sexta-feira, janeiro 16, 2009

PINTO DA COSTA E O JORGE NUNO :-)




JORGE NUNO PINTO DA COSTA


Jorge Nuno Pinto da Costa nasceu no Porto, há setenta anos, no seio de uma família burguesa e abastada, o que lhe permitiu crescer num ambiente de privilégio e esmerada educação, frequentando os melhores colégios da época, tendo sido colega e amigo de algumas das mais ilustres figuras portuenses. 0 seu percurso de vida nunca deixou de estar ligado à cultura através dos seus antepassados, especialmente a sua avó, com quem bebeu a maior parte da sua apetência pela arte. Não obstante, foi também desde criança que foi habituado a conviver com crianças e gente de todas as camadas sociais e a valorizar o dinheiro e o humanismo que cultiva ainda hoje. Apesar de tudo, nunca foi o estereótipo do "menino rico" do Porto e muito embora pudesse ter seguido uma carreira académica igual à de tantos colegas de carteira, optou por fazer na vida aquilo de que gostava e ser feliz enquanto igual a si próprio.Hoje, é uma incontestável "figura" da cidade do Porto, estatuto que conquistou depois de vinte e sete anos à frente dos destinos do Futebol Clube do Porto, clube que encontrou na penúria e que guindou ao patamar dos melhores de Portugal e do mundo. É conhecido do grande público pela forma bairrista e às vezes polémica com que defende o Norte, o Porto e o FCP, sem papas na língua e com um sarcasmo e humor tantas vezes demolidor e cortante, que lhe valem muitos amigos e outros tantos inimigos. Mas por detrás de gestor e presidente Pinto da Costa, de resposta corrosiva e imediatista, há um outro homem. Jorge Nuno, como se de outra personalidade se tratasse, e que poucos conhecem. Foi esse homem que quisemos conhecer - o cidadão sensível, que se apaixona por animais felizes e desobedientes como os seus, com a mesma naturalidade com que frequenta a ópera ou declama, poesia. O mesmo homem que muito embora seja abstémio, admite ser o melhor dos garfos, com um sorriso malandro entre sílabas, ao mesmo tempo que exalta a literatura portuguesa que lê preferencialmente, com um fraqumho especial por José Saramago. apesar de achar que "é chique não gostar do Prémio Nobel português." Apesar dos percalços e das partidas que a vida de dirigente e até pessoal lhe tem reservado nos últimos anos, fomos encontrar uma figura pública sem amarras, de palavra fácil e livre, mas sobretudo portador de uma grande alegria de viver aliada a uma enorme serenidade.

Tribuna Douro (TD) - De tudo o que ouvi e li para preparar esta entrevisia, a cidade do Porto é recorrente no seu discurso, mas o Douro» aquele Douro telúrico e vinhateira, Património Mundial, não tem qualquer referência sua. O que é que conhece e o que é que lhe diz o Alto Douro, onde nascem as uvas com que se faz vinho que o Porto adoptou como seu?
Jorge Nuno Pinto da Costa (JNPC) -Conheço bem e até costumo brincar com os meus amigos quando se diz que temos que defender o que é nosso. Eu costumo dizer que o rio Douro é nosso até porque vai desaguar no Porto e eu costumo perguntar na brincadeira onde é que nasceu o rio Douro, e raramente alguém sabe que é na serra de Urbion, portanto o rio Douro fascina-me desde a serra de Urbion até à Foz. Protagoniza um percurso que é do que de mais bonito existe em Portugal e no mundo. Ainda agora vinha a conversar no carro que infelizmente as estrangeiros dão mais apreço a cita região, até em termos turísticos, que os portugueses.

TD-Mas concorda que esta é uma região especial do pais?
JNPC - Eu acho que é uma. região ímpar no país, que é diferente.

TD - Já que estamos a falar de regiões ímpares do país, o senhor Pinto da Casta ainda é a favor da regionalização?
JNPC-Claro.

TD - Qual regionalização?
JNPC - Aquela das cinco regiões e não aquele gato que nos quiseram dar por lebre.

