O milagre segundo Scolari
1- De repente, um sobressalto colectivo parece ter atravessado a nação futebolística. Consumada mais uma derrota e uma decepção da Selecção de Scolari, uma quantidade de gente, até aqui calada, ousou enfim levantar as suas dúvidas em voz alta: será Luiz Felipe Scolari capaz de nos levar a uma prestação pelo menos honrosa no Europeu?
Tenho a vantagem – e o correspondente risco, se os resultados forem bons – de ter duvidado de Scolari desde quase o início e de ainda na passada terça-feira, véspera do jogo com a Itália, ter repetido as razões par tal. Como os leitores atentos recordarão, penso que fui o primeiro, ou dos primeiros, nas páginas deste jornal, a defender a contratação de um treinador estrangeiro, na ressaca da vergonha asiática. Disso não me arrependo. Pareceu-me, e continua aparecer-me, que só alguém longe das tricas clubísticas da pátria portuguesa , e que não tivesse de prestar vassalagem à geração de Riade e outros poderes fácticos do nosso futebol, estaria em condições de começar tudo ou quase tudo de novo e, com dois anos de trabalho pela frente, apresentar no Euro-2004 uma Selecção nova de nomes e de mentalidades, salvaguardando do passado aqueles e aquilo que se justificava manter. Mas acontece que o Luiz Felipe Scolari, contra todo o bom senso e toda a expectativa, resolveu começar exactamente por onde não devia, embrenhamdo-se, e tornando-se parte, nas guerras fraticídas do futebol português ao decidir – certamente aconselhado por alguém com dor de cotovelo – abrir logo de início uma guerra, totalmente não provocada e incompreensível, com o FC Porto. Arrajem as justificações que quiserem mas é uma vergonha que em ano e meio de trabalho o seleccionador ainda não tenha ido ao Porto assistir pessoalmente a um jogo que fosse daquela que é, desculpem lá, a melhor equipa portuguesa do momento.
Tendo decidido começar assim a sua empreitada, Scolari tornou-se-me logo alguém que, a meu ver, deu provas de fraqueza disfarçada de força, falta de capacidade de isenção e falta de personalidade. Antes de ter qualquer resultado para apresentar, puxou dos galões de campeão do Mundo e tratou logo de comprar uma guerra pelo protagonismo e pelo mando – que, aliás,ninguém lhe disputava. Depois vieram os jogos, os resultados e as exibições. O tempo foi passando, os desastres sucedendo-se e,de jogo para jogo, fui constatando, primeiro, que Scolari já tinha decidido ao fim de 15 dias que irá jogar no Europeu daí a dois anos e, depois, que nada de essencial mudava para melhor no jogo da Selecção. Ao fim de 15 jogos nem sequer existem preparadas à vista aquelas jogadas de bola parada e outras que qualquer treinador de equipa de terceira divisão tem mais que ensaiadas. Na Selecção portuguesa vive-se, como há muito, à espera e dependente de um golpe de génio do Figo, de um rasgo de inspiração de Pauleta ou da ressureição do Rui Costa. É pouco, é nada, é pior que antes. Bem pior que a fase de transição de Agostinho Oliveira.
Julgo que será preciso recuar aos anos 30 ou 40 para encontrar pior registo de resultados de um seleccionador português. A Selecção de Scolari, se disputasse a nossa Superliga, estaria certamente ne segunda metade da tabela: há sete ou oito equipas em Portugal que jogam melhor futebol que aquilo que o Portugal de Scolari mostou até agora. E se, em seis jogos disputados contra selecções que vão estar no Europeu, dos quais quatro intramuros, Scolari não conseguiu vencer um único, tendo empatado três e perdido outros tantos, temos de agradecer ao destino estarmos previamente qualificados como país organizador, de outro modo não constaríamos da lista de finalistas.
