisar, em ano de Mundial o prémio vai quase sempre para quem se notabilizou durante o Mundial. O Cannavaro fez um grande Mundial, É injusto dizer que ele não merece. O que acontece é que ninguém está acostumado a que seja um defesa a ganhar um prémio desses. Já existiram grandes defesas, o Maldini, por exemplo, que mereciam ter vencido e nunca o conseguiram. A preferência vai quase sempre para os avançados. O Ronaldinho é o melhor jogador do Mundo, mas o Cannavaro neste ano fez um Mundial bom. O Barça ganhou o campeonato a Liga dos Campeões, mas este ano todo o mundo se virou para o Mundial.


“Em 2004 merecia ter ganho o FIFA World Player”


- Acha que merecia já ter ganho o prémio de melhor jogador ds FIFA? Sente-se injustiçado por isso?.
- Não penso muito nisso. Houve um ano, em 2004, que deveria ter ganho, mas acabei em segundo. Ganhei tudo com o FC Porto, tive importância nas conquistas do FC Porto no segundo lugar da selecção no Europeu. Foi um ano fantástico. Mas não tenho obsessão. Não tem como jogar para ganhar um prémio desses. O máximo que pode fazer é jogar é estar ao melhor nível para estar feliz.


"Figo é respeitado"


- Figo daria bom presidente da Federeção Portugesa de Futebol?
- [risos] São temos complicados. O Figo tem um carácter muito forte, é um ganhador e tem muito carinho pela Selecção. E em Portugal as pessoas respeitam-no muito por tudo o que ele já deu à equipa. E o principal de um bom dirigente é ser respeitado e o Figo tem essa força.


Desejos para 2007


- Quais os seus desejos para 2007?
- Em termos pessoais espero continuar a ter a mesma ambição e saúde para fazer o que gosto. Depois o resto vem com naturalidade. Mas tenho metas pessoais, gostaria de voltar a vencer tudo, ganhar a liga espanhola, voltar a estar na final da liga dos campeões, qualificar Portugal para o Euro e acho que não tem mais nada que pedir. Gostaria de continuara ter saúde, com saúde posso continuar a lutar por essas coisas todas.


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2007 poderá marcar o ponto de viragem da carreira de César Peixoto na I Liga espanhola

"Espanhol ainda não sabe se sou bom ou se sou mau"

Jogador português não está arrependido de ter tomado a opção pelos “piriquitos” de Montjuic e quer mostrar o que vale


César Peixoto está há três meses e pico no Espanhol, um dos históricos da I Liga espanhola. Assinou por uma época precisamente no último dia do período de inscrições. Assinou com a cabeça cheia de sonhos, porque sempre foi um jovem positivo. Mas o azar voltou a mostrar-se, para mal dos pecados do português. Aos 15 minutos de um amigável contra o Terrasa, nova lesão grave no joelho esquerdo. Prateleira de novo. César Peixoto ainda não jogou um só encontro oficial com a camisola azul e branca dos "piriquitos" de Montjuic. "Vou fazê-lo, tenho de acreditar que ainda posso ser útil e que vou poder retribuir com o meu futebol todo o apoio que me tem sido dispensado".

- Está arrependido por ter assinado pelo Espanhol?
- De modo algum. Estou muito contente, apesar, de todos os azares por que tenho passado, de ainda não ter conseguido jogar neste campeonato fantástico que é o espanhol, apesar de tudo isso, estou muito contente com o clube, com a cidade, com as pessoas do clube que me têm tratado muito bem, assim como todos os companheiros me têm apoiado. Não há qualquer arrependimento pela opção que tomei.

- Mas há alguma decepção no ar... Não joga, não mostra o seu futebol, a afición desespera por um reforço que ainda não viu jogar. É uma situação que o assusta? Não se sente uma profunda decepção?
- Não acho que seja propriamente uma decepção, embora em termos pessoais o seja, de facto, pois ainda não tive oportunidade de jogar. Em três meses que levo de Espanhol, fiz apenas 15 minutos de um jogo particular. É muito pouco. Compreendo perfeitamente que os adeptos mostrem alguma decepção e ao mesmo tempo revelem alguma ansiedade em relação à minha estreia. Ainda não me viram a jogar, não sabem aquilo que posso fazer, não sabem se sou bom se sou mau, enfim, é uma situação algo estranha que espero ultrapassar brevemente regressando ao jogo e ao campo.

- Rotulado de craque, ainda não provou nada. Sente-se revoltado?
- Infelizmente para mim ainda não tive oportunidade de provar o que posso fazer. Estou com muita vontade de o fazer, mas estas coisas por vezes levam um pouco mais de tempo a cicatrizar do que se pensava primeiramente. Temos de ser pacientes.

- Chegou com grande ambição e vontade de mostrar serviço. Mantém essa disposição?
- Claro. A minha carreira foi sempre pautada pela ambição em fazer sempre mais e melhor. Cheguei onde cheguei por ser um jogador ambicioso. Vim para cá com a melhor das intenções, com muita ambição, sabendo eu que no final da temporada termino contrato. Se conseguir ainda fazer uma boa época, e tenho esperança que vou fazer uma boa segunda volta, terei as portas abertas para outro bom clube. Sou ambicioso, confio nas minhas potencialidades. Continuo com vontade de poder ajudar o Espanhol a atingir os seus objectivos. Não sou uma pessoa negativa. Acredito que o azar não dura sempre.

- Um discurso positivo...
- Sou, por norma, uma pessoa positiva, mas há momentos terríveis, que custam muito a ultrapassar. Há problemas que nos deixam um pouco mais em baixo, mas considero-me um jogador forte em termos psicológicos. Devido às lesões graves que tenho tido, tornei-me interiormente mais forte e com capacidade de superação a momentos menos agradáveis. Vejo sempre a vida de forma positiva, e conforme acredito que o azar não dura sempre, também sei que só com trabalho, crer e confiança se conseguem atingir determinadas metas. Para mim não tem sido muito fácil.


Saída do FC Porto ainda por explicar

"Fiquei um pouco chocado"


Quando o assunto é o FC Porto, César Peixoto não mexe um músculo e pesa bem as palavras, procurando não ferir susceptibilidades. Mas fica claro que guarda uma mágoa na forma como saiu do Dragão e, por muitas voltas que dê, não encontra uma explicação plausível para a dispensa. Ou se encontra guarda-a. Não a transmite, porque, refere, “quer "guardar para sempre os bons momentos que passei naquela casa".

- Quer explicar-nos a razão pela qual foi dispensado do FC Porto?
- O que lhe posso dizer é que ainda continuo sem perceber muito bem porque saí. O que me disseram foi o que saiu nos jornais: por opção técnica do treinador Co Adriaanse, o que acho estranho. Com Co Adriaanse joguei todos os jogos, em 20 joguei 19 durante 90 minutos. Um treinador que te põe a jogar todos os jogos durante 90 minutos não é de um momento para o outro que perde a confiança. Mas respeito, como sempre, as decisões das pessoas.

- Pelas suas palavras parece querer dizer que sabe de outras razões que terão estado por detrás da sua dispensa... Foi algo mais do que apenas uma opção técnica?
- Não sei. Terá de perguntar às pessoas que tomaram essa decisão. Não a mim.

- Sente alguma desilusão, guarda alguma mágoa pelo facto de ter sido dispensado?
- Sinto alguma desilusão apenas na forma como as coisas foram tratadas. Estive lá quatro anos. Por duas vezes lesionei-me gravemente ao serviço do FC Porto, pondo, inclusivamente, a minha carreira profissional em risco.

- A certa altura chegou a ser um dos mais influentes jogadores, marcando golos decisivos, assumindo-se como titular no lado esquerdo da defesa. Acha que merecia outro tipo de tratamento?
- Vinha a jogar de forma constante, é um facto; definitivamente tinha-me afirmado como titular no FC Porto, era um elemento importante, penso que era o melhor marcador da equipa na altura em que me lesionei, a 8 de Janeiro de 2006. Numa fase menos boa, com nova lesão grave, o que precisamos é de apoio não que nos "cortem as pernas". Fiquei um pouco chocado. Respeito, continuo a respeitar. E continuo a gostar do FC Porto, sigo a carreira da equipa e quero que o FC Porto continue a sua boa campanha quer interna quer na Europa. E acredito muito que isso vai acontecer. Vejo os jogos pela televisão e tenho apreciado as exibições. Estão a praticar excelente futebol. Melhor é impossível.

- Foi sempre um jogador acarinhado pelos adeptos?
- Já estava no clube há alguns anos. Não me sentia uma “persona non grata”, mas se a vontade das pessoas foi esta, só tenho de respeitar. O futebol é assim mesmo.

- Co Adriaanse falou consigo na altura da dispensa?
- Não.

- Nem uma palavra?
- Não tive qualquer contacto, não falei com ele.


