domingo, outubro 10, 2004

Golear na bancada

JORGE MAIA


Luís Filipe Vieira quer que Fernando Gomes se retrate. A coisa é mais ou menos assim: ou o administrador da SAD portista se retrata - e não se trata aqui de tirar um autoretrato - ou o Benfica não cede nem um bilhete ao FC Porto para o clássico da próxima jornada. Pode parecer uma medida drástica, talvez até dramática, mas só pode ter uma boa justificação. Afinal, Luís Filipe Vieira é uma pessoa razoável.


Tenho a certeza disso desde que, há cerca de um ano e meio, disse que o Benfica havia de ser o maior clube do Mundo num prazo de... três anos
. Ora, sendo Luís Filipe Vieira uma pessoa razoável, só faz sentido que Fernando Gomes tenha dito algo de muito grave, de forma leviana, perfeitamente injustificada e certamente ofendendo a grande instituição que o Benfica já é, mesmo que ainda não seja o maior clube do Mundo.

E o que disse, afinal, Fernando Gomes a propósito da intenção manifesta pelo clube encarnado de ceder apenas 1008 bilhetes ao adversáro?

Que "se o Benfica não vai cumprir os regulamentos, isso preocupa, de uma forma geral, a indústria do futebol". Mas não se ficou por aqui no descaramento e acrescentou que "o espectáculo do futebol é para ser vivido de forma intensa entre a equipa visitada e a visitante e coartar a possibilidade dos adeptos desta última estarem no estádio não é forma de defender a actividade". Mas a gota de água terá sido quando atirou que "o FC Porto, no estrito desempenho daquilo que a si lhe cabe, fará o que está ao seu alcance para que os regulamentos sejam cumpridos".

Um abuso. Era só o que faltava pretender que os regulamentos sejam cumpridos. Qualquer pessoa razoável, como Luís Filipe Vieira por exemplo, ficaria chocado perante tais afirmações. Aquilo que é razoável esperar de Fernando Gomes agora é que diga, acrescentando o devido pedido de desculpas, que se o Benfica não cumpre os regulamentos faz muito bem porque as regras não são, obviamente, para cumprir. São apenas sugestões bem intencionadas cujo cumprimento deve ser deixado ao critério e bom-senso de cada qual. E mais, o administrador da SAD portista deve sublinhar que impedir a entrada dos adeptos adversários no estádio de cada um é a melhor forma de defender o espectáculo.

Ficam as bancadas muito mais bonitas, todas da mesma cor, a pressionar a equipa adversária e a insultar o árbitro em uníssono, sem ninguém a destoar.

Ora, ironias à parte, é evidente que Luís Filipe Vieira não espera que Fernando Gomes se retrate. O presidente do Benfica pura e simplesmente inventou um argumento tão remendado como um lençol num bordel para não ceder bilhetes ao FC Porto para o próximo clássico. Fica-lhe bem.

Com o estádio cheio de benfiquistas pode, pelo menos durante 90 minutos, alimentar a ilusão de que não só o Benfica já é o maior clube do Mundo, ano e meio antes do prazo, como é o único clube do Mundo.

Por uma hora e meia pode fazer de conta que Salazar não caiu da cadeira, que não houve 25 de Abril, que o Eusébio ainda joga e que Angola ainda é nossa.


Quanto aos portistas, sempre podem dar graças pelo facto dos jogadores do FC Porto não precisarem de bilhete para ir à Luz. Vão lá estar, onze contra onze, no relvado. Nas bancadas, o Benfica vai ganhar de certeza.