Adriaanse tem razão quando defende a sua filosofia de que quanto mais se atacar mais possibilidades se tem de ganhar. É verdade que, ao contrário do que reza o ditado, nem sempre a sorte sorri aos audazes.Mas, indiscutivelmente,são eles que dignificam o espectáculo e levam público às bancadas.
No espaço de cinco dias vi o FC Porto fazer duas corajosas e convincentes exibições em jogos de risco elevado e terminar ambos com resultado negativo. Das duas vezes, o FC Porto foi a única equipa em campo que, do princípio até ao fim, lutou pela vitória, dominou, rematou, correu riscos, enquanto os adversários viveram entrincheirados lá atrás, esperando escassas oportunidades de contra-ataque e confiando na sorte, que acabou sempre por lhes sorrir. Mesmo eu, que me reconheço um espírito talvez demasiado crítico e exigente para com as prestações do meu clube, não tenho — fora críticas de pormenor — nada a apontar-lhes. No futebol também é preciso sorte e eles nunca a tiveram na frustrante semana passada.
Em Glasgow, a soma de factores de fortuna adversos foi quase impossível de repetir: a lesão de Pedro Emanuel, que teria justificado um cartão vermelho a quem lhe partiu o nariz; à lesão de Sokota, deixando a equipa reduzida a dez quando faltavam quinze minutos, o jogo estava empatado e só o Porto é que tentava ganhá-lo, como, aliás, continuou a tentar mesmo depois disso; o episódio das cabeleireiras de McCarthy, que deixou a frente de ataque confiada ao inofensivo Sokota; a quantidade incrível de situações de golo desperdiçadas frente à baliza do Rangers, em contraste com o aproveitamento do adversário que em duas oportunidades... marcou dois golos, ambos em remates tão felizes que os marcadores nem sequer olharam para a baliza antes de rematarem; enfim, o incrível segundo golo do Rangers, de tal maneira faltoso que não se entende como é que um árbitro da Liga dos Campeões consegue validá-lo. Raras vezes me lembro de assistir a uma derrota tão injusta quanto esta e a sensação de frustração só não foi ainda maior porque a imensa superioridade demonstrada em campo pelo FC Porto (21 remates contra seis, por exemplo!), deixa antever o restabelecimento relativamente tranquilo da hierarquia desportiva no Grupo H da Champions. Mas não deixa de ser impressionante o facto de o FC Porto, que entrou no inferno de Glasgow com uma autoridade e uma personalidade de que apenas ele é capaz em todo o panorama das equipas portuguesas, tenha sido a única que terminou derrotada neste primeiro round europeu.
Em Braga, o FC Porto entrou igual a Glasgow, e acabaria por assinar a exibição mais dominante e pressionante feita por aquelas paragens desde há largos anos. Bem pode Jesualdo Ferreira declarar que ambas as equipas poderiam ter ganho. Não é verdade: apenas poderia ter ganho a única equipa que fez por isso, que criou oportunidades várias, contra absolutamente nenhuma do Sporting de Braga, e que acabou até a jogar com três defesas, dois médios e cinco avançados. Bem pode ele vir com o estafado argumento dos penalties por marcar (num deles teve a concordância do comentador da Sport TV, sempre diligente a ver erros de arbitragem a favor do FC Porto; no outro só mesmo ele é que o inventou). E bem pode ainda queixar-se do cansaço do jogo europeu de 5ª-feira, gasta desculpa de outros tempos e de equipas que não sabem o que é jogar na Europa de Setembro a Maio. Aquilo que ficou à vista de todos, e sem desprimor para o Sporting de Braga, foi a equipa da casa a defender sempre com dez jogadores atrás da linha da bola e sem sequer ser capaz de, de quando em vez, organizar contra-ataques dignos desse nome. O Braga ganhou um ponto, o Porto perdeu dois. Por mais que Jesualdo Ferreira disfarce, só pode estar feliz com o que lhe aconteceu no domingo.
Já o FC Porto, episódios de cabeleireiras e excessos disciplinares à parte, vive uma situação paradoxal: joga claramente um futebol muito acima daquilo que por aqui, e mesmo lá fora, se vai vendo. Ataca desde o apito inicial de qualquer jogo, seja contra a Naval ou o Arsenal, domina territorialmente em todos os aspectos, cria oportunidades em série, remata sem descanso em cada jogo, deixa os adversários de gatas e no fim, ou ganha sofridamente ou nem isso. O que fazer?
Há uma parte da resposta a esta pergunta que não tem solução imediata, só o tempo a pode resolver: a falta de sorte. A sorte não se ensaia nem se treina. Pode aparecer ao minuto 91 do jogo do Benfica contra o Lille ou logo ao minuto 3 do Benfica-Leiria. E pode não aparecer nunca, a não ser ao adversário, como aconteceu aos portistas em Braga e em Glasgow. Mas estou de acordo com Adriaanse: a solução não está em mudar de filosofia de jogo e começar a jogar como os outros, com cautelas e caldos de galinha, renunciando ao futebol de ataque e ficando lá atrás, à espera do golpe de sorte. Quando se ostenta na camisola o símbolo de campeão do Mundo em título há responsabi-lidades acrescidas perante o espectáculo e o nome do clube. Adriaanse tem razão, quando defende a filosofia oposta: quanto mais se atacar mais possibilidades se tem de ganhar. É verdade que, ao contrário do que reza o ditado, nem sempre a sorte sorri aos audazes. Mas, indiscutivelmente, são eles que dignificam o espectáculo e levam público às bancadas. Por isso é que o Dragão enche e a Luz fica sempre a meio.