TD - Teve uma infância e juventude que foram confessadamente felizes. Vamos pegar no título da sua última biografia. - "O portador de alegrias". É um portador de alegrias apenas enquanto presidente do FCP, ou também como homem e cidadão, pessoalmente?
JNPC - Eu não serei a pessoa indicada para lhe responder a isso. Eu devo dizer que esse livro, esteja bem ou esteja mal eu não tenho mérito nenhum porque foi uma ideia que surgiu do editor. DR. Paradela de Abreu, que também editou um livro, esse sim escrito por mim. que foi o "Largos dias tem cem anos", de uma ideia que ele teve a que deu corpo com o Jorge Rodrigues, que eu nem sequer conhecia e com quem tive apenas uma conversa, e o Jorge Rodrigues aceitou o desafio, ele nem é do Porto, pelo menos vive em Lisboa, e veio ao Porto e falou com várias pessoas e achou que deveria ser muito interessante na medida em que as pessoas quando falavam em mim lhe contavam muitas histórias, e então entusiasmou-se e fez, mas eu não tive nada a ver com o livro. Depois explicou-me que o título foi o Artur Jorge que quando lhe pediu para me definir lhe disse que eu era um portador de alegrias porque as pessoas comigo se sentiam bem e que eu proporcionava felicidade às pessoas, não só no futebol.

TD - Um seu amigo de infância chama-lhe "um sentimentalão'. Primeiro o coração ou a razão?
JNPC - Eu acho que primeiro deve ser a razão mas muitas vezes primeiro é o coração. Em tudo na vida, até no futebol. Eu às vezes costumo dizer, ou dizia, que um dia gostava de ser presidente de um conselho de administração de um clube para ser gerido só com a razão, e tenho a convicção de que seria uma sociedade altamente rentável.

TD - Mas tenha a certeza que foi mais o coração que o levou a estar há mais de um quarto de século no Futebol Clube do Porto.
JNPC-Sim, claro. A razão já muitas vezes me disse que não devia estar.

TD - É uma pessoa que se emociona facilmente. Sr. Pinto da Costa?
JNPC - Não facilmente, mas emociono-me.

TD - É capaz de ir às lágrimas, se for caso disso, como uma grande vitória do FCP?
JNPC - Não, não me recordo. Sentir-me mal uma vez ou duas, confesso que sim, agora não é fácil isso acontecer.

TD-É nascido e criado numa família burguesa e abastada do Porto, contudo é desde pequeno habituado a lidar e conviver sem reservas com todas as classes sociais independentemente da sua condição. Acha que isso poderá ter contribuído para a facilidade com que cria um discurso público atractivo pata as classes sociais de portuenses e portistas de mais rudimentar condição cultural?
JNPC-Julgo que não terá tido influencia. Como já disse nós éramos seis irmãos não nos faltava nada, mas recordo-me que desde criança iam brincar connosco para o jardim da nossa casa, crianças pobres ou filhos de empregados. Havia perto de nós uma ilha, ali em Cedofeita, e havia miúdos de lá que conhecíamos de nós irmos a casa deles levar coisas e que brincavam connosco, e fomos criados, felizmente, a não ver as pessoas pelas suas possibilidades, mas que somos todos iguais e recordo-me que por mais que uma vez, ao sábado, íamos lanchar com a nossa avó e se estivessem um miúdo ou dois à porta das confeitarias não mandava entregar um bolo, mas sentava-os à mesa para lanchar connosco, portanto acho que isso foi importante tanto para mim como para os meus irmãos compreendermos que uns nascem em berços melhores e outros piores, mas todos temos o direito de conviver uns com os outros e de usufruir de um mínimo ou de distribuir pelos outros aquilo que possamos ter.

Desafiamos o presidente do FCP a escolher o seu "onze de ouro". Excluindo os actuais profissionais no activo do FCP, para não ferir susceptibilidades, Pinto da Costa foi rápido e não leve dúvidas:

Vitor Baía
João Pinto, Jorge Costa
Aloísio, Branco
Madjer, André; Deco, Futre
Fernando Gomes, Jardel

Treinador: Bobby Robson


TD - Já ouvi uma expressão a seu respeito de um cidadão que dizia: "Este sim é dos nossos, este é que a gente entende..." e é por aí que vai a minha pergunta.
JNPC – Sabe, eu quando falo não estou preocupado para quem falo. Falo sempre de improviso, falo aquilo que sinto de momento, com naturalidade e nunca preparei nada.

