Crise anunciada
Esta é a primeira e a principal explicação para a actual crise do FC Porto: faltaram os jogadores que fazem a diferença e faltam outros que ao menos a disfarcem.
1-O que aconteceu ao FC Porto com o Estrela da Amadora é daqueles pesadelos que acontecem uma vez por ano no futebol. Uma equipa que, embora sem jogar bem, faz o suficiente para ganhar o jogo, atacando, perdendo golos, metendo avançados, e quando, finalmente, consegue arrancar a vitória, numa jogada bem construída já nos descontos, vê o golo anulado e a vitória esfumar-se (se houve fora-de-jogo no momento do cruzamento, foi milimétrico; se houve antes, não conta); e depois, na jogada seguinte, vê não apenas a vitória mas o próprio empate esfumarem-se no último suspiro do jogo. Se o FC Porto tem ganho o jogo, como seria mais normal face ao que se passou, não estaríamos agora a falar de crise — e, todavia, ela está lá e por isso é que é importante reflectir no que vem acontecendo.
O jogo com o Estrela confirmou-me aquilo que há muito penso — esta equipa do FC Porto é desequilibrada: tem três jogadores fora-de-série (Pepe, Anderson e Quaresma), tem um bom jogador (Lucho) e todos os outros são apenas razoáveis ou nem sequer isso. Na primeira fase da época, a equipe viveu do talento e da dinâmica de jogo de Anderson. Quando ele foi cirurgicamente afastado dos campos, Quaresma pegou na equipa e, a golpes de génio, assegurou a qualidade de jogo suficiente para o FC Porto ultrapassar a fase de grupos da Liga dos Campeões e manter uma liderança destacada no campeonato. Quando, por sua vez, Quaresma foi também cirurgicamente afastado do jogo, o FC Porto ficou reduzido a uma equipa banal, à mercê de golpes como os sofridos contra o Estrela e o Leiria. Bastaria que Anderson ou Quaresma, ao menos um deles, estivesse em campo e o FC Porto não teria ficado em branco nos dois jogos e naturalmente tê-los-ia vencido; bastaria que ao menos Pepe não estivesse também castigado e o Estrela não teria marcado aquele golo.
Se uma equipa tem três jogadores de génio e quase todos os outros banais, é inevitável que, ficando aqueles três de fora, nem o jogo nem os resultados possam ser iguais. Essa é a primeira e a principal explicação para a actual crise: faltaram os jogadores que fazem a diferença e faltam outros que ao menos a disfarcem. Por exemplo: falta ainda muito ao Helton para justificar a categoria que lhe atribuem, em especial no seu inseguro jogo aéreo; falta quem, na ausência de Quaresma, saiba cruzar em condições (contra o Estrela, Bosingwa fez uma dúzia de cruzamentos e só um é que saiu bem); falta um terceiro defesa-central de categoria que, como já se viu tantas e tantas vezes, não será nunca o Ricardo Costa; falta mais um médio de ataque que, mesmo sem o génio de Anderson, empurre o jogo para a frente e seja capaz de, de vez em quando, marcar golos; faltam razões que possam explicar a inexplicável aposta de Jesualdo Ferreira num Raul Meireles totalmente abúlico e ineficiente; e falta ou não é experimentado devidamente (Bruno Moraes) quem saiba finalizar habitualmente — ultrapassada que parece estar a inesperada ressurreição de Hélder Postiga. A crise tem, portanto, também que ver com uma errática e por vezes lastimável politica de aquisições que, por cada grande jogador que consegue, acrescenta meia dúzia de banalidades.
