sábado, setembro 17, 2005

Adriaanse e os de sempre

Os comentadores que agora partem à descoberta do exibicionismo de Adriaanse fazem-no porque o treinador do FC Porto não parece disposto a abrir-lhes canais privilegiados. Em vez de exultarem com alguém ainda mais sem papas na língua que José Mourinho, reagem mal por se sentirem ameaçados na sua forma de trabalhar os círculos do intimismo e do amiguismo.


A mistificação principiou a ser desenhada: Adriaanse é exibicionista e assim se entende que não tenha qualquer pejo em criticar os seus futebolistas mesmo quando há jornalistas por perto. Trata-se de uma construção que remete para o famigerado espírito de grupo (o mau, é claro) segundo o qual o treinador até pode tratar os seus jogadores abaixo de cão mas somente no balneário porque em público deve patrocinar a imagem de família feliz.

Há jornalistas que adoram o espírito de grupo, ou de balneário, porque acham que o princípio do segredo os favorece no reino das chamadas fontes especiais. Adriaanse, que teve o cuidado de prevenir que não é de cá -- ou seja: que não tem amigos especiais, designadamente na opinião publicada --, vai ter pela frente os mesmos de sempre. Ou seja: aqueles que sempre criticaram dirigentes, técnicos e jogadores do FC Porto por não serem prestimosos em esclarecimentos e que, mesmo correndo o risco da contradição, agora apontam o dedo a Adriaanse pela forma aberta como o treinador holandês se refere a si próprio, aos seus jogadores, aos adversários, exprimindo sem cerimónias os seus pontos de vista. Como não é de cá, Adriaanse tem a vantagem de poder poupar energias ignorando esse género de críticos. Mourinho, que era de cá, gastava os neurónios a manipulá-los e gozava o prazer de o declarar em público.

Os comentadores que agora partem à descoberta do exibicionismo de Adriaanse fazem-no porque o treinador do FC Porto não parece disposto a abrir-lhes canais privilegiados. Em vez de exultarem com alguém ainda mais sem papas na língua que José Mourinho, reagem mal por se sentirem ameaçados na sua forma de trabalhar os círculos do intimismo e do amiguismo. É toda uma vasta área de sombras que lhes foge, tornando muito mais difícil a construção de enredos intriguistas e bombásticos boatos baseados na intermediação de fontes que não dão a cara.

De resto, Adriaanse já conseguiu duas coisas em muito pouco tempo: colocar o FC Porto a jogar um futebol ofensivo como já não se lhe via desde os tempos de Robson e atacar o Portugal dos primos e da má língua. Só por isto já valeu a pena ter vindo.

O resto, como sempre acontece no futebol, serão os resultados a definir. Se forem bons para Adriaanse, os de sempre saberão virar o bico ao prego.

Manuel Tavares in Ojogo