Afinal, pelo menos em grande parte, Jorge Nuno Pinto da Costa e Valentim Loureiro viram ser arquivadas pelo Ministério Público as acusações que, no âmbito do Apito Dourado, sobre eles pendiam. O que deve ter posto muita gente de luto, com certeza...
DIAP diz que o Estrela é que foi favorecido
O Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto (DIAP) concluiu que não houve qualquer tipo de crime que envolvesse Pinto da Costa e os restantes arguidos, no caso despoletado por uma conversa telefónica entre o presidente portista e o empresário António Araújo, que alegadamente se destinava a combinar o favorecimento do FC Porto por parte do árbitro Jacinto Paixão e dos assistentes José Chilrito e Manuel Quadrado - isto porque no jogo em causa não foi descortinada qualquer irregularidade. Segundo António Pragal Colaço, advogado do árbitro, "os peritos policiais chegaram à conclusão de que o jogo foi bem dirigido e que, a haver um favorecido, seria o Estrela da Amadora e não o FC Porto". De facto, rezam as crónicas da partida, houve uma série de foras-de-jogo mal assinalados, mas quase sempre em prejuízo dos dragões. O tribunal D'O JOGO foi da mesma opinião.
Manuel Tavares no OJogo:
Arquivado
O processo da fruta foi arquivado e com ele a grande dúvida: precisava o FC Porto de Mourinho, campeão europeu, dos favores de arbitragem para vencer uma equipa do fundo da tabela como o Estrela da Amadora?
O arquivamento do processo em que Jacinto Paixão e Pinto da Costa, entre outros, eram acusados de corrupção, tem dois efeitos: mostra que a justiça ainda não se consuma no tribunal mediático e que José Mourinho ainda é especial.
Quando ficámos a conhecer que um dos volumes mais apetitosos do chamado "Apito Dourado" punha em causa a verdade desportiva de uma vitória caseira do FC Porto de Mourinho sobre o Estrela da Amadora e que o argumento central passava pela compra dos prazeres da carne de um grupo de meninas postas ao dispor do árbitro dessa partida, a primeira reacção cá na casa foi reler o Tribunal de O JOGO. O que nos deu, desde logo, a medida da falta de conexão entre a chamada "fruta", que teria sido fornecida a Jacinto Paixão, e o resultado dessa partida. De facto, os nossos juízes-analistas tinham detectado erros de arbitragem mas não de molde a terem influenciado decisivamente o resultado.
Foi essa ausência de nexo que estava à vista de quem quisesse ver que acabou por servir de base ao arquivamento do processo mais mediático de quantos resultaram da operação "Apito Dourado".
Das investigações ao arquivamento há porém uma longa história em que a acusação colocou em xeque muitas pessoas que saberão agora como reagir. Mas qualquer que venha a ser a reacção dos agora ilibados, o mais importante é que finalmente fica respondida a grande dúvida que este processo da "fruta" levantou: precisava o FC Porto de Mourinho, campeão europeu, dos favores de arbitragem para vencer uma equipa do fundo da tabela como o Estrela da Amadora?
E esta não era uma questão menor. Porque pode não se gostar de Pinto da Costa, o que não se pode é negar que os títulos conquistados pelo FC Porto resultaram de mais trabalho e trabalho mais competente.
Deste ponto de vista, o arquivamento também é uma boa notícia para o futebol português.
As razões do arquivamento
O arquivamento de parte do processo vulgarmente conhecido como "Apito Dourado" relativo ao jogo entre o FC Porto eo Estrela da Amadora, de 24 de Janeiro de 2004, foi um triunfo pessoal de Pinto da Costa, mas também de Adelino Caldeira, dirigente do FC Porto, membro do departamento jurídico do clube e responsável pela organização do processo, de cujo despacho de arquivamento O JOGO publica as partes mais relevantes
Os factos apurados, em síntese, são os seguintes:
No dia do jogo, às 12 horas, 58 minutos e 27 segundos, o árbitro Jacinto Paixão telefonou para o empresário de futebol António Araújo e terão conversado (possivelmente na sequência de outras conversas) acerca da diversão projectada para a próxima noite e que passava pelos "serviços" de três prostitutas (...).
E isto porque em conversa telefónica (escutada e transcrita) iniciada imediatamente a seguir por António Araújo, às 13 horas, 0 minutos e 43 segundos, estabelecida com o arguido Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do FC Porto, António Araújo informa-o que tinham pedido "fruta para logo à noite", "fruta de dormir". (...)