2-O FC Porto, nunca é de mais lembrá-lo, gasta o dobro do Benfica em aquisições e o triplo do Sporting. E, embora tendo já arrepiado algum caminho em relação a tempos de loucura e de irresponsabilidade recentes, os maus hábitos tendem a manter-se. Vejamos o que aconteceu apenas neste período intercalar de compras. O Sporting não fez nenhuma aquisição, nem sequer por empréstimo, porque decidiu que só faria se tivesse dinheiro para tal e encontrasse um jogador capaz de entrar de imediato no onze titular; o Benfica fez duas aquisições, mas ambas por empréstimo: no final da época verá se está ou não interessado em continuar com eles e adquirir os seus passes; já o FC Porto avançou para duas compras, com contratos a longo prazo, como é habitual na casa, ficando amarrado aos jogadores, quer eles provem quer não, por muitos e bons anos. Não espanta, pois, constatar que grande parte do movimento de jogadores neste período tenha correspondido a jogadores emprestados pelo FC Porto. Pelas minhas contas, os portistas devem ter actualmente duas equipas inteiras emprestadas a outros emblemas, incluindo clubes de Espanha, Alemanha e Brasil, sendo que, na maior parte dos casos, é o clube que paga a parte de leão ou mesmo a totalidade dos seus vencimentos. Dos jogadores contratados em Julho para esta época, todos com contratos a longo prazo, mais de metade já estão emprestados, decorridos seis meses e depois de se ter concluído que, afinal, não interessavam. Eis uma coisa que nunca percebi: porque é que quando quer jogadores, o FC Porto só os consegue comprar a bom preço e com excelentes salários e longos contratos e, quando se quer desfazer deles, não consegue vender nenhum? Nesta miniépoca de aquisições, o FC Porto lá foi às compras: aguentou-se nas exigências incomportáveis do Sp. Braga (que tem dois jogadores emprestados pelo FC Porto…) em relação a Diego e Madrid, mas já não resistiu em comprar mais um defesa-esquerdo (o sexto em três anos) e mais um ponta-de-lança (o sexto, contando com Hugo Almeida). Mas um defesa-central para substituir Pedro Emanuel, lesionado, não; e um médio ofensivo para substituir Anderson, lesionado, também não. Erros de gestão destes pagam-se depois em campo.
3-O regresso do ninja ao nosso campeonato merece ser saudado. Derlei deixou um cartaz de jogador de fibra e de talento, um profissional de cima a baixo, para sempre ligado à incrível final de Sevilha. Ao assinar pelo Benfica, perguntaram-lhe e com toda a lógica, como é que ele, que tinha estado ligado a todos os grandes êxitos do FC Porto da época de Mourinho, via a acusação, desencadeada pelo seu novo clube, de que tais êxitos não eram fruto do esforço e do talento de jogadores como ele mas, sim, de batota. Obviamente, ele deu a única resposta que podia dar: que isso agora não interessava, era passado. A ele, não, claro. Mas interessa, sim, ao clube que ele representou com tanto mérito. É disso que trata o Apito Dourado: decidir se o FC Porto de então ganhava porque tinha jogadores como Derlei, Deco, Ricardo Carvalho, Jorge Costa, Vítor Baía, Maniche, Carlos Alberto ou McCarthy, ou porque supostamente subornava os árbitros. É uma questão de honra, de dignidade e de verdade desportiva, e isso nunca é passado. O que sentirá Derlei se lhe retirarem, por alegadas malfeitorias, os títulos de campeão de Portugal conquistados em 2002 e 2003?
Entretanto, bastaram a Derlei quinze minutos em campo na estreia pelo Benfica para ele perceber a diferença das camisolas. Na semana passada, um tal de Ricardo Quaresma que, por acaso, vinha sendo o melhor jogador do campeonato, deu uma palmada com o braço para trás para se livrar de um adversário que estava a agarrá-lo, quando ele tinha a bola e queria fugir para o ataque. Embora estivesse de costas para o juiz de linha, este não hesitou em ver ali uma agressão: Quaresma foi expulso e, para além desse jogo, levou mais dois de suspensão. Esta semana, exactamente no mesmo local do campo, Derlei deu também uma braçada para trás atingindo o adversário. Com uma grande diferença: não estava a ser agarrado e era o outro que tinha a bola e se ia escapar. E mais esta decisiva diferença: estava de frente para o juiz de linha, que tudo viu e nada de mal viu. Nem amarelo, nem vermelho, nem suspensão. Seja bem-vindo ao Benfica, Derlei!
4-Os critérios disciplinares dos árbitros em campo podem ajudar a decidir campeonatos, se os critérios variarem de árbitro para árbitro, de clube para clube e de jogador para jogador. E mais ainda se a essa dualidade de critérios for somada depois igual dualidade da Comissão Disciplinar. Não interessa apenas tentar perceber porque é que Quaresma é expulso e Derlei não. Também interessa perceber porque é que Nuno Gomes é expulso duas vezes, uma delas por agressão a pontapé pelas costas, e só leva um jogo de cada vez, enquanto Quaresma leva dois, logo à primeira e contestada expulsão. Já se sabia que ia ser assim, mas não acham que é um bocado chocante?