TD - Sim, mas concordará que o seu discurso e até a postura com que fala do FCP ou em defesa deste "seu amor", seja numa entrevista televisiva, num jornal, num discurso ligado ao futebol, nada tem a ver com a personalidade de um homem que teve uma educação esmerada, sensível, de cultura multífacetada, enfim... Há um só Pinto da Costa, ou, há também um Jorge Nuno que reflecte uma outra personalidade. Mais direitamente, assume que há em si uma dupla personalidade que se divide entre o dirigente do FCP e o homem que frequenta a ópera e lê poesia?
JNPC-Eu não diria que há uma dupla personalidade. O Carlos Magno diz que há duas pessoas - o Pinto da Costa e o Jorge Nuno, mas eu acho que não, que há uma pessoa só. Agora, é evidente que se eu estiver com gente humilde, por vezes pouco instruída, e lhe for falar no José Régio ou no António Nobre, dizem que eu estou maluco ou que estou a gozar com eles, por isso temos que nos saber adaptar a com quem estamos. Se eu estiver a conviver com pessoas ignorantes ou quase eu tenho que descer a elas para que elas se sintam bem comigo.

TD - Mas quando está. por exemplo, a responder directamente a jornalistas sabendo que está a ser ouvido e visto por milhões de pessoas, aquela sua intuiçáo para responder de uma forma mais ou menos imediatista, às vezes recorrendo a metáforas...
JNPC - Agora surgiu uma coisa interessante porque na realidade eu quando vou à televisão nunca penso se está muita gente a ver ou não.

TD - Mas está...
JNPC-Claro que esta.

TD - Mas é realmente um imediatista e usa umas metáforas que mais são umas maldades..
JNPC - Às vezes é porque são merecidas. (risos...)

TD - Há uma frase engraçada do Felipe La Féria que diz que (JNPQ ) daria um bom actor.
JNPC - Pode ser que ele me contrate (risos...). O Bemard Tappi agora também é actor.

TD - Mas ele diz isso por causa das ironias, do sarcasmo, da resposta pronta, e ele diz mesmo que o gostaria de ter numa das próximas peças...
JNPC - Pronto, vamos lá...

TD - Há um pormenor da sua infância particularmente singular que achamos de uma enorme ternura, que é o facto de ter tido honras de "Menino Jesus" no presépio da sua avó.
JNPC - O amor desse menino Jesus era o Tadim. Fez esse menino Jesus que eu nao sei onde pára. E fez um D. Nuno Alvares Pereira que a minha avó quando nós fazíamos a primeira comunhão a prenda que nos dava era um santo com o nome.

TD - Isto leva-nos ao homem de fé cristã e ao católico praticante que é. Como e quando evoca a sua fé? Nos jogos difíceis do Porto, na sua vida pessoal, ou nos momentos de aperto e dúvida como os mais recentes de acusação pública à sua pessoa?
JNPC - Uma coisa que eu nunca faço, e que muita gente faz, é promessas. Eu não uso a fé como uma promessa, porque acho que fazer uma promessa é quase estar a querer negociar, quer dizer, "eu vou a Fátima se...não sei quantos” ... eu estaria a negociar com Nª Senhora e acho que isso não é assim. Nós não vamos a casa dos nossos pais apenas se...não, vamos quando podemos e queremos. Eu vou a Fátima quando posso e quero, tal como se passo em Cedofeita vou ver a minha mãe sem ser por isto ou aquilo.

TD - Mas a fé ajuda-o em determinados momentos?
JNPC - Sim. claro que ajuda. Eu acho que a fé ou se tem ou não se tem, não se pode querer. Se me perguntar o que é ter fé, eu acho que é uma felicidade.