Foi ainda possível apurar que terminada a partida, a equipa de arbitragem foi jantar a uma marisqueira em Matosinhos. A refeição ter-se-á prolongado até depois da meia-noite.
No mesmo restaurante também jantou a equipa de arbitragem do jogo Taipas-FC Porto B (realizado a 25-01-2004). Esta equipa de arbitragem da 2ª categoria (liderada pelo árbitro Paulo Silva, da Associação de Futebol do Algarve) estava acompanhada de António Garrido, assessor de árbitros da FPF.
Ouvidos os árbitros assistentes, Vítor Andrade e Filipe Pereira referiram que foram assistir ao FC Porto-Estrela da Amadora, juntamente com o árbitro Paulo Silva. Terminado o jogo, dirigiram-se para um restaurante em Matosinhos, na companhia do assessor António Garrido e da sua esposa, onde jantaram. Durante esse jantar, apareceu o dirigente Reinaldo Teles, que os cumprimentou. Segundo as declarações destes árbitros, Reinaldo Teles estaria a jantar com o trio de arbitragem do jogo FC Porto-Estrela da Amadora. Afirmaram ainda ter visto o arguido Jorge Nuno Pinto da Costa junto à mesa onde estava a jantar Reinaldo Teles e a equipa de arbitragem liderada por Jacinto Paixão.
Encontra-se apreendido um documento relativo a movimentos/pagamentos com o cartão visa distribuído pelo FC Porto a Jorge Nuno Pinto da Costa. No dia 25/01/2004 encontra-se registada uma despesa no valor de apenas 56, 95 euros, no restaurante A Marisqueira de Matosinhos.
(...) Por indicação de Cláudia Gomes, cerca da meia-noite, na boite "Golden" o António Araújo abordou três raparigas que aceitaram ir a uma "festa de amigos".
(...) O António Araújo e as três raparigas acabaram por esperar cerca de uma hora pela chegada de Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado. Durante esse espaço de tempo o António Araújo pagou a cada uma das raparigas a quantia de 150 euros.
(...) Os três elementos da equipa de arbitragem (Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado) dispuseram-se a prestar declarações nos respectivos interrogatórios judiciais. No âmbito dessas diligências, assumiram determinados factos de entre os que lhe vinham imputados e negaram peremptoriamente outros.
Reconheceram ter estado com prostitutas a seguir ao jogo do FC Porto com o Estrela da Amadora, refutando ao invés todos os factos relacionados com a prática de concretos actos de favorecimento do FC Porto a pedido do seu presidente Pinto da Costa e ainda contrapartidas recebidas e/ou a receber, incapazes de relacionar os serviços sexuais prestados por prostitutas e eventuais favorecimentos ao FC Porto no decorrer do jogo.
O arguido António Araújo ouvido em interrogatório judicial, declarou ser sócio do FC porto e ter negócios de jogadores com este clube. Mais declarou que foi a pedido do árbitro Luís Lameira para arranjar aquelas companhias aos árbitros arguidos. Nega a participação em actos de favor de arbitragem ao FC Porto.
Luís Lameira confirmou ter sido ele quem sugeriu/ofereceu a Jacinto Paixão os "bons serviços" de António Araújo (com vista a arranjar três raparigas), dentro da amizade que existe entre si e o empresário António Araújo.
Quanto ao arguido Jorge Nuno Pinto da Costa pode dizer-se que as suas declarações foram no sentido de apresentar outro contexto para a conversa telefónica que manteve com António Araújo. As siglas JP são as iniciais de Joaquim Pinheiro, um amigo de Araújo que ia ter consigo ao estádio nesse dia para ver o jogo e para quem julgou ser a companhia feminina. A expressão "fruta" é utilizada pelo Araújo quando fala de dinheiro e entendeu inicialmente que insistia (uma vez mais) pelo pagamento de transferências de jogadores que o FC Porto lhe devia. A prestação da equipa de arbitragem no jogo merece-lhe críticas por entender que o FC Porto foi prejudicado.
Na sequência de visionamento de uma gravação do jogo FC Porto-Estrela da Amadora, fez-se constar dos autos que a equipa de arbitragem cometeu vários erros, fundamentalmente em benefício do FCP, mas a tal "perícia" sobrepõe-se obviamente aquela que consta do Relatório de Peritagem dos conceituados ex-árbitros Vítor Manuel Melo Pereira, Jorge Emanuel Monteiro Coroado e Adelino Freitas Antunes, a saber:
Primeira parte
1. O jogador nº 8 do Porto entra em tackle frontal sobre o seu adversário nº 4. O jogador devia ter sido punido com advertência por "entrada perigosa pondo em risco a integridade física de um adversário" e a sua equipa punida com um pontapé livre directo.