Esta é a primeira e a principal explicação para a actual crise do FC Porto: faltaram os jogadores que fazem a diferença e faltam outros que ao menos a disfarcem.
1-O que aconteceu ao FC Porto com o Estrela da Amadora é daqueles pesadelos que acontecem uma vez por ano no futebol. Uma equipa que, embora sem jogar bem, faz o suficiente para ganhar o jogo, atacando, perdendo golos, metendo avançados, e quando, finalmente, consegue arrancar a vitória, numa jogada bem construída já nos descontos, vê o golo anulado e a vitória esfumar-se (se houve fora-de-jogo no momento do cruzamento, foi milimétrico; se houve antes, não conta); e depois, na jogada seguinte, vê não apenas a vitória mas o próprio empate esfumarem-se no último suspiro do jogo. Se o FC Porto tem ganho o jogo, como seria mais normal face ao que se passou, não estaríamos agora a falar de crise — e, todavia, ela está lá e por isso é que é importante reflectir no que vem acontecendo.
O jogo com o Estrela confirmou-me aquilo que há muito penso — esta equipa do FC Porto é desequilibrada: tem três jogadores fora-de-série (Pepe, Anderson e Quaresma), tem um bom jogador (Lucho) e todos os outros são apenas razoáveis ou nem sequer isso. Na primeira fase da época, a equipe viveu do talento e da dinâmica de jogo de Anderson. Quando ele foi cirurgicamente afastado dos campos, Quaresma pegou na equipa e, a golpes de génio, assegurou a qualidade de jogo suficiente para o FC Porto ultrapassar a fase de grupos da Liga dos Campeões e manter uma liderança destacada no campeonato. Quando, por sua vez, Quaresma foi também cirurgicamente afastado do jogo, o FC Porto ficou reduzido a uma equipa banal, à mercê de golpes como os sofridos contra o Estrela e o Leiria. Bastaria que Anderson ou Quaresma, ao menos um deles, estivesse em campo e o FC Porto não teria ficado em branco nos dois jogos e naturalmente tê-los-ia vencido; bastaria que ao menos Pepe não estivesse também castigado e o Estrela não teria marcado aquele golo.
Se uma equipa tem três jogadores de génio e quase todos os outros banais, é inevitável que, ficando aqueles três de fora, nem o jogo nem os resultados possam ser iguais. Essa é a primeira e a principal explicação para a actual crise: faltaram os jogadores que fazem a diferença e faltam outros que ao menos a disfarcem. Por exemplo: falta ainda muito ao Helton para justificar a categoria que lhe atribuem, em especial no seu inseguro jogo aéreo; falta quem, na ausência de Quaresma, saiba cruzar em condições (contra o Estrela, Bosingwa fez uma dúzia de cruzamentos e só um é que saiu bem); falta um terceiro defesa-central de categoria que, como já se viu tantas e tantas vezes, não será nunca o Ricardo Costa; falta mais um médio de ataque que, mesmo sem o génio de Anderson, empurre o jogo para a frente e seja capaz de, de vez em quando, marcar golos; faltam razões que possam explicar a inexplicável aposta de Jesualdo Ferreira num Raul Meireles totalmente abúlico e ineficiente; e falta ou não é experimentado devidamente (Bruno Moraes) quem saiba finalizar habitualmente — ultrapassada que parece estar a inesperada ressurreição de Hélder Postiga. A crise tem, portanto, também que ver com uma errática e por vezes lastimável politica de aquisições que, por cada grande jogador que consegue, acrescenta meia dúzia de banalidades.