O que fazer? Pois, esperar pelo milagre anunciado por Scolari: os 25 dias antes do campeonato, em que ele vai ter a equipa em exclusivo à sua disposição e, por um golpe de magia que só ele sabe, vai transformar aqule grupo de jogadores à deriva em campo num fortíssimo candidato a campeão europeu. Que chegaremos aos quartos-de-final não duvido, porque com os valores comerciais em disputa seguramente, como é tradição, a UEFA se encarregará de pôr a sua mãozinha protectora, em necessidade havendo, ao serviço do país organizador. Daí para a frente é que o cidadão Luiz Felipe Scolari vai ter de mostrar que mereceu os ordenados, que se dizem milionários, que vem recebendo na expectativa desse tal milagre.
Mas se assim é, se tudo se decide nesses tais 25 dias milagrosos,se, ainda por cima, o seleccionador diz e repete que tantoi lhe faz perder como ganhar nos amigáveis, e se nenhumas mudanças, progressos ou esquemas de jogo adquiridos se vêem de um para outro amigável, para quê fazê-los? Para cansar os jogadores, para prejudicar os clubes, para afastar os portugueses da sua Selecção, para nos fazer perder o prestígio? Não seria melhor poupar-nos a estes tristes espectáculos e guardar-se para esse estágio de redenção e renascimento ?
2- Em contrapartida, um frémito de alegria percorreu três quartos da nação futebolística,sábado à noite, quando finalmente o FC Porto caiu, às mãos do Gil Vicente. Luís Campos – que, não tenho dúvida, será um dia, juntamente com outros novos, como Vítor Ponte ou Carlos Brito, um candidato à sucessão de José Mourinho – tem todo o direito de estar feliz mas não parece, sinceramente, que possa exagerar os méritos próprios da sua equipa no triunfo sobre o Porto. Dificilmente o Gil Vicente voltará a ter um jogo em que, tendo sido tão massacrado, acabe por ganhar no espaço de três minutos. É verdade que Baía deveria ter sido expulso aos 15 minutos, quando saiu da baliza e por instinto defendeu com a mão fora da área ( não foi expulso porque o árbitro, ao contrário de nós na televisão, não dispunha da repetição da jogada em slow motion para só então perceber que tinha sido a mão esquerda de Baía a cortar a viagem da bola). Mas até aí já o Porto poderia e merecia estar a ganhar por três ou quatro, não fosse a sorte estar do lado do Gil e no lugar do McCarthy estar o Jankauskas, o mais fraco jogador de todo o plantel do Porto e, juntamente com Silva, do Sporting, o mais inofensivo ponta-de-lança do campeonato. E 15 minutos depois do golpe de Baía, por idênticas razões, também o guarda-redes do Gil deveria ter visto o vermelho. Mas manda a verdade que se diga que José Mourinho, por uma vez, quis igualmente ajudar à festa, cometendo erros que só demonstram que ninguém é perfeito. As três substituições de uma assentada, a saída, já habitual, do Carlos Alberto ( será para refrear o deslumbramento do miúdo, para deixar os adeptos com água na boca? ) e , ironicamente, aquele episódio do bilhetinho, que ele agora inventou e que se tornaria ridiculamente fatal, quando Nuno Valente, acabado de entrar, em vez de ir logo ocupar o seu flanco, por onde o Gil Vicente desencadeava o ataque que resultaria no primeiro golo, ficou preocupado em ir à procura do Deco, qual estafeta da DHL, e entregar-lhe o bilhetinho fatal. A imagem do Deco a ler o bilhetinho ( já desactualizado por força das circunstâncias) , no momento em que a bola vai ao centro depois do golo do Gil e os jogadores do Porto estão de crista caída, é das tais que valem por mil palavras. Enfim, era bom acabar o campeonato sem derrotas mas...fica para o ano!
Entretanto, o que é preciso é que amanhã, em Lyon, o FC Porto não deixe fugir a oportunidade de ouro de o futebol português cometer a impensável proeza de ter uma sua equipa entre as quatro melhores do ano na Europa.
3- Continuam as investigações sobre o sistema. As atenções estão agora viradas para o árbitro que esteve em Braga, no teatro dos sonhos, domingo passado.
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Há 16 horas