A lesão já faz parte do passado

"Espero regressar já no recomeço do campeonato"

Voltar ao campeonato português não está nos planos imediatos do jogador português


O horizonte imediato de César Peixoto passa exclusivamente pela Catalunha. O antigo extremo do FC Porto quer mostrar-se à afición do Espanhol, quer provar que a sua contratação não foi um fiasco. Uma questão de honra. O regresso a Portugal não está, pelo menos para já, nos planos do jogador, que não esconde, contudo, que nunca teve, nem terá, grande espírito de emigrante.

- Com tanto problema e mais uma lesão complicada, com o contrato a terminar no final da corrente época está em agenda um rápido regresso a Portugal?
- No futebol não se podem fazer contas a longo prazo. Se no ano passado por esta altura me perguntasse se contava estar aqui, não contava, nem sequer imaginava esse cenário. Não contava sequer sair do FC Porto. No futebol não se podem fazer planos. Neste momento estou a trabalhar para ficar bem do joelho e só isso me interessa. Recuperar bem para poder ser útil à equipa. Quando estiver bem, quero jogar, quero voltar a ser o jogador que fui e poder, então, ajudar o Espanhol a atingir os seus objectivos. As pessoas e a afición bem o merecem por tudo aquilo que me têm ajudado.

- Mas existe no seu subconsciente o desejo de regressar ao campeonato português?
- Por norma, não tenho espírito de emigrante, mas Barcelona é uma cidade bonita, acolhedora. Estou a adaptar-me bem, a minha família também. As coisas têm sido mais fáceis do que inicialmente supunha, apesar dos azares continuarem e de ainda não ter podido mostrar o meu futebol. Agora é certo que gosto muito do meu país e se tiver oportunidade de voltar irei ponderar, mas será sempre um grande prazer poder voltar.

- Para quando o regresso, sem limites, à competição?
- Dentro em breve, espero, talvez já no recomeço do campeonato. O pior já passou. Agora são detalhes. Quando a paragem é longa, o regresso é, por vezes, problemático. Aparece sempre uma pequena dor aqui, outra ali, pequenas coisas que com o tempo e o treino desaparecem. Estou confiante que dentro em breve estarei apto para a competição.

- Tentar conquistar um espaço na primeira equipa do Espanhol não vai ser fácil atendendo à qualidade do plantel…
- O Espanhol tem, de facto, uma boa equipa, organizada, estruturada, com equilíbrio e unidades capazes de fazerem a diferença. Não começamos bem, mas os últimos jogos têm demonstrado que o grupo tem qualidade. Mas confio no meu valor e com muito trabalho e espírito de sacrifício vou conseguir um lugar e o meu espaço na primeira equipa. Só penso nesse momento.


Os melhores jogadores mundiais estão na liga espanhola

"Os três grandes de Portugal lutariam pelo título espanhol"

César Peixoto considera que, apesar das reduzida presença de público nos estádios, o campeonato português tem vindo a subir de nível


Três meses e pico em Espanha, zero minutos de competição, mas muitos jogos já vistos. César Peixoto tem já “status” para poder comparar o nível futebolístico em Espanha e Portugal, tem já passado suficientemente esclarecido para ter opinião sobre o tema.

- Há possibilidades de se comparar o campeonato espanhol, com o português?
- Aqui estão alguns dos melhores jogadores do Mundo, a Liga é forte, envolve muito dinheiro, há imensa publicidade, os estádios estão quase sempre cheios, as famílias vão ao futebol. É um espectáculo bonito, que dá gosto ver. Mas em termos futebolísticos, não em termos de público, o campeonato português tem vindo a subir de nível. É pena que o poder de compra não permita que muitas pessoas acorram aos estádios. Depois do Europeu, Portugal ficou com alguns estádios acolhedores, mas as pessoas continuam a não ir muito ao futebol, talvez porque os orçamentos familiares estejam curtos. Mas é uma pena ver estádios bonitos sem público. É muito desolador e sei disso, porque sigo o campeonato português a par e passo através da televisão.

- Os três grandes de Portugal poderiam lutar pelo título em Espanha?
- Sim, por que não? Acho que sim, acho que os três grandes, com os jogadores que têm, com as condições que têm, poderiam lutar de igual para igual com os melhores clubes espanhóis, lutariam lado a lado pelo título.

- Como tem visto a carreira dos jogadores portugueses no campeonato espanhol?
- Portugal está bem representado. Têm sido, quase todos, mais valias para as respectivas equipas. Isso é bom para eles mas também para o prestígio do futebol português. Sem individualizar, acho que todos têm tido comportamentos exemplares. Cada vez mais o futebol português é respeitado no estrangeiro e também não se pode esquecer a carreira da Selecção nacional, para além dos títulos internacionais do FC porto. Tudo isso prestigia o futebolista português.


"Na UEFA com ambições"


Para além da boa carreira no campeonato, o Espanhol está a fazer excelente figura na Taça UEFA, uma prova que César Peixoto já conquistou ao serviço do FC Porto. Depois de uma campanha imaculada na fase de grupos - quatro jogos e outras tantas vitórias - os "piriquitos" vão defrontar os italianos do Livorno.

- Que ambições norteiam a equipa na Taça UEFA?
- Fizemos uma fase de grupos excelente, ganhámos todos os jogos, foi cem por cento positiva. Agora é a eliminar, é preciso mais cautelas, mas temos ambições. No campeonato temos vindo a recuperar estamos a meio da tabela, relativamente próximo dos lugares europeus, a três quatro pontos, e com a qualidade que temos vindo a demonstrar estou certo que poderemos chegar, de novo a uma prova europeia. Mas isto é uma longa metragem e temos que continuar a trabalhar. Mas há um grupo muito ambicioso.

- Vão defrontar o Livorno, onde joga outro português, o médio Vidigal…
- Joga lá o Vidigal? Não sabia. Penso que o Espanhol tem uma palavra a dizer, apesar de irmos defrontar uma equipa italiana, sempre perigosa. Temos estado muito bem. É uma competição importante e tentaremos, claro, chegar o mais longe possível, estamos na prova para lutarmos pela vitória

- Não é um novato em finais, ganhou três pelo FC Porto...
- Felizmente. Esses foram momentos únicos na minha carreira, inesquecíveis.


"Triste pelo Deco"


- Em termos internacionais, o vizinho e rival Barcelona acabou de perder o Mundial de Clubes. Viu o jogo, ficou triste ou contente com a derrota do velho inimigo?
- Gostava que o Barça tivesse ganho pelo Deco com quem joguei dois anos no FC Porto e que é meu amigo. Admiro-o quer como jogador, porque é um dos melhores do Mundo, quer como homem. Se calhar de perguntar aos adeptos do Espanhol se ficaram tristes são capazes de dizer que não. A rivalidade por aqui é muito forte e nota-se de forma evidente.

- Com a sua experiência em finais, acha que os jogadores do Barcelona encararam a final como se de favas contadas se tratasse?
- Não, penso que não. Hoje em dia o futebol é muito competitivo e todas as equipas podem vencer. Estávamos a falar de um só jogo, de uma final, onde tudo pode acontecer. Seguramente se fosse um campeonato o Barcelona ganharia ao Internacional.


Sevilha, Gelsenckirchen e Tóquio

Esteve em todas



Percebe-se no primeiro piscar de olhos que César Peixoto está capaz de abraçar meio mundo e envolver-se, de alma e coração, com outro meio. Entre sonhos e vontades está o Espanhol que ainda não sabe se o português é craque ou apenas mais um jogador sem rosto. César Peixoto está capaz de jurar que o pesadelo de três meses de exames e queixumes já são coisa do passado. Enterrado.

Um dia, o holandês Co Adriaanse lançou-o como defesa esquerdo no superplantel do FC Porto. Torceram-se muitos narizes, mas César Peixoto tratou de tudo. Marcou livres e golos, corridas loucas pela esquerda e até já se falava na Selecção Nacional. Eram tudo rosas. Titularidade, entrevistas, louvores, títulos rasgados de primeira página, um período que recorda com um brilhozinho especial nos olhos. "Um período fantástico da minha vida, pena ter sido tão curto", recorda com alguma emoção. Esteve nos momentos enormes do FC Porto; em Sevilha e em Gelsenkirchen, mas também em Tóquio. Ganhou tudo com a camisola portista. A 8 de Janeiro de 2006, num FC Porto-Boavista tudo se desmoronou. Outra vez. Acabaram-se as correrias, os remates, o arrancar de palmas num Dragão maravilhado com o potencial do puto das Taipas. Pesadelo. Operação, paragem, dispensa. Poucas explicações. O outro lado do profissionalismo.