TD - Vamos falar de jovens. Sei que tem com os jovens uma relação muito fácil, não só de diálogo, mas também pedagógica. Concorda comigo que os jovens a partir de uma determinada idade e quando se inicia o fenómeno dos "grupos" nem sempre são uma classe etária fácil de tratar nomeadamente dos fenómenos de grupo, das claques desportivas de futebol. Como é que reage quando recebe a noticia do mau comportamento das claques de futebol, nomeadamente quando isso acontece com os "super dragões'?
JNPC-Em primeiro lugar eu acho que quando se fala da juventude em grupos eu nunca tive nenhum problema com grupos de jovens e sou muitas vezes procurado por eles. O caso do Carolina Michaelis, eles precisavam de apoio e também de alguém que tinha afecto por aquela turma que estava a ser apresentada como um conjunto de delinquentes pelo facto de uma aluna se ter excedido, lamentávelmenre, com uma professora. Tirando isso eu faço muitas acções dessas sem publicidade. Agora, em relação aos grupos, e não entrando ainda nas claques, há que ter uma grande compreensão também para determinados tipos de grupos, porque é muito fácil um grupo ser bem comportado quando tem a barriga cheia, quando tem uma boa cama para dormir, quando tem no bolso o mínimo para gastar. Quando há grupos de jovens que não têm condições para poder estar em casa porque mal têm, se é que todos têm uma cama para dormir, é evidente que esse grupo tem de ser compreendido de outra maneira e tem que ser ajudado, se calhar com acções como o futebol, que os motive e que lhes dê uma razão de ser. Lembro-me que quando estávamos em Tóquio e ganhámos a Inter-continental, que houve um jornalista que me perguntou em que é que estava a pensar, e eu respondi: "Estava a pensar nas pessoas pobres que não têm nada e que a esta hora estão a festejar mais felizes do que os que têm muito dinheiro. É preciso compreender essas pessoas e interessá-las por coisas que lhe dêem algum prazer na vida. Agora quanto às claques, é evidente que há excessos e ainda recentemente vi uma claque que estava envolvida em negócios de droga e de esquemas complicados, mas isso não acontece simplesmente porque são claques, isso acontece noutros grupos, nos chamados gangs, e tudo isso muitas vezes pela falta de condições de vida condignas com o próprio jovem, Convivo bem com a claque do Porto na medida em que eles também sabem que em mim contam com um colaborador e até um admirador, até porque eu vou a todos os jogos do FCP e muitas vezes, se não fosse a claque lá estar ouvia-se bater palmas e nada mais. Se criarem coreografias e cânticos sem cair na asneira, acho que é uma festa dentro do futebol. Não gosto nada, e felizmente que já não ouço há muito tempo, quando tem cânticos insultuosos com palavrões sejam para quem for. Quando em determinada altura se excederam com um treinador cortei simplesmente todo e qualquer apoio e obriguei-os a legalizarem-se. Eles sabem que têm o nosso apoio se souberem qual é a sua função e qual é o espírito que devem ter.

TD - Vamos falar do FCP. Foi há muitos anos um dos clubes da cidade do Porto e quase só isso. É hoje um fenómeno transversal e de afirmacão da cidade no resto do país - quase um elemento identitário. Isto foi algo que foi acontecendo e crescendo por acaso, ou foi algo que gizou para o Porto quando assumiu a direcção?
JNPC - Há uma anedota de um indivíduo que estava a receber uma comenda porque se tinha atirado ao mar para salvar uma criança que se estava a afogar, então ele recebeu a comenda e depois comentou: "Eu só ainda não descobri quem foi o gajo que me empurrou!..." (gargalhadas). Portanto isto tem sido por etapas. Quando em finais de 1981 nasceu um movimento que me convidou para mudar as coisas e o Porto ímpor-se a Lisboa, porque havia uma certa subalternidade, eu não entrei para ser o líder mas sim como um membro do grupo. Foi traçado um plano por um indivíduo que era um grande portista – o Neca Couto - que era na teoria o nosso presidente e quando chegou a altura de apresentar o programa marcou-se um jantar. Afinal o jantar que era para ser para oito estava marcado para dois! Quando ele chegou (Neca Couto) disse-me: “Ó Jorge não vamos perder tempo, o presidente é você”. Portanto eu fui empurrado. Desse programa perguntavam-me quais éramos objectivos e eu dizia: "Terminar com a obrigação do presidente da federação ser de Lisboa; em cada três anos ganhar um campeonato; estar numa final europeia de futebol: ganhar um campeonato nacional de hóquei em patins que nunca tinhamos ganho; fazer o rebaixamento do estádio e ser campeão em todas as modalidades." Esse foi o programa, porque nunca pensei ficar além dos dois anos. Ao fim de quatro anos tínhamos feito tudo e depois procuramos que o Porto fosse um dos ex-li-bris da cidade, O Porto tem muitos ex-libris e instituições importantes, por isso fico muito orgulhoso quando as pessoas reconhecem a cidade do Porto pelo FCP. Ainda recentemente na Turquia fomos reconhecidos pelo FCP e pelo golo do Madjer. E acho que foi uma pena que o Presidente da Câmara actual não tivesse tido a visão que teve por exemplo o Dr. Fernando Gomes e sem cair em promiscuidades que não queremos nem admitimos, não tivesse sabido aproveitar os feitos do FCP para valorizar a cidade do Porto. Dizia-me ainda há pouco tempo o presidente do Barcelona que o FCP era o único clube que conhecia que foi campeão continental, campeão europeu e que não foi recebido nos Paços do Concelho.

