A CONSPIRAÇÃO CONTRA O CAMPEÃO(I)
1- Com a entrada do século XXI, a direcção do Benfica tomou a decisão estratégica de lançar mão de todos os meios para impedir que a hegemonia do FC Porto, que se tinha afirmado com clareza nas duas décadas anteriores, se continuasse a prolongar. Por razões várias, mas essencialmente por falta de capacidade de gestão desportiva e falta de paciência para aguardar os resultados de uma mudança paulatina de atitude, o Benfica percebeu que tão cedo não conseguiria derrotar em campo o FC Porto e havia então que tentá-lo por outros meios.
A primeira medida estratégica foi a tomada de poder na Liga de Clubes, que Luis Filipe Vieira afirmou ser mais importante do que a formação de uma boa equipa de futebol. Para tal, Viera aliou-se a Valentim Loureiro, o verdadeiro dono do tão criticado «sistema» e então de más relações com Pinto da Costa. Juntos passaram a dominar a Direcção da Liga, a Comissão Disciplinar e a Comissão de Arbitragem. Muito embora o FC Porto tenha logo começado a sentir as consequências dessa aliança (foi a época em que só os jogadores do FC Porto é que tinham cotovelos e só a eles se aplicavam os célebres «sumaríssimos»), a verdade é que ela, por si só, não chegou para fazer ajoelhar os portistas. De positivo, para o Benfica, ficou a conquista do campeonato de 2004/05 - aquele que, nos últimos trinta anos, mais se deveu a favores de arbitragem.
A seguir veio a associação do Benfica com o poder político. Primeiro, descobrindo-se que o clube vivia à margem do cumprimento das obrigações fiscais que outros cumpriam e beneciando da complacência da comissão governamental encarregada de fiscalizar as contas dos clubes e que se «esqueceu» de fiscalizar o Benfica. A seguir veio a tremenda ajuda financeira dada pelo então presidente da Câmara de Lisboa, Santana Lopes, para a construção do novo Estádio da Luz. Enquanto a comunicação social se distraía a noticiar ninharias denunciadas por Rui Rio no Dragão, milhões e milhões eram dados ao Benfica de mão beijada, sem escândalo algum. E, para que não restassem dúvidas da dívida de gratidão contraída, viu-se a Direcção do Benfica, levada por Santana Lopes, a comparecer a um jantar de propaganda eleitoral do PSD durante a campanha legislativa de 2004, na mais descarada manifestação da tão falada promiscuidade entre o futebol e a politica alguma vez vista.
Mesmo assim, não chegou. Havia que fazer mais e foi então que surgiu o «Apito Dourado».
2- Diz o povo que o que nasce torto nunca se endireita e o «Apito Dourado» nasceu torto desde o princípio. Ao escolher colocar sob escuta apenas os telefones de Valentim Loureiro e Pinto da Costa, os investigadores mostraram desde logo ao que vinham e o que visavam com o seu método de «pesca de arrasto». Cabe perguntar, de facto, quem determinou e com que razões que uma investigação ao futebol português apenas se deveria concentar no FC Porto e no Boavista?
O mais eloquente telefonema de todas as escutas talvez seja aquele em que o presidente do Benfica tem o azar de ser gravado quando telefona para Valentim Loureiro. Aí se torna evidente o grau de cumplicidade entre ambos e a forma tranquila como discutem que árbitro convém ao Benfica para um jogo com o Belenenses. Mas esse processo foi devidamente arquivado, por se entender que não tinha interesse- mesmo em relação à enigmática frase de Luís Filipe Vieira para o major: «Como sabe, tenho outras maneiras de resolver o assunto.»
3- As escutas a Valentim concluíram que ele pressionava os árbitros dos jogos com o Gondomar- peixe mais do que míúdo- e que tentou pressionar árbitros em três jogos do Boavista, nos quais, para azar dos investigadores, o Boavista perdeu dois e empatou um.