2. Bola lançada em profundidade para o jogador nº 18 do Amadora, que corre na direcção da baliza do Porto, em ataque que se afigura prometedor. Ao passar por um jogador do Porto, cai, ficando a dúvida se foi ou não tocado pelo adversário. Já a repetição do lance, registo de cassete 00.19.09.17, as dúvidas foram dissipadas, pois apercebe-se que o jogador do Porto utiliza a perna esquerda para tocar o adversário. Falta enquadrada na Lei 12, sendo punida com um pontapé livre directo e consequente advertência por "comportamento antidesportivo", ao ter cortado em falta "um ataque prometedor da equipa adversária".
3. Decisão correcta ao considerar que a falta praticada por um jogador do Amadora foi fora da sua área de grande penalidade. Faltou a exibição do cartão amarelo a Jordão por ter agarrado ostensivamente a camisola do adversário "cortando um ataque prometedor". Na marcação do livre directo, o jogador do Amadora adianta-se antes de a bola ter sido posta em jogo e intercepta-a. O árbitro deveria ter interrompido o jogo, ter advertido o jogador de acordo com a Lei 12, sanções disciplinares, faltas passíveis de advertência: árbitro no mesmo lance cometeu dois erros, um de índole técnica e outro disciplinar.
Segunda parte
4. o jogador nº 26 do Amadora agarrou ostensivamente um adversário pelo pescoço. O árbitro (e bem!) puniu a equipa do infractor com pontapé livre directo. Faltou advertir (com cartão amarelo) o nº 26 do Amadora por "comportamento antidesportivo".
5. O árbitro assistente nº 1 assinala erradamente fora-de-jogo ao jogador nº 77 do Porto.
Mais tarde, ouvidos em declarações, os senhores peritos admitem, depois de revisionar o jogo, que ao minuto 14 o jogador Paulo Ferreira, do FC Porto, terá feito falta sobre Semedo.
(...) Os ofertados momentos de convívio íntimo não podem nem se conseguem relacionar com a actuação do árbitro e árbitros auxiliares no jogo FC Porto-Estrela da Amadora. Estamos em crer que os árbitros arguidos queriam apenas que António Araújo, conhecido nos meandros do futebol pelas animadas noitadas, lhes arranjasse companhia. Em momento algum se conclui que tenham mercadejado a sua função de árbitro ou que tal lhes foi solicitado por António Araújo ou pelo FC Porto.
Não se estabelece, assim, o necessário nexo de causalidade entre os proporcionados momentos de prazer ao trio de arbitragem, cujo pagamento é feito por António Araújo (e não se prova que qualquer dirigente do FC Porto tenha solicitado favores), e qualquer contrapartida de desvirtuamento da verdade desportiva, antes, durante ou depois da data do jogo.
(...) Quanto ao possível pagamento de um jantar à equipa de arbitragem do FC Porto-Estrela da Amadora, depois de disputado o jogo, inexistem provas testemunhais e/ou documentais quanto à identidade do ofertante ou ofertantes, para além da mera dedução, sendo facto que essa situação não nos merece outros comentários para além do que já dissemos a propósito do grau de certeza e segurança das provas que julgamos necessárias à propalação de acusação.
Processo do relógio também foi arquivado
A oferta de um relógio a Valentim Loureiro, de uma edição que assinalava os cem anos do FC Porto, esteve na base de outro processo levantado a Pinto da Costa e que foi também arquivado. O tal relógio tinha um valor estimado em 150 euros, tendo-se levantado a suspeita de que essa oferta estaria relacionada com uma alegada intromissão do presidente da Liga no andamento de um processo que decorria na Comissão Disciplinar e que tinha Deco como protagonista. Na altura, a notícia foi avançada pelo jornal "Expresso" e mereceu um comentário pronto de Pinto da Costa, curiosamente no mesmo dia em que uma conhecida marca suíça lhe oferecia publicamente um relógio. "Sou apreciador de relógios, mas espero que esta oferta não seja corrupção. Li no Expresso que dei um relógio de 30 contos a um amigo e que isso significa corrupção. Também dei um relógio a Durão Barroso e só espero que o primeiro-ministro não venha a ser incomodado". O Ministério Público encerrou o assunto.