terça-feira, fevereiro 27, 2007

Mourinho no Dragão

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Regresso a casa

Pena tenho que o Anderson não esteja a jogar. Porque estou convencido de que, com ele em campo, talvez José Mourinho recebesse em Stamford Bridge uma lição de humildade.


1- Parabéns a José Mourinho, que conquistou mais uma Taça ao serviço do Chelsea, a Carling Cup. Ganhar é o seu talento, o seu vício, o seu destino. Mas saber ganhar, já não sei se será.

Na semana passada repeti aqui os elogios a Mourinho, que já tantas vezes lhe fiz e sempre com sincera admiração. Disse que ele seria recebido no Dragão, pelos verdadeiros portistas, com a admiração e a gratidão que merecia quem lá deixou a obra e a memória que ele deixou. Estou, pois, à vontade para agora dizer que a passagem de Mourinho pelo Dragão, terça-feira passada, me deixou um profundo sentimento de decepção, dando comigo a pensar se esta paixão pelo futebol será mesmo coisa recomendável.

Primeiro que tudo, foram as declarações de José Mourinho ainda em Inglaterra, dizendo que esperava ser recebido com alguns assobios e manifestações de ingratidão, a que já estava habituado e não o afectavam em nada. Ora, sucedeu que, tendo sido recebido exactamente ao contrário, desde o aeroporto até ao estádio, Mourinho não foi capaz de ter uma palavra, já não digo de arrependimento pelo que dissera, mas ao menos de saudação ao público. Não teve uma palavra, não teve um gesto, não teve uma atitude. E celebrou o golo do Chelsea com um entusiasmo tão grande quanto desnecessário: já Luís Figo, ao celebrar o golo do Inter contra o seu Sporting, nos havia ensinado o que estamos fartos de saber, mas fingimos sempre não acreditar: que, tirando raras e estranhas excepções, estas coisas do amor à camisola, de gratidão para com um clube, de fidelidade à memória e aos adeptos que ontem nos veneravam, só existe mesmo para os adeptos. Eles, os profissionais, só conhecem sentimentos para quem, em cada momento, lhes paga.

Depois, Mourinho pôs em campo uma equipa de luxo a fazer um futebol medíocre, sem rasgo nem alma, unicamente pensado para levar de vencida a eliminatória e nada mais. Tanto pior para os idiotas como eu, que continuam a pensar que só vale a pena ir aos estádios para ver bom futebol; se é apenas para ver a minha equipa ganhar, fico em casa a ver pela televisão, que é bem mais barato e confortável.

Mas Mourinho não se limitou a castrar o espectáculo que a sua equipa tinha obrigação de dar, em benefício do resultado que pretendia: tratou também de assegurar que o adversário não pudesse dar espectáculo. Não é preciso ser um «treinador de top mundial», como Mourinho se definiu, para perceber que, na ausência de Anderson, a única hipótese de perigo do FC Porto e a única hipótese de espectáculo do jogo, residiam nos pés desse talento ainda não normalizado chamado Ricardo Quaresma. E, assim, a sua grande estratégia para este jogo consistiu numa coisa simples e feia: anular Ricardo Quaresma de qualquer maneira: a bem, se possível; a mal, se necessário. Para isso, começou por tirar Paulo Ferreira (desconfiou que, por razões várias, talvez não estivesse disponível para uma sale besogne) e fê-lo substituir por um Diarra instruído para perseguir como um doberman e atacar como um rottweiler. Em seu apoio, não estivesse Quaresma suficientemente intimidado e massacrado, colocou Essien, com a missão de jamais deixar passar o adversário com a bola nos pés. E, enfim, ele próprio, Mourinho, tornou-se o terceiro elemento decisivo do Plano Quaresma Não Passa!, colocando-se estrategicamente de pé junto à lateral, para esbracejar e gritar «teatro!» de cada vez que Quaresma encontrava um ombro, um joelho ou um pé de Diarra a barrar-lhe a passagem. A certa altura, quando Essien, vindo em auxílio de Diarra, ceifou Quaresma com uma entrada assassina, ainda o extremo portista voava no ar e já Mourinho gesticulava em direcção ao árbitro, tentando convencê-lo de que nem falta houvera. E a verdade é que valeu a pena a sua atenção: Essien foi poupado a um vermelho directo e, no final, Mourinho ainda se deu ao luxo de dizer que Quaresma era tão talentoso como «batoteiro» e que lhe faria bem passar uns tempos em Inglaterra para aprender a levar porrada com um sorriso nos lábios. Confesso que para um treinador de «top mundial», esperava outra estratégia, menos feia, mais amiga do futebol. E outra memória — dos tempos em que ele treinava o FC Porto e os ingleses, incapazes de digerir a derrota do Celtic ou a eliminação do Manchester United, o acusavam de ser treinador de uma equipe de mergulhadores.