Guimarães tem de estar sempre na I Liga


O Guimarães é uma paixão para César Peixoto, que jogou no clube vitoriano desde as camadas jovens e durante nove épocas. Muito tempo. "Sou um vitoriano de cinco costados. Ver um clube como o Vitória na Liga de Honra, um clube com aquela sensacional massa associativa, é muito complicado. O Vitória atravessa uma situação difícil, mas acredito na recuperação, acredito que será já nesta época que vão voltar à I Liga. Apesar de alguns resultados negativos, continuo a acreditar. É um clube especial que tem de estar sempre na I Liga. Têm adeptos fantásticos. Fazem falta à I Liga portuguesa".


Um certo jogo com o FC Porto


César Peixoto recorda jogadas e volta sempre à ideia inicial: foi ao serviço do Belenenses e num jogo contra o FC Porto, que realizou a mais bem conseguida exibição da sua carreira. Na época seguinte era jogador dos portistas. "Esse jogo marcou a minha carreira. Passei do anonimato para um jogador relativamente conhecido". Aos 26 anos, César Peixoto ainda quer manter-se no topo mais um bom par de anos, mas não esconde que na altura de pendurar as botas tem já uma ideia precisa do que poderá fazer. "Abrir um negócio com a minha esposa [Isabel Figueiras, modelo e apresentadora de televisão]".



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Costinha considera os portistas mais consistentes que os adversários

"FC Porto vai ser campeão"

Médio entende que o plantel dos dragões é o melhor em Portugal

Melhor equipa que representou foi a que conquistou a Taça UEFA



Pura coincidência. Costinha aterrou no Porto numa altura em que os jornalistas aguardavam, em pleno aeroporto, pela chegada dos jogadores que gozaram um período de férias nos respectivos países. Esses, no entanto, nem vê-los - chegam todos hoje de manhã -, razão que serviu para aumentar o mediatismo em torno da presença do internacional português. Costinha, que veio a Portugal “tratar de assuntos pessoais”, falou, uma vez mais, do clube que faz questão de “guardar no coração”, respondendo à pergunta se achava que o FC Porto vai ser campeão sem o mínimo de hesitação e com um sorriso maroto a pintar-lhe o rosto.

“Não acho, tenho a certeza! O FC Porto é muito mais consistente do que as outras equipas, para além de ter sofrido poucas alterações no seu plantel e de ter jogadores de elevada qualidade em todas as posições. Depois, há ainda os resultados, que falam por si”.

Passar do presente para o passado do FC Porto foi uma questão de segundos, até porque Costinha faz parte da história recente do clube, nomeadamente da tal equipa de 2002/03 que José Mourinho considerou a melhor de todo o seu percurso de treinador.

“Concordo com ele, porque essa também foi a melhor equipa em que joguei. Estivemos num nível altíssimo em todos os jogos e praticávamos um futebol bonito, com muitos golos. As pessoas gostavam”.

A concluir, Costinha falou ainda sobre a importância de ter representado os dragões na sua carreira:

"O FC Porto faz parte do meu passado, mas de um passado que irei guardar eternamente".


Fala quem já ganhou a prova no FC Porto
Tudo é possível na Champions



A conversa com Costinha teve sempre o FC Porto como temática principal e a eliminatória com o Chelsea um dos pontos mais interessantes. O internacional português é um jogador experiente, conhece bem a prova - venceu a Champions ao serviço dos dragões - e fala dos dois jogos em questão com as dificuldades inerentes à distância temporal que ainda o separa do referido momento. "Não sabemos como é que as equipas vão chegar àquele altura da época e é sempre difícil fazer um prognóstico. Recordo-me, por exemplo, no ano em que o FC Porto ganhou a prova, que a Juventus fez um percurso imaculado até Março, mas depois acabou eliminado logo na primeira ronda. Neste momento, todas as equipas têm hipóteses de vencer, mas a forma dos jogadores e o factor sorte têm uma importância crucial neste tipo de competição". Apesar disso, Costinha considera o Chelsea "favorito", até porque o FC Porto não tem o "mesmo poder financeiro" dos actuais campeão ingleses, nem tão pouco um plantel do "mesmo nível". No entanto, o médio recorda que "não é fácil" defrontar o FC Porto, uma equipa que "nunca se dá por vencida", acreditando por isso que "tudo é possível".


"Pepe? Scolari é que sabe"

Médio considera o central do FC Porto um belíssimo defesa, mas deixa decisão para Scolari


É a questão do momento: Pepe deve, ou não, representar a Selecção Nacional após obter a nacionalidade portuguesa? As opiniões divergem, tal como aconteceu com Deco, mas desta vez Costinha preferiu não assumir abertamente o que pensa sobre o assunto, limitando-se a elogiar as qualidades do jogador do FC Porto antes de deixar a decisão nas mãos de Luiz Felipe Scolari. "O Pepe é um belíssimo central, fez um excelente campeonato no ano passado e está época está a confirmar aquilo que já tinha feito anteriormente. Depois, a partir do momento em que obtiver a cidadania portuguesa, passa a ser uma questão que compete ao seleccionador decidir e não a mim", referiu. Depois de ter deixado o assunto Pepe sem querer marcar uma posição clara, Costinha decidiu fazer o mesmo relativamente ao seu afastamento da última convocatória da selecção, desta feita por considerar que "já passou muito tempo" desde esse momento. O médio mostrou-se, no entanto, disponível para regressar à selecção já na próxima convocatória, até porque diz continuar a sentir-se um jogador útil à Selecção Nacional. "Estou disponível para ajudar, caso o seleccionador assim o entenda, mas na eventualidade de ele pensar o contrário, como disse da última vez em que não fui seleccionado, estarei sempre pronto a ajudar, seja dentro ou fora do grupo", concluiu.

Desejos
Um 2007 bem melhor


"Foi um ano muito difícil e espero ansiosamente pelo dia 1 de Janeiro". Costinha não esconde que esperava mais de 2006 a nível desportivo, apesar de ter destacado dois momentos que considerou "importantes" para a sua carreira. "Estive no Campeonato do Mundo e assinei pelo Atlético de Madrid... No entanto, a realidade também mostra que esses dois acontecimentos não correram da forma como eu desejava. Acreditava na possibilidade de ter jogado mais. Mas são situações normais no futebol e agora resta-me tentar esquecer o último ano para entrar em força no próximo".

Oportunidades
Vontade de jogar mais


Costinha não tem sido utilizado com assiduidade no onze do Atlético de Madrid, apesar de considerar que "está cada vez melhor" em termos físicos, depois de um período "complicado" de quase um ano. "Tive muito tempo sem competi antes do Mundial e faltavam-me rotinas de jogo, mas neste momento sinto-me bem. No entanto, o treinador tem optado por um sistema de jogo com apenas dois médios, da qual não tenho feito parte. Aceito as opções, mas é óbvio que a partir de Janeiro vou à procura do meu espaço na equipa".





Hilário elogia adversário na Liga dos Campeões

"Será uma vantagem Anderson não jogar"


O guarda-redes do Chelsea gostaria de defrontar os portistas, mas sem que os oitavos-de-final sejam a oportunidade de provar alguma coisa ao clube que já defrontou. Seja como for, vai avisando para o poder colectivo do dragão


Há um pormenor no Chelsea que marcará o encontro dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Todos os portugueses do clube londrino, sem excepção, têm um passado ligado ao FC Porto. Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira, José Mourinho e restante equipa técnica e também... Hilário. A lesão de Cech abriu inesperadamente a porta da titularidade ao guarda-redes e por isso existe essa possibilidade de defrontar o ex-clube. O sentimento do reencontro existe, Hilário assume a sua existência, mas afasta o sentimentalismo com "a vertente profissional". Seja como for, não era preciso ter jogado no clube azul e branco para descobrir uma carrada elogios para o adversário na Champions: "O FC Porto tem jogadores capazes de desequilibrar", defende, para atacar com a ideia de que ao Chelsea não restará outro atitude que não seja "respeitar" o oponente dos oitavos-de-final. Afinal, Hilário sabe que entre as hostes portistas "as pessoas acreditam" que é possível seguir em frente na prova, valendo-se para alcançar esse objectivo de um princípio que o guarda-redes conhece desde os tempos em que defendeu a baliza azul e branca. "Acima de tudo funcionam como colectivo e acreditam muito que podem ganhar".

"Quaresma pode desequilibrar"


Entre os elogios ao todo, o actual dono da baliza do Chelsea não deixa de destacar algumas individualidades, sendo mais um que se junta à maioria ao considerar que "Quaresma pode desequilibrar" e que Lucho destaca-se "num meio-campo muito sólido". Mas há mais opiniões positivas para atribuir a "Postiga, que recuperou de uma fase menos boas", aos centrais "que inspiram muita confiança" e "um grande guarda-redes". Hilário só tem uma dúvida, extensiva aos portistas. Será que Anderson estará em condições de jogar? Para já uma certeza: "Poderá ser uma vantagem se não jogar, porque é um jogador com potencial enorme".

