terça-feira, fevereiro 13, 2007

Simão e Quaresma

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Simão e Quaresma

Uma vez mais, Scolari foi o último a ver o que já todos tinham visto, ou, melhor dizendo, o último a não querer ver. Scolari ficou a dever a Quaresma um Mundial em que ele merecia e devia ter participado e não participou.


1- O Portugal–Brasil foi um jogo fraco e bastante desinteressante. Valeram os golos e por isso Portugal mereceu a vitória, face a um dos piores seleccionados brasileiros de que me lembro. Curioso foi verificar como, ao arrepio de toda a história, o virtuosismo e a classe individual tenham estado, desta vez, do lado luso: Cristiano Ronaldo lançou o pânico na defesa brasileira, sempre que pegava na bola e avançava direito a eles; Quaresma levou Lúcio ao desespero e chegou a deixar um defesa a dar cambalhotas sozinho no relvado; e Simão, quando a oportunidade surgiu, furou pelos centrais como faca em manteiga. De facto o Brasil só conseguiu ser notícia devido à extraordinária camisa de Dunga, exibida ao frio de Londres, numa ternurenta manifestação de amor paternal. Mas pai e filha, cada um no seu domínio, levaram muito que meditar deste jogo.

Do lado português, o mais marcante terá sido o saldo das presenças em campo de Simão e de Quaresma. Primeiro que tudo, a imagem lindíssima de ambos a abraçarem-se depois do golo facturado a meias e a continuarem abraçados à saída do relvado. Neste ambiente de guerra permanente Benfica-Porto (do qual eu próprio me faço eco), o abraço de alegria e camaradagem daqueles dois veio trazer-nos de volta para aquilo que é o mais bonito e o mais importante do futebol.

Depois, a meditação sobre a sua própria situação na Selecção: Simão parece estar finalmente a ser o «Simão do Benfica», afastando aquele inexplicável temor reverencial que a camisola das quinas parecia inspirar-lhe, roubando-lhe toda a audácia e confiança que caracterizam o seu futebol. Ao invés, o «Quaresma do FC Porto» — que Scolari agora diz ter finalmente visto em campo — nunca poderia lá ter estado antes, ao serviço da Selecção, pela simples razão de que Scolari nunca lhe deu oportunidade para tal. A nove meses do Mundial da Alemanha, já se tinha tornado claro no discurso do seleccionador que Quaresma iria ficar de fora. E ficou, mesmo depois de ter conquistado todos os troféus para o melhor jogador do campeonato português. Nunca saberemos até onde Portugal poderia ter chegado com ele na Alemanha. O que sabemos, é que uma vez mais, Scolari foi o último a ver o que já todos tinham visto, ou, melhor dizendo, o último a não querer ver. Agora, claro, inventa uma justificação retroactiva e sem fundamento algum para o que não tem explicação. Scolari ficou a dever a Quaresma um Mundial em que ele merecia e devia ter participado e não participou.

2- Muita discussão a propósito do castigo a Derlei, e com o Benfica a dizer, e com razão, que vai ficar atento a casos semelhantes no futuro. Realmente, a questão tem razão de ser: porquê agora o Derlei e não outros antes dele? Será que nas dezasseis jornadas anteriores não houve mais nenhum caso que justificasse um sumaríssimo? Claro que sim, claro que houve. A explicação, que ninguém se atreveu a dar em voz alta, é simples como a água: o Derlei só foi castigado agora porque o Quaresma o tinha sido uma semana antes, numa jogada bem menos nítida e grave que a do Derlei. Só que, depois da dualidade de critérios em campo (um juiz-de-linha achou que o Quaresma devia ir para a rua, outro achou que o Derlei não devia) e na Secretaria (dois jogos para o Quaresma, um para o Nuno Gomes, por fazer bem pior), não havia «topete» para passar por cima da palmada do Derlei. Até os dirigentes do Benfica o perceberam, e por isso se conformaram.

Entretanto, o CD da Liga resolveu criar doutrina na matéria. Sempre é melhor haver uma doutrina do que não haver nenhuma e continuar-se, como até aqui, no reino do casuísmo. Só que a doutrina enunciada pelo CD levanta muitos e dificilmente ultrapassáveis problemas. Ao explicar que o CD não pretende ser o «quinto árbitro» e que, por isso, só intervirá, através dos sumaríssimos, quando os lances gravosos tenham escapado aos quatro árbitros, assume-se que o fará a partir do recurso às imagens televisivas. E daqui deriva o primeiro problema insolúvel: é que, se todos os jogos dos grandes são transmitidos, há muitos outros que o não são, o que determina uma dualidade de critérios: uma agressão que escape aos árbitros, num jogo não transmitido, passará impune pelo CD.