TD - Acha que o FCP é hoje um ícone de afirmação da cidade e da região no resto do país?
JNPC - Acho que sim. E a prova de que não estamos errados é ver o tratamento que alguma comunicação social de Lisboa dá ao FCP. A forma ridícula como se tenta esconder os feitos do FCP. O pais teve este ano, pela primeira vez, doid clubes a passar aos oitavos de final da Champions Ligue. São poucos os países que o conseguem. Pois no dia em que o FCP garantiu o primeiro lugar na Champions, a primeira página de um jornal desportivo de Lisboa foi uma grande fotografia do Moreto (guarda-redes do Benfica) e o FCP estava num cantinho que nem se via. Isto não acontece só por estupidez, porque por amor de Deus. não acho que um director de um jornal é tão estúpido que ache que o Moreto... [a não ser que já pressentisse que ele não ia defender nenhum penalti...) Agora, isto não é por o FCP ser azul e branco, é por ser do Porto. Isto é um pais centralista onde para a comunicação social de Lisboa, se só existisse Lisboa é que era bom. Se lhes for perguntar se Vila Real é bonito, se o Douro é bonito... eles não sabem porque isso para eles não existe. E isso leva-os depois a imbecilidades destas, porque realmente para eles quando vêm ao Norte dízem "vamos lá cima." Tipo limpa-chaminés.

TD-Ao fim destes anos todos continua a haver essa dicotomia Porto/Lisboa, Norte/Sul...
JNPC - Náo, náo. Há muito mais. Nunca houve tanto centralismo como agora. Por isso é que nós verificamos agora a necessidade de ás vezes mandar uns ministros a inaugurar uns troços de estrada. Sabe muito bem que a inauguração do Museu do Douro foi adiada porque o primeiro-minisrro teve que ir ao Barreiro. Porque para eles, "ir lá cima" tem sempre tempo, mas para o ano vão vir mais vezes porque é ano de eleições. Se as pessoas pensarem nisso é evidente que tem que ficar revoltadas. E eu que sei das coisas tenho que chamar a atenção para autênticas aberrações.
Repare, o FCP ganhou o campeonato em Maio, estamos a falar em 15 de Dezembro, a federação, entregou-nos a taça logo no final da época, a Liga ainda não entregou a taça nem nos diz para ir lá buscá-la, nem nos manda! Vou-lhe fazer uma inconfidência. Tive que escrever ao Secretário de Estado do Desporto, Dr. Laurentíno Dias, a pedir a sua intervenção para que a liga nos entregue aquilo que é nosso - a taça que foi ganha com vinte pontos de avanço. Se formos vivos, pelo menos espero que vocês que são mais novos, ainda são capazes de ver o Benfica campeão, quando este dia chegar, vocês vão ver se a taça não é entregue logo.

TD - Mas è só de agora ou agudizou-se depois de todos os problemas que houve...
JNPC-Nao sei. Não vejo nenhuma razão. O campeonato está homologado, ganhamos com vinte pontos.

TD - Vamos falar de cultura. A sua relação com a cultura é sólida - o seu gosto pela leitura, pela música ou pelo teatro e pela ópera representam uma tendência que não se cria da noite para o dia. No seu caso é mesmo uma agradável surpresa para a maioria das pessoas. É uma condição que nasce com as pessoas, desde o seu bisavô, julgo, e tem um percurso. Como foi esse seu percurso?
JNPC - Nós nascemos num ambiente em que ir a um concerto era normal. Nós sabíamos que era o Orfeão Portuense ni Teatro S. João, que era da família, onde tínhamos uma frisa, e naquele dia em que havia concerto, para nós era impensável não ir ao concerto. Lembro-rne que a nossa avó tinha as óperas todas. Ela punha-as e nós, ali entre os 8 e os 12 anos, sabíamos as árias principais de todas, sabíamos se era o Barbeiro de Sevilha, a Tosca, ou outra. Para nós era normal, como hoje para as crianças que sabem as músicas destes cantores que estão na moda, também para nós aquilo era natural.