"Será o reencontro com uma equipa de que me habituei a gostar", Hilário sabe que o jogo dos oitavos-de-final tem tudo para ser especial, mas recusa a ideia de que seja uma oportunidade de provar alguma coisa. "Não é um jogo para isso, nem tão pouco para servir de lembrete do que quer que seja. Gosto de sair de todos os jogos sem sofrer golos e será isso que tentarei fazer uma vez mais sem a menor intenção de provar nada a ninguém". "Já joguei várias vezes no Estádio do Dragão", recorda. Ora, é sobre a nova casa dos portistas que o guarda-redes tem mais palavras elogiosas, pois "é dos estádios mais bonitos que já conheci, senão mesmo o mais bonito. Será um prazer voltar a jogar lá".






"OS ADEPTOS SÓ FALAM NO DIEGO, UM JOGADOR QUE NÃO ENCAIXAVA NO SISTEMA DE CO ADRIAANSE"

"Quero ficar no Werder Bremen"

"No F. C. Porto fui sempre segunda ou terceira opção e quando é assim dão-nos menos moral"


Hugo Almeida tem 22 anos (nasceu a 23/05/1984, na Figueira da Foz). Formou-se no F. C. Porto, foi emprestado à União de Leiria e ao Boavista e esta época está cedido pelos azuis e brancos ao Werder Bremen, o primeiro classificado do campeonato alemão. Soma 12 jogos e dois golos. No currículo, tem dois títulos nacionais, duas taças de Portugal e uma Liga dos Campeões.


De palavras serenas, Hugo Almeida é um jovem pacato e bem diferente do comportamento aguerrido exibido dentro do campo. É um avançado forte, bom no jogo aéreo, que nunca desiste de um lance e que tem mostrado predicados no Werder Bremen, clube alemão que pagou um milhão de euros ao F. C. Porto para garantir o seu empréstimo. Em Vila Nova de Gaia, onde está a passar as férias de Natal, recebeu o JN na companhia da esposa Andreia e da filha Mariana para uma longa conversa sobre o passado e o futuro. Em discurso directo



- No início da época foi emprestado ao Werder Bremen. Contava integrar o actual plantel do F. C. Porto?
- Claro. Na época passada, fiz uma excelente temporada tanto no campeonato como na Liga dos Campeões. Também marquei golos decisivos. Mas depois, sem mais nem menos, não contaram comigo e fui emprestado ao Werder Bremen.

- Quem não contou consigo?
- Acho que foi o Adriaanse. Fiquei desiludido quando soube que tinha de sair, porque ia apostar tudo para singrar esta época no F. C. Porto. Tive de ir para o estrangeiro, porque não queria jogar mais em Portugal sem ser no F. C. Porto, sem ser num grande. Mas foi difícil ir para fora.

- Tinha medo de quê?
- Eram questões pessoais, porque a minha esposa estava grávida. Fui para o Werder Bremen com algum receio, confesso, porque ia encontrar uma dupla de avançados temíveis, o Klose e o Klasnic. Pensei muito se iria correr bem. Tive receio de não ter espaço, trabalhei imenso, esta é a época em que mais tenho trabalhado, porque são muito exigentes nos treinos, mas tenho tido as minhas oportunidades e tenho marcado os meus golos. Estou a sentir-me bem. Agora, o meu pensamento está no Werder Bremen, é o clube onde quero singrar.

- O que sentiu quando o F. C. Porto fez tudo para que regressasse e o Werder Bremen não deixou?
- Senti uma grande alegria. Foi um sinal de que as pessoas dentro do F. C. Porto me estavam a dar algum valor. O facto do Werder Bremen não me deixar sair foi outra alegria, era sinal de que estavam a gostar de mim. Isso deu-me uma grande motivação para trabalhar e não deixar ficar mal quem tanto apostava em mim.

- Não ficou minimamente triste?
- Não. O nosso mundo é assim e temos de fazer as nossas opções. Se quisesse vir, podia falar com as pessoas do Werder Bremen, mas creio que isso era impossível porque já tinha jogado lá e não podia jogar aqui. Em Janeiro, se calhar, isso podia ser possível, mas sinto-me muito bem na Alemanha. Quero ser campeão no Werder Bremen e assinar contrato. É o meu objectivo.

- O Werder Bremen já o informou de que quer adquiri-lo ao F. C. Porto?
- Não. O Werder Bremen tem até ao final de Janeiro para dar uma resposta ao F. C. Porto. Se não estiver interessado, fico até ao final da época na Alemanha e depois regresso ao clube com quem tenho contrato. Mas quero ficar no Werder Bremen, porque gosto das pessoas e dos métodos de trabalho. Sinto que também apostam em mim. Dão-me conselhos para evoluir. Dão-me moral e são atenciosos com os jogadores.

- No F. C. Porto não tiveram esse comportamento consigo?
- Se calhar, não faziam assim tanto. Mas também estive pouco tempo no F. C. Porto, fui segunda e terceira opção e quando assim é dão-nos menos moral. Em todo o lado, é assim. Só temos de respeitar as opções. Mas no Werder Bremen somos todos tratados de igual forma apesar de termos o Klose, o Klasnic. O nosso treinador roda muito o ataque, apenas mantém o Klose. Isso é importante para nós, porque temos sempre a nossa oportunidade.

- E se não ficar no Werder Bremen?
- Regresso feliz ao F. C. Porto e com espírito para trabalhar e cumprir o contrato até ao fim. Mas para ficar de vez. Para ser emprestado mais vale acabar a ligação e sair do F. C. Porto.

- O F. C. Porto tem feito contactos para você regressar?
- Que eu saiba, não. Mas penso que o Werder Bremen quer que eu fique. Espero que accionem a opção, pois ficaria contente.

- Os dirigentes do F. C. Porto falam consigo?
- O meu grande amigo é o senhor Joaquim Pinheiro, dirigente das camadas jovens. É como se fosse meu pai. Devo-lhe muito e ajudou-me desde que vim da Naval para o F. C. Porto. Sempre me aconselhou e nunca me deixou ir abaixo. É o único dirigente que me telefona, se calhar, mais pela relação de amizade que temos.

"No F. C. Porto os jovens são um pouco prejudicados"

- Que tipo de características amadureceu desde que está na Alemanha?
- Com trabalho e experiência vamos amadurecendo. Trabalha-se muito a parte física. O campeonato alemão é físico, de luta e de garra. Lá, os centrais são fortes e grandes, intimidam o adversário. Isso obriga-me a ser mais inteligente e a estudar as fraquezas dos defesas. Aqui joga-se mais futebol, lá é mais táctico, é um campeonato muito difícil, sempre a doer, onde se perde com o último e se pode ganhar 4-0 ao segundo classificado.

- O Werder Bremen foi o campeão de Inverno. Qual é o segredo?
- É o colectivo. Temos um grupo muito unido onde todos remam para o mesmo lado e isso é muito importante. Queremos ganhar o campeonato, fizemos uma boa prestação na Liga dos Campeões, mas infelizmente não conseguimos passar à fase seguinte. Agora, vamos tentar fazer melhor na Taça UEFA.

- O Diego tem sido a grande estrela do campeonato alemão. Por que não vimos o verdadeiro Diego no F. C. Porto?
- Vimos um pouco do verdadeiro Diego no F. C. Porto, mas quando não há uma aposta contínua é natural que as cosas não corram bem. Quando estava no Boavista, o João Pinto não precisava de apresentações e também não jogava. Tem a ver com os treinadores, são opções de cada um. E quando não se joga, a parte psicológica do jogador vai abaixo. Acorda-se e não se vai com a mesma alegria para os treinos. O Diego foi substituir o Micoud, quase um mito no Werder Bremen, mas os adeptos já se esqueceram dele e só falam do Diego. Está a fazer um excelente campeonato, com golos e assistências.

- Para si é uma surpresa ver o seu colega em excelente momento de forma?
- Não. Treinava com o Diego no F. C. Porto e sabia do que era capaz de fazer. Mas era um jogador que não encaixava no sistema de Co Adriaanse, portanto não havia nada a fazer. Por exemplo, o Bruno Alves na época passada não jogava, hoje é titularíssimo no F. C. Porto. Como costumo dizer, hoje somos bestiais, amanhã somos bestas. O futebol é mesmo assim.

- No Werder Bremen é um jogador mais feliz do que aquele que estava no F. C. Porto?
- Não sou mais feliz, mas sinto-me melhor. Estou a jogar e dão-me o devido valor. Olham para mim como um jogador igual aos outros e que trabalha para ganhar o seu lugar. No F. C. Porto, por ser prata da casa, não era bem assim. Não tem nada a ver com os dirigentes, mas se calhar com os treinadores.

- Isso quer dizer que não lhe deram o devido valor?
- O F. C. Porto é um clube grande, excelente, e adorei jogar aqui. Mas somos sempre os meninos da casa e não somos olhados como queremos. É assim em todos os clubes e no Werder Bremen passa-se o mesmo.