A segunda questão tem que ver com a falta de lógica e de sustentação da doutrina agora enunciada. Duas agressões idênticas podem ter tratamentos disciplinares diferentes, conforme os árbitros digam nos seus relatórios que as viram ou que não as viram. No caso concreto do Derlei, por exemplo, é difícil aceitar que o fiscal-de-linha, a metros da jogada, a não tenha visto. Mas se, por hipótese, o árbitro tem escrito no relatório que ele ou o auxiliar tinham visto a jogada mas não a tinham considerado uma agressão, o Derlei teria passado sem castigo. Árbitros com critérios mais largos perdoarão coisas que outros não perdoam, tendo como resultado prático diferentes critérios disciplinares, em campo e fora dele. Imagine-se o que isto não irá acrescentar à suspeição generalizada que hoje existe sobre os árbitros!

A mim parece-me que o único critério que asseguraria alguma igualdade de tratamento e lógica era o CD punir idênticas situações com idênticas penas — quer o jogador tivesse sido amarelado ou não, quer tivesse sido expulso ou não, quer o árbitro declarasse ter visto ou não. Isso resolveria pelo menos a questão nos jogos transmitidos.

3- Surpreendentemente, o presidente do Sporting apareceu esta semana a dizer que se iria embora se a Câmara Municipal de Lisboa não viabilizasse a pretensão do clube de poder vender como urbanizáveis uns terrenos que estão afectos à prática desportiva ou outros fins. Em causa estará um encaixe previsível de 35 milhões de euros, se a CML aceitar alterar o PDM da cidade e rever a utilização consentida para os terrenos. Surpreendentemente também, Carmona Rodrigues apressou-se a responder que tudo irá fazer nesse sentido. E surpreendentemente ainda, ficámos a saber que esta negociação confidencial já teria sido objecto de um acordo particular entre Carmona e Soares Franco. Queria apenas recordar que não passou ainda nem meia dúzia de anos desde que a CML, pela mão de Santana Lopes, assinou com Benfica e Sporting acordos que viabilizaram financeiramente a construção dos novos Estádios de Alvalade e da Luz, em termos tão generosos que uma das cláusulas previa até a construção de uma urbanização, integralmente a expensas da CML, cujos lucros, após venda, seriam repartidos em partes iguais pela Câmara e pelos clubes (e sucedeu até que, nunca tendo sido construída a tal urbanização, a CML antecipou a ambos os clubes 15 milhões de euros pela sua parte nos «lucros» de tão leonino negócio»). Esta e outras cláusulas dos ditos acordos tornaram-nos de tal maneira generosos, que a última cláusula estabeleceu que nunca mais, no futuro, Benfica e Sporting voltariam a pedir qualquer coisa à Câmara. Esqueceram-se foi de acrescentar que se tratava do futuro muito próximo… Agora é o Sporting, a seguir virá o Benfica. Entretanto, quem, como de costume e aqui como no resto, continua com a má fama é o FC Porto. Apenas porque Rui Rio, ao invés dos seus colegas de Lisboa, resolveu estabelecer uma guerra-modelo contra o FC Porto e porque um inspector das Finanças não conseguiu perceber nada do Plano de Pormenor das Antas (iniciado pela Câmara, e não pelo clube). E, entre outras coisas, não atentou nesta diferença fundamental: é que o FC Porto, ao contrário dos clubes de Lisboa, era, à época, proprietário de um vasto património imobiliário: 17 hectares de terreno, livres e disponíveis, que viriam a reverter em grande parte, para o Município, no âmbito do Plano Geral de Urbanização das Antas, que, conforme está à vista de todos, foi muito mais e muito melhor para a cidade do que a simples substituição de um estádio velho por um novo. Mas quem, neste país, é que se dá ao trabalho de estudar a fundo as questões complexas, de ler os dossiers, de ver os contratos e compará-los, em lugar de adoptar logo como verdade conveniente a primeira atordoada que alguém se lembra de lançar para o ar?