2-O FC Porto, nunca é de mais lembrá-lo, gasta o dobro do Benfica em aquisições e o triplo do Sporting. E, embora tendo já arrepiado algum caminho em relação a tempos de loucura e de irresponsabilidade recentes, os maus hábitos tendem a manter-se. Vejamos o que aconteceu apenas neste período intercalar de compras. O Sporting não fez nenhuma aquisição, nem sequer por empréstimo, porque decidiu que só faria se tivesse dinheiro para tal e encontrasse um jogador capaz de entrar de imediato no onze titular; o Benfica fez duas aquisições, mas ambas por empréstimo: no final da época verá se está ou não interessado em continuar com eles e adquirir os seus passes; já o FC Porto avançou para duas compras, com contratos a longo prazo, como é habitual na casa, ficando amarrado aos jogadores, quer eles provem quer não, por muitos e bons anos. Não espanta, pois, constatar que grande parte do movimento de jogadores neste período tenha correspondido a jogadores emprestados pelo FC Porto. Pelas minhas contas, os portistas devem ter actualmente duas equipas inteiras emprestadas a outros emblemas, incluindo clubes de Espanha, Alemanha e Brasil, sendo que, na maior parte dos casos, é o clube que paga a parte de leão ou mesmo a totalidade dos seus vencimentos. Dos jogadores contratados em Julho para esta época, todos com contratos a longo prazo, mais de metade já estão emprestados, decorridos seis meses e depois de se ter concluído que, afinal, não interessavam. Eis uma coisa que nunca percebi: porque é que quando quer jogadores, o FC Porto só os consegue comprar a bom preço e com excelentes salários e longos contratos e, quando se quer desfazer deles, não consegue vender nenhum? Nesta miniépoca de aquisições, o FC Porto lá foi às compras: aguentou-se nas exigências incomportáveis do Sp. Braga (que tem dois jogadores emprestados pelo FC Porto…) em relação a Diego e Madrid, mas já não resistiu em comprar mais um defesa-esquerdo (o sexto em três anos) e mais um ponta-de-lança (o sexto, contando com Hugo Almeida). Mas um defesa-central para substituir Pedro Emanuel, lesionado, não; e um médio ofensivo para substituir Anderson, lesionado, também não. Erros de gestão destes pagam-se depois em campo.
3-O regresso do ninja ao nosso campeonato merece ser saudado. Derlei deixou um cartaz de jogador de fibra e de talento, um profissional de cima a baixo, para sempre ligado à incrível final de Sevilha. Ao assinar pelo Benfica, perguntaram-lhe e com toda a lógica, como é que ele, que tinha estado ligado a todos os grandes êxitos do FC Porto da época de Mourinho, via a acusação, desencadeada pelo seu novo clube, de que tais êxitos não eram fruto do esforço e do talento de jogadores como ele mas, sim, de batota. Obviamente, ele deu a única resposta que podia dar: que isso agora não interessava, era passado. A ele, não, claro. Mas interessa, sim, ao clube que ele representou com tanto mérito. É disso que trata o Apito Dourado: decidir se o FC Porto de então ganhava porque tinha jogadores como Derlei, Deco, Ricardo Carvalho, Jorge Costa, Vítor Baía, Maniche, Carlos Alberto ou McCarthy, ou porque supostamente subornava os árbitros. É uma questão de honra, de dignidade e de verdade desportiva, e isso nunca é passado. O que sentirá Derlei se lhe retirarem, por alegadas malfeitorias, os títulos de campeão de Portugal conquistados em 2002 e 2003?
Entretanto, bastaram a Derlei quinze minutos em campo na estreia pelo Benfica para ele perceber a diferença das camisolas. Na semana passada, um tal de Ricardo Quaresma que, por acaso, vinha sendo o melhor jogador do campeonato, deu uma palmada com o braço para trás para se livrar de um adversário que estava a agarrá-lo, quando ele tinha a bola e queria fugir para o ataque. Embora estivesse de costas para o juiz de linha, este não hesitou em ver ali uma agressão: Quaresma foi expulso e, para além desse jogo, levou mais dois de suspensão. Esta semana, exactamente no mesmo local do campo, Derlei deu também uma braçada para trás atingindo o adversário. Com uma grande diferença: não estava a ser agarrado e era o outro que tinha a bola e se ia escapar. E mais esta decisiva diferença: estava de frente para o juiz de linha, que tudo viu e nada de mal viu. Nem amarelo, nem vermelho, nem suspensão. Seja bem-vindo ao Benfica, Derlei!
4-Os critérios disciplinares dos árbitros em campo podem ajudar a decidir campeonatos, se os critérios variarem de árbitro para árbitro, de clube para clube e de jogador para jogador. E mais ainda se a essa dualidade de critérios for somada depois igual dualidade da Comissão Disciplinar. Não interessa apenas tentar perceber porque é que Quaresma é expulso e Derlei não. Também interessa perceber porque é que Nuno Gomes é expulso duas vezes, uma delas por agressão a pontapé pelas costas, e só leva um jogo de cada vez, enquanto Quaresma leva dois, logo à primeira e contestada expulsão. Já se sabia que ia ser assim, mas não acham que é um bocado chocante?