- Mas ser o menino da casa não é bom?
- Às vezes, prejudica. Não me posso queixar, porque sempre tive algumas oportunidades no F. C. Porto. Nos últimos anos, o clube ganhou tudo, tem dinheiro, pode contratar jogadores e os jovens são um pouco prejudicados. Por exemplo, o Sporting, como não tem tanto dinheiro, aposta mais nos jovens. Temos excelentes elementos como o Hélder Barbosa, o Ivanildo e o Paulo Machado. Também não foi dado o devido valor ao Bruno Gama. É importante apostar na prata da casa.

- Só na época passada cumpriu uma temporada no F. C. Porto do princípio ao fim. Ser quase sempre cedido não o prejudicou?
- Não. Fui para clubes onde joguei e aprendi. E tive a sorte de ser treinado pelo Manuel Cajuda, pelo Vítor Pontes e pelo Jaime Pacheco que me ensinaram muito.

- Mas ser sucessivamente emprestado não cansa?
- Sim, cansa. Aliás, ficamos sempre a interrogarmo-nos se temos valor. Mas, às vezes, é preferível ser emprestado do que ficar e sentir uma enorme desmotivação por não jogar.

- Adriaanse apostou em si no início da época, mas depois pouco jogou. O que se passou?
- Isso deixa-me triste. Estava a fazer uma boa época e a marcar golos decisivos. Mas depois de um jogo menos mau, contra o Boavista, nunca mais joguei. Fui apenas opção para dez, cinco minutos. Não sei o que se passou, porque Adriaanse não dava explicações a ninguém.

- Guarda más recordações do treinador?
- Não. Incentivou-me muito e aprendi a trabalhar mais. Adriaanse tinha métodos que as pessoas diziam ser malucos, mas fomos campeões no sistema que ele implementou. Depois, tiveram que falar bem dele.

"Quero singrar na selecção e posso ser a terceira opção"

- Sente que esta é a altura certa para se afirmar na selecção?
- Quero singrar na selecção. Sei que tenho o Nuno Gomes e o Postiga e posso ser a terceira opção para o ataque. Tenho trabalhado para conseguir a confiança de Scolari, uma pessoa a quem devo muito porque me convocou quando tinha 19 anos. Se estiver bem no Werder Bremen, o seleccionador vai reparar em mim.

- Espera integrar a próxima convocatória?
- Sim. Mas desde a primeira vez que fui chamado, espero sempre ser convocado no jogo seguinte. Ainda tenho idade de estar nas esperanças e adoraria ir ao Europeu por causa do que se passou no último Campeonato da Europa, pela forma como perdemos.

- Pepe encaixaria bem na selecção?
- Temos excelentes centrais. O Pepe é um bom jogador, um central difícil de passar e muito rápido. Nós temos centrais bons como o Ricardo Carvalho, o Meira e o Jorge Andrade. Gosto bastante de Pepe.

- Não tem uma opinião sobre os estrangeiros jogarem na nossa selecção?
- A selecção alemã já tem jogadores de outras nacionalidades. Se são jogadores que dão qualidade ao grupo, melhor. O Deco é uma peça fundamental na selecção portuguesa, não vejo aquele meio-campo sem ele. O Pepe é um dos melhores centrais a actuar em Portugal.





"Espero um projecto bom para voltar a Portugal"


Chegou a hora, é o que se percebe destas seis páginas de Carlos Queiroz traduzido e revisto por O JOGO. Ficar em Manchester, até como treinador principal, não é impossível, mas não é esse o projecto de que o técnico que Scolari candidatou à selecção portuguesa fala com mais expectativa



Para se chegar ao gabinete de Carlos Queiroz, em Carrington, é preciso passar por duas fechaduras com combinações numéricas. Diana, a assessora de Imprensa: "Sir Alex não costuma deixar entrar jornalistas aqui, nada de fotografias, por favor". Perde-se a impressão de estar num laboratório que investiga a cura do cancro quando se chega ao corredor comprido bordejado por uma prateleira em que estão pousados uma bola vermelha, um maço de postais e um marcador de tinta indelével por cada jogador da equipa. O gabinete é de trabalho. Não há uma secretária de ardósia nem quadros de Vieira da Silva. Pelo menos ali, no que diz respeito aos quadros, Queiroz prefere os magnéticos. Cristiano Ronaldo aparece a espreitar do outro lado da janela com um sorriso tratante e foge. O preparador-físico Valter de Salvio, contratado à Lázio, entra para pedir instruções. Segue-se o terceiro treinador, Mark Phelan, e por fim é Ferguson quem bate à porta, muito bem disposto. A um canto está a inesperada caixa de um curso de inglês e em sítio visível uma moldura com um "Curso Instantâneo de Relações Humanas" que começa por "As seis palavras mais importantes são: admito que cometi um erro" e acaba em "A palavra menos importante: eu". Aqui está um curso que não dá jeito nenhum numa entrevista.

- Esta pergunta parece-me obrigatória depois do conflito que teve com Scolari, quando ele insinuou a sua candidatura ao cargo de seleccionador nacional: por que não?
- Para mim, é um assunto encerrado e quando digo encerrado é mesmo encerrado.

- Trabalhou em dois dos maiores clubes do Mundo, é um dos treinadores portugueses mais credenciados, dos poucos que conhecem o futebol ao mais alto nível: por que motivo não há-de a selecção ser uma solução para si?
- Se me pergunta nesses termos dir-lhe-ei que essas respostas terão de ser dadas pelos responsáveis da Federação. Nunca no passado me ofereci a lugares nem o vou fazer agora. Posso dizer-lhe que é uma honra trabalhar em selecções. Já trabalhei na de Portugal, dos Emirados, da África do Sul e dos Estados Unidos. Para além do impacto desportivo, tem uma dimensão emocional que é um pouco diferente da competição dos clubes. Ainda recentemente apareceu o meu nome ligado à selecção nacional dos Estados Unidos e é sempre uma honra sabermos que o nosso nome é considerado para essas posições, porque normalmente isso resulta não só do trabalho que se faz mas também do reconhecimento público das nossas capacidades. Mas neste momento não sou candidato a nenhuma função que não seja aquela que tenho aqui no Manchester.

- De qualquer forma é um projecto já conseguido, no seu caso. Antes do episódio com Scolari, a questão obrigatória, quando se falava de Carlos Queiroz, era: vai suceder ou não a Alex Ferguson no Manchester United?
- Vim para aqui, da segunda vez, em condições muito especiais, a convite do Alex Ferguson, enquadrado num projecto que tem a ver com o futuro deste clube. Na altura, quando saí do Real Madrid, tinha outro convite de Inglaterra, mas pareceu-me a melhor opção. Passaram três anos e estamos a cumprir, no fundo, a primeira parte daqueles que eram os objectivos para os quais fui convidado. Renovámos a equipa; o plantel foi praticamente reconstruído; saíram imensos jogadores - Roy Keane, Van Nistelrooy, Djemba Djemba, Kleberson - e os que temos estão a ser elevados para as aspirações que o clube tem. Mas amadureceram. O Cristiano Ronaldo e o Rooney que cresceram muito nestes dois anos, com a preparação mental e técnica que temos vindo a fazer com eles. E há ainda o Fletcher, o John O'Shea... No final desta época, termina um ciclo e embora eu tenha um contrato de continuidade no clube, tudo dependerá de qual virá a ser a posição do Alex no Manchester e do que os novos proprietários pensam do projecto, mas isso não quer dizer que, terminado este ciclo de três anos, eu não esteja disponível para outros projectos e para seguir a minha carreira independentemente do Manchester. Mas essa hipótese não está posta de lado, de forma nenhuma.

- Está dependente dos resultados?
- Não. Os resultados são tão ou mais importantes no Manchester como em qualquer clube do Mundo, mas não são os resultados desportivos que determinam o projecto. O clube não entra em pânico só porque tem alguns resultados menos bons. Tem um caminho e objectivos a cumprir. Repare que, nestes três anos fantásticos, ser capaz de renovar a equipa, com as responsabilidades do Manchester num nível tão elevado, e mantê-la a competir para todos os títulos não é fácil. Este clube tem essa particularidade. Consegue auto-regenerar-se, sem pânico, conflitualidade ou tumulto, ao contrário do que normalmente acontece em Portugal. Qualquer tipo de passagem é quase um terramoto. Questionam-se as pessoas, os projectos, as ideias e chega-se ao ponto em que já não há projecto nenhum nem ideia nenhuma. Aparecem logo os notáveis todos a falar, a Imprensa...