Agora, não desfazendo na ideia de que este futebol do FC Porto, versão 2005/06 não tem nada que ver com o da época passada e está no bom caminho para satisfazer os adeptos e renovar títulos, a verdade é que há outros males, para além da falta de sorte, que justificam os dissabores. Em primeiro lugar, a gritante inépcia de avançados e médios na hora de chutar à baliza. Em Glasgow, a jogar já com dez e com 2-2 no marcador, Lucho González falhou dois remates frontais em que bastaria ter acertado com a baliza para ganhar o jogo; e em Braga, Diego fez o mesmo, ainda a primeira parte decorria. E estes são apenas dois exemplos entre muitos. Não é aceitável que jogadores de topo, que se supõe passarem a semana a treinar remates à baliza, cheguem aos jogos e pareçam principiantes, borrados de medo de marcar golo, e com deficiências técnicas do próprio remate que não se entendem.
A segunda fraqueza está atrás, na defesa. Primeiro no lado direito, onde está à vista que Sonkaya não irá melhorar aquilo que mostra, e aquilo que mostra é pouco. Depois, no centro da defesa, onde também não existe um único grande central, como o eram Ricardo Carvalho ou Jorge Andrade. E, se um só já é pouco quando se tem ambições europeias, nenhum é quase uma garantia de não se conseguir ir longe. Manifestamente, o FC Porto tem de ir às compras em Dezembro, para o centro da defesa. E nem precisa de ir muito longe: o grande central dos próximos anos do futebol português joga a cem quilómetros de distância, na Académica de Coimbra, e chama-se José Castro.
Se conseguir começar a acertar na baliza e começar a inverter a falta de sorte que o parece perseguir, não tenho dúvida alguma de que este FC Porto, mesmo com dez baixas ocasionais ou dispensáveis conflitos disciplinares, chega e sobra para um ano de vitórias a nível interno. Não se trata de sobranceria, mas da mesma análise, necessariamente pessoal, que, no ano passado me levou a reconhecer ao longo de toda a época que o melhor futebol era o do Sporting. Este ano, parece-me que é o do Porto, mas com uma vantagem sobre o Sporting do ano passado e deste: é mais consistente, mais contínuo e mais forte. Mas se o FC Porto quiser passar ainda além da Taprobana, vai precisar de mais qualquer coisa, aquilo que a sua natural vocação de ataque contínuo faz disfarçar, internamente: uma defesa que dê confiança e permita que jogos da Liga dos Campeões em que o ataque consegue marcar dois golos fora terminem obrigatoriamente com uma vitória.
Em Glasgow, a soma de factores de fortuna adversos foi quase impossível de repetir: a lesão de Pedro Emanuel, que teria justificado um cartão vermelho a quem lhe partiu o nariz; à lesão de Sokota, deixando a equipa reduzida a dez quando faltavam quinze minutos, o jogo estava empatado e só o Porto é que tentava ganhá-lo, como, aliás, continuou a tentar mesmo depois disso; o episódio das cabeleireiras de McCarthy, que deixou a frente de ataque confiada ao inofensivo Sokota; a quantidade incrível de situações de golo desperdiçadas frente à baliza do Rangers, em contraste com o aproveitamento do adversário que em duas oportunidades... marcou dois golos, ambos em remates tão felizes que os marcadores nem sequer olharam para a baliza antes de rematarem; enfim, o incrível segundo golo do Rangers, de tal maneira faltoso que não se entende como é que um árbitro da Liga dos Campeões consegue validá-lo. Raras vezes me lembro de assistir a uma derrota tão injusta quanto esta e a sensação de frustração só não foi ainda maior porque a imensa superioridade demonstrada em campo pelo FC Porto (21 remates contra seis, por exemplo!), deixa antever o restabelecimento relativamente tranquilo da hierarquia desportiva no Grupo H da Champions. Mas não deixa de ser impressionante o facto de o FC Porto, que entrou no inferno de Glasgow com uma autoridade e uma personalidade de que apenas ele é capaz em todo o panorama das equipas portuguesas, tenha sido a única que terminou derrotada neste primeiro round europeu.