Pior sorte tiveram ainda as escutas a Pinto da Costa. Dois anos de telefonemas interceptados concluíram que a equipa de arbitragem de um FC Porto-Estrela da Amadora, chefiada por Jacinto Paixão, pediu umas «meninas» a um intermediário que fez chegar o pedido ao presidente do FC Porto e terá obtido a anuência deste. E que o árbitro Augusto Duarte, na véspera de apitar um Beira-Mar-FC Porto, apareceu, na companhia de um empresário ligado aos portistas, em casa de Pinto da Costa, para tomar um «cafézinho». Mas, azar dos investigadores: os factos reportam-se à época de 2003/04, aquela em que o FC Porto treinado por Mourinho passeou uma tão ampla superioridade, que foi campeão nacional com doze pontos de avanço e campeão europeu; ambos os jogos foram já na parte final do campeonato e nenhum deles influia na classificação de qualquer das equipas envolvidas; e, finalmente, os «experts» consultados não conseguiram ver qualquer influência da arbitragem nos dois jogos, um ganho, outro empatado pelo FC Porto. Faltava assim um elemento jurídico essencial no direito punitivo e que tanto irritou alguns comentadores justiçeiros: o tal nexo de causalidade. Para haver corrupção tem de haver um resultado obtido com essa corrupção. Não havendo resultado, o que fazer? A Comissão Disciplinar da Liga, no seu recente e tão auto-elogiado acórdão, resolveria a questão pelo mal menor: tentativa de corrupção. Uma original tentativa de corrupção, em que é o corrompido que toma a iniciativa de abordar o corruptor…
4- Estava, pois, o apito encravado, para grande desespero da nação, quando entra em cena Carolina Salgado. Três anos antes, ela tinha estado na Luz, entre os Super-Dragões, com um cartaz mal-criado e provocatório que dizia «Ó Orelhas, estou aqui!». Fora de si, Luís Filipe Vieira protagonizaria no final uma insólita conferência de imprensa sobre a vida privada de Pinto da Costa, acusando-o de viver com uma usurpadora no lugar da mulher «legítima». Mas a vida é, sem dúvida, um espectáculo imprevisto e por vezes irónico: a «legítima»de Pinto da Costa, que Vieira protegia, passou a divorciada e voltou a ser «legítima», e a «usurpadora» passou da benção papal a proscrita e desaguou… nos braços do homem a quem chamara«Orelhas».
O presidente do Benfica chegou a participar em reuniões em hotéis com Carolina Salgado e os investigadores da PJ. Arranjaram-lhe quem lhe escrevesse um livro, quem do livro fizesse filme, e asseguraram-lhe meios de rendimento para que ela contasse «tudo o que sabia» ou que dizia saber. Mais tarde, com Maria José Morgado, passou a ser tratada como o tesouro mais precioso, acompanhada, dia e noite, por seguranças a soldo dos contribuintes, para assim se dar também a ideia de que é uma testemunha incómoda e ameaçada. E, graças a ela, o Apito Dourado ganhou um novo fôlego que já parecia perdido. Os processos arquivados por falta de provas ou de consistência foram reabertos, gastaram-se mais uns milhares ou milhões de euros em investigação e animaram-se as hostes justiçeiras.
5- Mas, de novo, verdadeiramente novo, não se apurou mais nada. Era exactamente o mesmo, os mesmo jogos, as mesmas meninas, o mesmo cafézinho. Apenas Carolina Salgado acrescentou dois dados novos: que Pinto da Costa terá recorrido aos seus serviços (!?) para tentar matar (!?) Ricardo Bexiga, vereador da oposição na Cãmara de Gondomar, e que, durante a tal cena do cafézinho, terá passado um envelope com 500 contos em moeda antiga ao árbitro Augusto Duarte. Tudo está pois, dependente, da credibilidade da testemunha Carolina Salgado. A qual, salvo melhor opinião, vale zero: pelo seu curriculum, pelas suas evidentes motivações e pelas suas contradições.
Amanhã há mais