- Foi por isso que recusou convites do Benfica e do FC Porto?
- Não. Depois de ganharmos alguma experiência na vida e de termos a possibilidade de trabalhar em clubes consistentes e estáveis, vale a pena apostar neles. Mas o futebol é um desafio permanente. A nossa vida não é fácil e o trabalho também não, mas é nas dificuldades e na complexidade dele que está a nossa grande motivação para tentar pôr as coisas direitas.

- A questão é que é um pouco estranho ver um ex-treinador do Real Madrid como adjunto.
- Tenho dezassete ou dezoito anos de treinador principal. Treinei quatro selecções. o Sporting e a equipa do Real Madrid. Vim para cá por uma razão particular. Tem a ver com um projecto e com critérios de continuidade num clube que tem uma tradição disso. Mas há um ciclo que termina daqui a seis meses e, nesta altura, estou a reflectir sobre o que quero para o meu futuro. Não sei quais são os planos do clube; não sei se o clube quer que eu continue; se quer que o projecto continue. A estrutura da equipa tem sofrido alterações e progrediu. No ano passado estávamos nove pontos atrás do Chelsea e agora vamos à frente, o que significa que, nos aspectos básicos, conseguimos renovar a equipa para a manter no caminho certo. Significa que me sinto satisfeito com o trabalho que tenho vindo a fazer e com o clube. Só que estou, neste momento, num vértice. Não sei o que vai acontecer.

- Já esteve em tantos sítios. Onde é a sua casa?
- É uma questão que me cria algum embaraço. Saí de Portugal por seis meses, já lá vão onze anos e tal. Muitas vezes, naquele trajecto para o check-in, já não sei se estou a chegar a casa se estou a ir para casa. Cria-se esta dúvida. Mas não perdi a esperança de um dia destes poder ter um projecto bom, que seja aliciante, sólido, estável e com autoridade para poder voltar a Portugal e trabalhar no futebol português.

"De Ronaldo quero respeito"



- Que tipo de relação tem com o Cristiano Ronaldo?
- A melhor.

- Mais próxima do que a que os outros treinadores têm com ele?
- Tenho uma boa relação profissional com todos eles, independentemente de ser o Cristiano Ronaldo ou não, que resulta de eu lhes dedicar dois tempos da minha atenção. Um tem a ver com a preparação colectiva e os interesses da equipa. Esse é, digamos, o parâmetro número um. O parâmetro número dois dessa boa relação tem a ver com o facto de os seguir a todos de perto para os ajudar a complementar a sua preparação naquilo que são as coisas menos boas que vão fazendo. Com o Cristiano, obviamente, por questões linguísticas, estou mais próximo. Mas a base do relacionamento é convencê-lo de que a minha única preocupação é fazer dele o melhor jogador do Mundo. Dedico-lhe este meu tempo e esta minha atenção e quero ganhar dele o respeito. Se a partir daí puder construir uma amizade, tanto melhor, mas em primeiro lugar está a questão do respeito profissional.

- É possível ter uma relação paternal com uma estrela destas dimensões?
- Tive a sorte de conhecer muitas grandes estrelas, de muitos quadrantes e de muitos países, e neste particular são quase todos iguais. A partir dos seus doze ou treze anos, porque são talentos extraordinários, são rodeados por pessoas que só lhes dizem sim e talvez. Muito cedo ganham um estatuto tão grande que nem pais nem amigos nem empresários lhes dizem não. As únicas pessoas que, ao longo da sua vida e da sua carreira, lhes dizem não, por força dos superiores interesses da equipa, são os treinadores. E algumas vezes tornamo-nos incómodos para eles ou até inimigos, mas a médio longo prazo reconhecem, na maior parte das vezes, que é justamente quando temos a coragem de lhes dizer não que estamos a mostrar o maior respeito e amizade.

- Brian Clough, mítico treinador inglês, dizia que, nos seniores, os jogadores já têm de saber tudo; os treinadores servem para os espalhar pelo campo. Esse seu papel interventivo não choca, pelo menos, com os jogadores ingleses?
- Todos os países e todos os futebóis têm virtudes e defeitos. O inglês tem virtudes extraordinárias, mas também tem defeitos e um deles é justamente o facto de não reconhecer que os tem. Um dos aspectos que têm sido postos à evidência é a sua pouca flexibilidade. São muito tradicionalistas e isso reflecte-se também no treino. Não foi por acaso que o Arsene Wenger chegou e, com algumas inovações, conseguiu ganhar; ou que o Benitez também tenha conseguido ganhar ou que o Mourinho faça a diferença; ou que o Alex Ferguson, embora escocês mas com uma mentalidade completamente aberta e inovadora, tenha todo este sucesso. Relativamente à rigidez táctica dos jogadores ingleses, eles são fantásticos quando aquilo é "my way or no way". E quando é à maneira deles é difícil encontrar outro futebol que os consiga bater; só que, quando não é à maneira deles, têm uma grande dificuldade de adaptação. Desde que ganharam o campeonato do Mundo de 1966, a própria selecção reflecte isso, porque quando têm de navegar em águas a que não estão habituados não mostram a flexibilidade necessária. Em contrapartida, têm uma atitude fantástica, são extremamente bravos, possuem um espírito de jogo superior e conseguem organizar uma competição que, somada a competitividade, a organização, a parte técnica, o espectáculo e o público, é a melhor liga do Mundo.

- Em tudo?
- Quase. Os treinadores ingleses andam sempre nesta campanha dos mergulhos. Para eles, é uma coisa horrorosa. E é. Como treinador, admito que não é bonito fazer batota. Mas o que começou primeiro: os mergulhos ou os tackles de intimidação que nasceram no futebol inglês? Eles apreciam muito o tackle, mas muitos desses tackles têm uma carga de tal forma intimidatória que, se não fossem os jogadores mais ágeis mentalmente saltarem ou mergulharem, o número de lesões seria muito maior. São questões que nunca se vão resolver entre nós e o futebol inglês.

"Isto não é só futebol também é vender jornais"


- Costuma partilhar as garrafas de vinho de duzentas libras que o Mourinho traz quando vem a Old Trafford?
- Ainda da última vez o fizemos. Há aqui uma coisa fantástica, que é o convívio entre os staffs, principalmente depois dos jogos. É o que se chama dar a cara, perdendo ou ganhando. Eu já tinha vivido isso no Japão e nos Estados Unidos e acho que é de bom tom, porque nós temos os mesmos problemas, saímos dos mesmos sítios e vamos para os mesmos lugares. Quando um jogo acaba, há uma família que chora e uma família que ri. Partilhar esse momento é uma forma de estar que devia ser generalizada, porque isso ajuda-nos a compreender-nos uns aos outros e a respeitar-nos mais. Se souber que, quando acabar um jogo, vou receber o meu convidado no meu gabinete para beber um copo, se calhar vou ser mais correcto e moderado nos comentários que fizer. Já me fica mais difícil, mesmo com todas as emoções, dizer qualquer disparate, porque a seguir estou no meu gabinete, com a televisão ligada, e o meu colega a beber um copo e a ouvir o disparate que eu disse na televisão. Deve cultivar-se esta ideia de que, acabado o jogo, a vida continua.

- Mourinho escolhe bem o vinho?
- Nós escolhemos sempre bem o vinho. Esta vida dura pouco e não vale a pena sofrer muito.

- Quer dizer que já contribuiu?
- Em casa pagamos nós, mas ainda da última vez o Mourinho teve novamente a gentileza de trazer uma boa garrafa de vinho português. E faz bem, porque os nossos vinhos aqui são pouco promovidos em detrimento dos franceses e dos italianos. Sempre que podemos fazer alguma coisa pelos nossos, devemos fazê-lo. Eu também faço.

- Ainda a propósito de José Mourinho, empatar um jogo, como aconteceu no início deste mês e no dia seguinte abrir o jornal e vê-lo na primeira página do "Times" a piscar o olho não o faz pensar "sacana"?
- Não, repare...

- Só com essa foto, ele não transformou aquele resultado num melhor?
- São duas questões fundamentais: há o mérito de empatar em Manchester e depois, para o Times, que é um jornal sedeado em Londres, ter de levar durante os últimos onze anos com nove títulos do Manchester também não foi fácil. É preciso ler as coisas, porque isto não é só futebol, também é vender jornais.

- Já está outra vez a soar à FC Porto...
- Não. As pessoas pensam que isto é conversa, mas não é. Eu não preciso que elas acreditem nisto, mas, se fingir que não é a realidade, estou a cometer um erro na minha vida. Amanhã, quando não for treinador de futebol, é-me completamente indiferente que o Times ou o Jornal de Notícias ou O JOGO vendam mais ou menos em comparação com os jornais de Lisboa, mas, enquanto treinador do FC Porto ou do Benfica, se ignorar estes factores, estou a ignorar questões fundamentais que rodeiam o sucesso da minha vida. Os ignorantes é que vivem sempre felizes, porque não se apercebem de nada do que se passa à volta deles.