Em Braga, o FC Porto entrou igual a Glasgow, e acabaria por assinar a exibição mais dominante e pressionante feita por aquelas paragens desde há largos anos. Bem pode Jesualdo Ferreira declarar que ambas as equipas poderiam ter ganho. Não é verdade: apenas poderia ter ganho a única equipa que fez por isso, que criou oportunidades várias, contra absolutamente nenhuma do Sporting de Braga, e que acabou até a jogar com três defesas, dois médios e cinco avançados. Bem pode ele vir com o estafado argumento dos penalties por marcar (num deles teve a concordância do comentador da Sport TV, sempre diligente a ver erros de arbitragem a favor do FC Porto; no outro só mesmo ele é que o inventou). E bem pode ainda queixar-se do cansaço do jogo europeu de 5ª-feira, gasta desculpa de outros tempos e de equipas que não sabem o que é jogar na Europa de Setembro a Maio. Aquilo que ficou à vista de todos, e sem desprimor para o Sporting de Braga, foi a equipa da casa a defender sempre com dez jogadores atrás da linha da bola e sem sequer ser capaz de, de quando em vez, organizar contra-ataques dignos desse nome. O Braga ganhou um ponto, o Porto perdeu dois. Por mais que Jesualdo Ferreira disfarce, só pode estar feliz com o que lhe aconteceu no domingo.
Já o FC Porto, episódios de cabeleireiras e excessos disciplinares à parte, vive uma situação paradoxal: joga claramente um futebol muito acima daquilo que por aqui, e mesmo lá fora, se vai vendo. Ataca desde o apito inicial de qualquer jogo, seja contra a Naval ou o Arsenal, domina territorialmente em todos os aspectos, cria oportunidades em série, remata sem descanso em cada jogo, deixa os adversários de gatas e no fim, ou ganha sofridamente ou nem isso. O que fazer?
Há uma parte da resposta a esta pergunta que não tem solução imediata, só o tempo a pode resolver: a falta de sorte. A sorte não se ensaia nem se treina. Pode aparecer ao minuto 91 do jogo do Benfica contra o Lille ou logo ao minuto 3 do Benfica-Leiria. E pode não aparecer nunca, a não ser ao adversário, como aconteceu aos portistas em Braga e em Glasgow. Mas estou de acordo com Adriaanse: a solução não está em mudar de filosofia de jogo e começar a jogar como os outros, com cautelas e caldos de galinha, renunciando ao futebol de ataque e ficando lá atrás, à espera do golpe de sorte. Quando se ostenta na camisola o símbolo de campeão do Mundo em título há responsabi-lidades acrescidas perante o espectáculo e o nome do clube. Adriaanse tem razão, quando defende a filosofia oposta: quanto mais se atacar mais possibilidades se tem de ganhar. É verdade que, ao contrário do que reza o ditado, nem sempre a sorte sorri aos audazes. Mas, indiscutivelmente, são eles que dignificam o espectáculo e levam público às bancadas. Por isso é que o Dragão enche e a Luz fica sempre a meio.
Agora, não desfazendo na ideia de que este futebol do FC Porto, versão 2005/06 não tem nada que ver com o da época passada e está no bom caminho para satisfazer os adeptos e renovar títulos, a verdade é que há outros males, para além da falta de sorte, que justificam os dissabores. Em primeiro lugar, a gritante inépcia de avançados e médios na hora de chutar à baliza. Em Glasgow, a jogar já com dez e com 2-2 no marcador, Lucho González falhou dois remates frontais em que bastaria ter acertado com a baliza para ganhar o jogo; e em Braga, Diego fez o mesmo, ainda a primeira parte decorria. E estes são apenas dois exemplos entre muitos. Não é aceitável que jogadores de topo, que se supõe passarem a semana a treinar remates à baliza, cheguem aos jogos e pareçam principiantes, borrados de medo de marcar golo, e com deficiências técnicas do próprio remate que não se entendem.
A segunda fraqueza está atrás, na defesa. Primeiro no lado direito, onde está à vista que Sonkaya não irá melhorar aquilo que mostra, e aquilo que mostra é pouco. Depois, no centro da defesa, onde também não existe um único grande central, como o eram Ricardo Carvalho ou Jorge Andrade. E, se um só já é pouco quando se tem ambições europeias, nenhum é quase uma garantia de não se conseguir ir longe. Manifestamente, o FC Porto tem de ir às compras em Dezembro, para o centro da defesa. E nem precisa de ir muito longe: o grande central dos próximos anos do futebol português joga a cem quilómetros de distância, na Académica de Coimbra, e chama-se José Castro.
Se conseguir começar a acertar na baliza e começar a inverter a falta de sorte que o parece perseguir, não tenho dúvida alguma de que este FC Porto, mesmo com dez baixas ocasionais ou dispensáveis conflitos disciplinares, chega e sobra para um ano de vitórias a nível interno. Não se trata de sobranceria, mas da mesma análise, necessariamente pessoal, que, no ano passado me levou a reconhecer ao longo de toda a época que o melhor futebol era o do Sporting. Este ano, parece-me que é o do Porto, mas com uma vantagem sobre o Sporting do ano passado e deste: é mais consistente, mais contínuo e mais forte. Mas se o FC Porto quiser passar ainda além da Taprobana, vai precisar de mais qualquer coisa, aquilo que a sua natural vocação de ataque contínuo faz disfarçar, internamente: uma defesa que dê confiança e permita que jogos da Liga dos Campeões em que o ataque consegue marcar dois golos fora terminem obrigatoriamente com uma vitória.