TD –E a leitura também foi assim?
JNPC—Também, na leitura também. Tínhamos muitos livros e gostávamos de ler. Começávamos, naturalmente, pelo Júlio Dinis... lembro-me de ser miúdo e ler o Aquilino Ribeiro! O Camilo , li quase todo o Camilo. Foi uma coisa natural. Depois no colégio a leitura era normal, e a poesia, e eu entretinha-me. Havia de tudo e eu participava. Mas uma coisa que eu nunca gostei foi ver dizer poesia e es-tar a ler. Como era conhecido por ter muito boa memória, que diziam ser anormal, aquelas coisas muito grandes como "A Vida" do António Nobre ou a "Toada, de Portalegre", essas dizia eu porque era o único que conseguia decorá-las.

TD-Julgo que o FCP é o único que tem um Conselho Cultural. Qual é a importância e a dimensão que se pretende para este Conselho Cultural do FCP?
JNPC - Agora estamos a dar-lhe um maior incremento, sobretudo em ligações com as autarquias, como o concerto de Lamego com o apoio do Conselho Cultural. Estamos a procurar dinamizar por entendermos que há um núcleo de pessoas ligadas às artes que são pessoas "doentes'1 do FCP e essa é uma maneira de darem a sua participação e de estarem. A minha mulher faz parte do Conselho Cultural e eu digo-lhe sempte: É preciso saber escolher as datas e as ocasiões.

TD - Gostaria de falar consigo de política.
JNPC - Não é o meu forte.

TD - Vamos falar de política neste sentido - Sei que ê partidário da democracia e da liberdade. Quando é que tomou consciência disso. Em que idade?
JNPC — Olhe, eu lembro-me de ser estudante, pelos meus quinze, dezasseis anos, e tive colegas que se interessavam já nessa altura pela política. Fui colega de carteira do Sottomayor Cárdia e fui colega do António Arnault e de outros que se interessavam, e eu uma das coisa que me revoltava era que eu não aceitava que o presidente da câmara do Porto fosse "eleito" por Lisboa, Esse era o ponto que mais me indignava e quando foi o 25 de Abril foi logo a primeira coisa que eu pensei: finalmente vamos escolher o nosso presidente.

TD - Onde é que estava no 25 de Abril?
JNPC - Estava ao Porto a trabalhar.

TD - Como é que vê a nossa democracia nos dias de hoje?
JNPC - A democracia seja em que parte for do mundo è a coisa mais bonita para um povo viver. Depois tem que ser dirigida por gente que a saiba engrandecer Quando a gente vê episódios passados na Assembleia da República de votações que náo se fazem porque não estão presentes os deputados, não os censuro porque sei que alguns estarão a trabalhar, agora, é preciso preservar a imagem da democracia. Há factos que acontecem que não podem ser imputados à democracia mas que enfraquecem a democracia.

TD - Acha que a nossa democracia tem enfraquecido a sua qualidade?
JNPC - Acho que sim. Acho que os actores da política tem descido de qualidade.

TD-Certamente já fez esta pergunta a si próprio ao longo destes trinta e tal anos de democracia. Considera-se um homem de esquerda ou de direita?
JNPC - Eu náo sei muito bem o que ê ser de esquerda ou de direita. Hoje já se diz que o PS é de direita. Há indivíduos nas novas esquerdas que são mais de direita do que eu, pelo menos na vida que fazem e na forma como vivem, portanto não sei bem o que é ser de esquerda ou de direita, mas eu tenho um principio que lhe vou revelar e que é uma preocupação: sempre que voto, e tenho a vantagem de não ser filiado em nenhum partido, nem simpatizante, já votei em quase todos, porque voto com a consciência de votar naquele que no momento pode ser mais útil. Aqui há tempos ficaram muito escandalizados porque eu disse que já votei na Dra. Ilda Figueiredo do PCP nas eleições europeias. E eu expliquei porquê: O candidato do PS era o Dr. Mário Soares, que é uma figura ímpar da democracia portuguesa. Mas que não deveria ter sido utilizado para eleições e depois de ter sido Presidente da República deveria ter-se mantido acima da luta partidária. O candidato do PSD era o Dr. Pacheco Pereira, r pessoas que ganham a vida a dizer mal dos outros para mim não servem. Então do PC era a Ilda Figueiredo, que eu sei que é uma pessoa séria, de convicções, e que defende intransigentemente o país e o Porto, pelo que não tive problema nenhum em votar nela, como já votei no PS, ou no PSD.