- Está a dizer que o Manchester tem um problema com a Imprensa?
- Não, nenhum. Temos é um caminho, que não é alterado pelos interesses da Imprensa, que é uma coisa completamente diferente. Nós não ditamos regras para nenhum jornal ou rádio local, mas também é de bom tom as pessoas perceberem que não devem ser os jornais a ditar as regras dos clubes. E eu pergunto-lhe, em Portugal é sempre assim? Olhe que já trabalhei num clube, em Portugal, em que era necessário negociar. Eu não, mas um dirigente da altura preocupava-se muito em negociar os interesses entre o Record e A Bola. Eu achava que devíamos anunciar os jogadores quando os tínhamos para anunciar. Ele entendia que não. Hoje dava-se um à Bola, amanhã outro ao Record, a seguir um ao JOGO. Era uma política suicida, porque a curto prazo resulta; a médio e longo prazo, perdemos o respeito de todos. O que estou a tentar dizer é que um banco, uma companhia de seguros ou um clube têm o direito de ter uma política, uma gestão e decidir quais são os seus interesses, numa boa relação com a comunicação social, com o público, com os adeptos, porque precisamos de todos, mas não ao ponto de hipotecarmos os destinos do clube aos interesses que estão à volta. É uma patetice e não é tão incomum como isso no futebol português.

- Mourinho deu uma explicação para os seus bons resultados, usando o Alex Ferguson: ele não joga golfe, dedica-se a cem por cento ao futebol.
- Às vezes, para entendermos melhor o futebol é preciso sair disto. Quando ficamos muito tempo dentro do futebol, já não temos cabeça; temos uma bola de futebol em cima dos ombros e não é isso que eu quero para mim. Entendendo melhor a vida, entendemos melhor as situações e os jogadores.

"No FC Porto, sabe-se quem manda"


- Já há uns meses entregou a Pinto da Costa os méritos pelo título de campeão, por ter sabido manter o treinador apesar da pressão dos resultados, e nesta entrevista voltou a falar do FC Porto em termos muito elogiosos. Dá a ideia de que lhe agradaria trabalhar lá.
- Vamos lá a ver. Parece-me que quase todos os treinadores que passaram pelo FC Porto tiveram êxito. Agora, a questão é a seguinte: foram esses treinadores que deram êxito ao FC Porto ou foi o FC Porto que lhes deu êxito a eles? É uma pergunta legítima, porque a verdade é que, nos últimos vinte anos, desde que Pinto da Costa é presidente, quase todos os treinadores tiveram lá êxito. Isto significa que o clube tem, com certeza, argumentos que lhes permitiram expressar o seu talento, as suas capacidades, o seu trabalho e levar ao clube ao sucesso que todos desejam. E também, deixe-me dizer-lhe, é completamente diferente ser dirigente, treinador ou jogador na cidade do Porto. É mais fácil, se calhar, ser jogador em Manchester do que em Londres. Socialmente, são duas realidades diferentes. As atracções aqui são menores, a Imprensa também tem um impacto menor; há uma concentração muito menor, o que naturalmente também acontece no Porto quando comparado com Lisboa. A diversificação das coisas em Lisboa é muito mais complexa.

- E o que mais explica as distâncias?
- Veja o caso do Sporting nos últimos anos: quando houve períodos de estabilidade e autoridade na sua direcção e quando não houve. Há uma diferença clara. Os treinadores até parece que passam logo a ser melhores quando o clube tem autoridade, estabilidade e critérios que não vêm de fora. Cada vez que o Benfica ou o Sporting - ou qualquer outro clube - se expõem a situações em que parece que a gestão do clube é feita de fora para dentro dá-se um desastre. Quando o Sporting teve aquele período de instabilidade - Dias da Cunha, José Peseiro, guerras, conflitos directivos, etc. - , isso reflectiu-se na Imprensa. Toda a gente dá opiniões. Há um sujeito a ver um treino debaixo de uma árvore, vem a televisão perguntar-lhe o que pensa do Benfica e aquilo chega a seiscentas mil pessoas. Estava ali um homem que, se calhar, até estava só a ver pássaros, e perguntam-lhe o que pensa do Benfica. É tudo uma fantasia, mas é a realidade que temos.

- Que se resolve como?
- Como lhe disse há pouco, uma das grandes virtudes do Manchester é que nunca entra em pânico. Nos momentos difíceis, alto e pára o baile; vamos reflectir e corrigir. É uma virtude fantástica. Perdemos um jogo ou fizemos um mau resultado? Há que confiar nas pessoas. Escolhemos estes jogadores, escolhemos esta equipa técnica, temos de confiar nela. Muitas vezes escolhe-se um treinador e, na primeira semana, a própria pessoa que teve a responsabilidade de o escolher já não está muito certa de que foi o melhor para o clube. Você não conseguiria fazer um bom trabalho se sentisse que o seu director não tem confiança em si. Quando acontece à volta de uma equipa de futebol, os jogadores não sabem quem manda, o treinador também não sabe se as ordens vêm de fora ou de dentro do clube; os próprios dirigentes começam a dizer sim e a pensar que deviam dizer não. Quando às vezes me refiro ao sr. Pinto da Costa, é porque ali as pessoas não têm dúvidas sobre quem manda ou a respeito de onde está a autoridade no clube. Para o bem e para o mal, as pessoas pensam: estas são as decisões e é assim que vamos fazer. É a diferença para a qual tento chamar a atenção. Às vezes, as pessoas pensam que estou a pincelar alguma coisa, mas eu não preciso disso para nada. É só para tentar fazer os outros perceberem onde está a diferença. Não basta criticar e falar das arbitragens: é, neste capítulo, ter um caminho sem vacilar.

"Os ingleses pouco ou nada conhecem do futebol português"


- Vê equipas portuguesas à altura de projectos como este do Manchester United?
- Não e não tem a ver só com os clubes portugueses. Tem a ver com o próprio país, com a dimensão do país, com o potencial económico, a cultura. Nos próximos dez ou quinze anos, será difícil encontrar um clube que tenha a raiz de pensamento e de actuação do Manchester United. Quando digo que é difícil, não estou a negar que existam clubes com virtudes fantásticas a actuar no contexto português. É o caso do FC Porto, por exemplo, que consegue, no contexto da sociedade portuguesa e do país, ser ganhador e competitivo, com troféus e reconhecido internacional. Esse é o resultado de uma obra de mérito, de trabalho, de solidez e de regularidade. Uma coisa é compararmos os clubes e os contextos, outra é, nos próprios contextos, reconhecermos o mérito e as virtudes. E isso existe em Portugal.

- Que ideia têm os ingleses do futebol português?
- Uma ideia muito próxima daquela que têm do futebol no resto do Mundo: pouca ou nenhuma. É um país muito peculiar. Uma ilha. Encontro algumas similitudes entre a Inglaterra e o Japão, em termos de mentalidades. Não é por acaso que estão na Europa mas têm a libra e conduzem à esquerda. Conhecem genericamente muito pouco daquilo que se passa no futebol europeu. Por isso é que, quando vem a Macedónia jogar contra a selecção ou vem um clube qualquer jogar contra uma equipa inglesa, eles ficam sempre surpreendidos com a má exibição da equipa da casa. A derrota nunca se deve à boa exibição das equipas estrangeiras.

- Já devem conhecer as equipas portuguesas, porque têm perdido muitas vezes com elas...
- O que pensam nessas situações é "realmente, hoje não jogámos bem". Isso mostra o desconhecimento total que têm a respeito do que se passa lá fora. E isto tem a ver também com a Imprensa, sobretudo com a televisão, porque a intensidade dos jogos que são transmitidos é enorme. O futebol inglês passa constantemente. A possibilidade de conhecimento das equipas estrangeiras é dada pela Champions League e é quando as equipas inglesas estão envolvidas, porque, se não estiverem, é muito difícil ver-se aqui, nos canais normais, os jogos da Espanha ou da Alemanha. Genericamente, os ingleses conhecem do futebol português aquilo que conhecem dos outros países: pouco ou nada.

- A contratação do Carlos Queiroz pelo Manchester deu exactamente a ideia de que o Alex Ferguson precisou de alguém que estivesse mais a par da evolução do futebol do que ele. Foi isso?
- Pelo contrário. Pôr a questão nesses termos não é correcto nem verdadeiro. Resultou do facto de ser uma pessoa com uma visão extraordinária daquilo que é o futebol e daquilo que é a realidade do clube. Percebeu que o futebol inglês não podia continuar fechado às tendências e ao modo como as globalizações atingem todos os sectores. Temos aqui coreanos, chineses, sérvios, franceses, portugueses, ingleses. Temos um preparador-físico italiano, temos um treinador escocês, já tivemos um holandês. Esta decisão do Alex de criar esta multicultura corresponde à realidade da própria equipa e do clube, porque é uma selecção de selecções. Isto responde a várias questões que se colocam no plano afectivo e emocional. Um espanhol ou um português, quando se lesiona, não tem a mesma atitude perante o departamento médico que um jogador inglês; os franceses têm uma escola de relação com os treinadores diferente da que têm os portugueses. Foi uma resposta inteligente aos novos problemas do futebol. O que ele pensou é o que eu penso e o que eu faço. O futebol gera novos problemas e não se pode responder-lhes com as soluções velhas do passado.