TD - A sua relação com o poder local é sempre de alguma altivez, no bom sentido é claro. Por outro lado é uma figura incontestável da cidade do Porto e nunca deixou de apontar defeitos, caminhos e ideias pata a cidade. Porque é que nunca assumiu uma candidatura à Câmara do Porto?
JNPC - Dos políticos, que não são nem deveriam ser políticos, que eu mais admiro são as autarcas. Quando em visitas do FCP o presidente da edilidade me convida para ír eu vou sempre. Em relação a nunca ter assumido, fui convidado duas vezes (um ano pelo PRD e outro pelo CDS) e das duas vezes não aceitei porque entendia, na altura, que era incompatível com a minha presença no Futebol Clube do Porlo. Fiquei muito sensibilizado e acredito que era um desafio apaixonante, porque eu só acredito nas pessoas quando elas têm paixão por aquilo que estão a fazer. Mas vou revelar-lhe que ainda não há um més e fui abordado por um grupo de pessoas idóneas a propor-me uma candidatura independente a Camará do PORTO. E eu disse que então deixaria o FCP. E responderam-me: "Isso, não.”

TD - O Sr, Pinto da Costa está há mais de um quarto de século à frente do FCP, com momentos muito agradáveis ao longo de vinte e sete anos, mas também com momentos menos agradáveis,como sabe. Enfim, já passou um pouco de tudo e certamente que já sentirá um certo cansaço. Pergunto-lhe; Até quando é que vai ser o presidente do Futebol Clube do Porto?
JNPC - O meu mandato ainda tem dois anos e não gosto de deixar as coisas a meio. Depois, sinceramente não sei.

TD - O Artur Jorge diz no seu livro e a respeito da sua presidência do FCP: “É o que ele gosta de fazer na vida.”
JNPC - Recordo-me que na primeira reunião que tivemos, em 1982, eu disse: Isto está péssimo. Não sei se nos vamos aguentar tres meses, se trinta dias ou três dias, mas há uma coisa que vamos já definir aqui e a começar por mim. No dia em que nós não sentirmos força e coragem e prazer de estar aqui, vamos embora. Não quero aqui ninguém a dizer que se deitou às quatro da manha porque tivemos problemas...se eu sabia...Não. Se não sabia, sai. E foi esse o lema desde o primeira dia. No dia em que eu sentir que as pessoas não querem que eu cá esteja, ou que eu sinta prazer ou não sinta forças pata continuar, eu saio. Enquanto eu sentir que me dá prazer e que dou prazer às pessoas, eu continuo.

Cavaco Silva
Ê um homem respeitado e respeitável.

José Sórates
Um lutador

Luís Filipe Vieira
Tenho o prazer de estar de relações cortadas com ele.

Filipe Soares Franco
Um homem grande e um grande homem.

Rui Rio
Não conheço, mas penso que a dupla Manuela Ferreira Leite/Rui Rio vai ficar na história do PSD após as eleições de 2009.

Maria José Morgado
Também não conheço

Elisa Ferreira
Uma mulher muito inteligente e determinada

Manuela Ferreira Leite
Caiu como um patinho

Miguel Sousa Tavares
Gosto muito de o ler, excepto quando escreve sobre futebol, pois não tem o mínimo de conhecimentos.

Pedro Burmester
Um artsta

Mestre Júlio Resende
Um grande artista

Eugénio de Andrade
Tenho todas as suas obras e sou um grande admirador.




Texto digitalizado por mim(perdoem-me os erros), a partir das imagens da entrevista de Pinto da Costa à revista TribunaDouro.



No ponto que a comunicação social deu mais destaque, o da não entrega da Taça de Campeão pela Liga,as minhas fontes asseguram-me que tal não aconteceu porque estão à espera que o FC Porto inaugure o Museu. :-)))