- Justamente: do Manchester espera-se que esteja sempre um passo à frente. O que estão agora a fazer que os outros clubes quererão imitar num futuro próximo?
- A aposta do nosso clube é estar um passo à frente em termos de pensamento, actuação e decisão. O Manchester tem uma cultura muito particular em termos dos seus valores, da sua forma de jogar. Criar espectáculo, um futebol de ataque, rico em emoções, de grande riqueza técnica mas também de grande carácter dentro de campo. E os jogadores têm de reflectir essa forma de estar. Mas o clube, nas suas estruturas, nas suas relações profissionais e humanas, é uma família. Aposta muito na formação. A academia é um dos aspectos mais importantes, não só em termos de preparação técnica dos jogadores mas também de preparação cultural. Ser jogador do Manchester United é diferente. Não é ser jogador do Chelsea ou do Liverpool. Tem a ver com a identidade do clube, que assenta na política de recrutamento, muito exaustiva, muito rigorosa, à procura de responder justamente a estas questões: cultura, identidade do clube, preparação da equipa, recrutamento e academia.

- Outra grande diferença é que em nenhum clube de futebol do Mundo está tão vincada a vertente comercial. Em que aspectos é que isso se nota?
- A grande verdade, e é isso que o clube não pode esquecer, é que a massa de adeptos que o Manchester United tem resultou do facto de ter ganho competições. Atrai as pessoas porque ganhou e ganha títulos. Essa é a questão fundamental. Com base nisso, tornou-se um clube universalista, capaz de, em termos financeiros, ter respostas muito mais produtivas do que outros clubes que não tenham essas massas de adeptos. Veja-se o exemplo do Real Madrid, que é um clube também de grande tradição de vitórias e se convenceu de que podia ser só entretenimento, lá com os galácticos a passear de um lado para o outro, esquecendo-se de que a raiz do futebol é o "winning business", como se diz em inglês. Antes do negócio de entretenimento, este é um negócio de ganhar; depois, em cima do negócio de ganhar, constrói-se o entretenimento e a parte financeira. Mas no dia em que se inverte esta relação fere-se a natureza do futebol. Essa ferida mortal que o Perez quis introduzir no Real Madrid foi o suicídio.

- O Co Adriaanse não ia gostar de ouvir essa resposta...
- Não sei se ele ia gostar ou não. Ele, como nós, corre atrás de uma coisa que é produzir. Para ganhar, preciso de ter uma equipa que jogue bem. Com a fórmula de jogar bom futebol, tenho mais possibilidades de ganhar e como tenho mais possibilidades de ganhar tenho mais possibilidades de criar bons espectáculos. Mas são culturas diferentes. Se o Ajax, na Holanda, ganhar 7-0 ao Roda, é pouco provável que o treinador do Roda seja despedido, porque a cultura do país é completamente diferente. Mas, e aqui está o que o sr. Adriaanse não conseguiu perceber em Portugal, se ele, pelo FC Porto, ganhar 7-0 ao Beira-Mar, o treinador do Beira-Mar é despedido, porque são países diferentes, directores diferentes e mentalidades diferentes. Quando vou para o Japão, não posso trabalhar no futebol como trabalhei nos Estados Unidos, porque a dimensão e atitude perante o desporto são outras. No Manchester, esta raiz não se altera. Isto é o negócio de ganhar. É a natureza do jogo. Os que ganham mais são os que têm mais sucesso e podem produzir mais espectáculo. Mas o espectáculo é ver ganhar; não é ver perder. Isso é que cria a adesão dos adeptos.

Competitividade do clube mais rico do Mundo é um problema - atenção! - financeiro

"Manchester não pode contratar porque tem limites de orçamento"


- A crítica diz que o Manchester United tem menos grandes jogadores, mas uma equipa mais forte. É altura de ser candidata a outro título europeu?
- Depende do que se passar nos sorteios. Depois, depende dos alinhamentos, do momento em que estivermos e das ratoeiras no calendário. Se olhar aqui para o calendário [levanta-se e aponta para um grande calendário desenhado no quadro a marcador preto, vermelho e verde], verá que nos puseram Liga dos Campeões, depois Portsmouth, Liga dos Campeões, a seguir Chelsea e depois a meia-final. Assim, não há treinador: só milagres. Como dizia o Arsene Wenger, quem faz as calendarizações ou não sabe o que está a fazer ou trabalha para transformar alguém em campeão. E só pode ser campeão quem tiver trinta jogadores todos aos mesmo nível. Repare aqui. Doze jogos num mês. Quem pode resistir a isto?

- Tiveram um campeão da Europa inglês e um finalista nas duas últimas edições...
- Pois tiveram, e à custa de quê? O que aconteceu ao Liverpool no campeonato? E ao Arsenal? No ano passado, quando saímos da Liga dos Campeões, disparámos para o segundo lugar e ainda estivemos a seis pontos do Mourinho. O que é que eu, como treinador, posso fazer? Nem mesmo o Manchester. Veja, o Manchester hoje tem dois jogadores aleijados; sobram-lhe dezanove. E é o Manchester United.

- Mas podem contratar mais jogadores...
- Não podemos. Temos limitações de orçamento. Para sermos um clube de sucesso financeiro, temos de respeitar os limites de "budget" e não podemos ter jogadores de um determinado nível. Para termos Rooney e Ronaldo, depois só podemos ter futebolistas de outro nível.

- Está a dizer que o Manchester United não pode concorrer nas mesmas condições com os adversários por não ter dinheiro?!?
- Não é por causa de dinheiro: é porque temos de manter esta competitividade, mas não podemos dever dinheiro. Temos limites e objectivos orçamentais que fazem deste clube o mais atractivo do Mundo, mas para continuar assim é preciso manter equilibradas a parte desportiva e a parte financeira. Não podemos sequer ter 23 jogadores internacionais de primeira categoria.

Proprietários do Manchester ficam no respectivo galho

Os Glazer não falam de bola


Joel, Brian e Avram Glazer são o ponto de contacto entre a equipa técnica do Manchester United e a família norte-americana que comprou o clube sem qualquer experiência prévia no"soccer". Mas os filhos de Malcolm Glazer não deixam que essa lacuna os atrapalhe, porque embora as conversas com Alex Ferguson e Carlos Queiroz sejam frequentes - "costumam assistir aos jogos" - as perguntas técnicas são cuidadosamente reprimidas. "Trabalhei um ano e tal nos Estados Unidos e lá os responsáveis pelo desporto têm uma forma de trabalhar muito especial. Uma vez investidas as pessoas das responsabilidades nas suas tarefas, têm uma arte da delegação distinta daquilo que se passa na Europa. Temos da parte deles toda a confiança para trabalharmos de acordo com aquilo que pensamos ser, na área desportiva, a melhor maneira de dar sucesso financeiro ao clube."

Realidades novas e definitivas
As naturalizações e os casamentos gay


As naturalizações são normais, anormais ou assim-assim? De Queiroz a resposta que chega é a possível para um português que trabalha num inglês cheio de estrangeiros. "Não acho muito normal", admite, "mas é a realidade actual e são situações que não vão voltar atrás. Se calhar, também era difícil discutir o casamento gay há dez anos e hoje, se formos a votos, já há 51 por cento das pessoas a favor. Se me disser que há um determinado país que viciou um passaporte ou que, para construir uma solução artificial, se deu uma identidade a uma pessoa, não estou de acordo. Quando resulta deste dualismo de identidades moderno, acho que deve haver o direito de escolha".

SOLTAS
Reflexão

"Você conhece aquela expressão "em equipa que ganha não se mexe"? É um suicídio (...) a equipa que ganha tem de reflectir e a equipa que perde tem de reflectir ainda mais"

Flash-interview

"Os treinadores deviam ter autonomia para decidir se querem fazer ou não, porque é contra o futebol. Foi feito para proteger os interesses do futebol, muito bem; para proteger os interesses da televisão, muito bem: mas é contra natura; é contra o desporto"

Mensagem

"Para o meu querido amigo presidente do Sindicato dos Treinadores tenho uma mensagem: vejo algumas as conferências de Imprensa em Portugal e não percebo se os treinadores estão a vir da forca se estão a ir para a forca"

Mourinho

"Às vezes, como treinadores, para ser temos de parecer e vice-versa. É com isso que o Mourinho joga e é isso que ele faz bem. Não pense que é fácil ser respeitado em Inglaterra"