No fim, ainda ouvi José Mourinho a queixar-se que a lesão de John Terry e o facto de não dispor de outro central de raiz é que tinha condicionado todo o futebol do Chelsea. Como é sabido e conforme é de tradição com os nossos emigrantes do futebol no estrangeiro, a imprensa portuguesa assumiu todas as dores de Mourinho, porque o vilão do Abramovich lhe negou em Dezembro a compra de outro central. Ora, convém recordar que o vilão do Abramovich gastou 60 milhões de contos, em três anos, a dar a Mourinho os jogadores que ele quis e, só no ano passado, perdeu 24 milhões de contos com o futebol do Chelsea. Certamente que não é da sua responsabilidade que, com tantos milhões para gastar, Mourinho se tenha esquecido de comprar outro central. Só com o dinheiro do Shevchenko, ele teria comprado dois ou três de primeira linha e, assim, a lesão do John Terry não teria constituído problema algum. Mas também o Shevchenko não estaria lá para marcar aquele golo. Como em tudo na vida, quando se faz uma escolha, tem de se prescindir de alguma coisa…

Pena tenho que o Anderson não esteja a jogar. Porque estou convencido de que, com ele em campo, talvez José Mourinho recebesse em Stamford Bridge uma lição de humildade que lhe relembrasse quais são verdadeiramente os grandes desafios e as grandes vitórias. E essas não são as que o livro de cheques torna possíveis.

2- Inacreditável a história protagonizada pelo ilustríssimo desembargador Lima, presidente do CJ da Liga, que, depois de ter agendada uma reunião para decidir do recurso da suspensão de Ricardo Quaresma e depois de ter constatado que ele era o único dos juízes que se opunha à despenalização do jogador, resolveu adiar a decisão sine die, dizendo que «não tinha tido tempo» de ler o processo! É inacreditável e, obviamente, não pode passar impune. Não há ninguém que tenha a decência de o demitir, já que ele, por si, não tem tempo para o fazer?

3- Na quinta-feira passada, o Público voltava a revelar novos dados sobre os trabalhos da task force de Maria José Morgado contra Pinto da Costa (e, ao que parece, só contra ele). Desta vez, tratava-se de mais umas declarações «incriminatórias» de Carolina Salgado, cuja grande novidade consistia em que essas declarações — produzidas em «rigoroso» segredo de justiça, a sós com os investigadores, sem testemunhas nem hipótese de contraditório — aparecerem reproduzidas no jornal com tal detalhe que até vinham entre aspas. Mas, desta vez, não reparei que a doutora Maria José Morgado se tivesse insurgido contra esta fuga. E, todavia, a experiência diz-nos que, tanto a sua origem quanto a sua finalidade, são tão evidentes que só mesmo um imbecil é que não percebe.

Tenho seguido atentamente tudo o que sai referente ao Apito Dourado. Não quero antecipar conclusões mas tenho alguma experiência e conhecimento de como é que as coisas se fazem e, sem querer desde já matar tão tremendas esperanças agora depositadas na justiça, digo-vos que, a fazer fé no que tem vindo a público e se aquilo é tudo o que se está a passar, tirem o cavalinho da chuva: qualquer estagiário de advocacia reduz aquilo a pó. Mas aguardemos.

4- E, por falar em Apito Dourado, meditem nesta história exemplar. Em 2004, o ano de ouro do FC Porto, de Mourinho, um empresário resolveu emprestar 25 mil euros a um seu jogador, então no União de Leiria. Todos os dias acontece isso, empresários emprestarem dinheiro aos jogadores e até aos clubes. Mas sucede que, três dias depois, o Leiria jogava contra o FC Porto: foi quanto bastou para que se levantasse a suspeita de corrupção do adversário, por parte do FC Porto. E, sem sequer atentar que o dito jogador era ponta-de-lança (e não guarda-redes ou defesa, como suponho que seria normal nestas circunstâncias), abriu-se mais um processo por suspeitas contra o FC Porto e o seu presidente — e logo o Correio da Manhã, depois seguido por outros, gritou as suspeitas aos quatro ventos. Afinal, aberta a investigação, descobre-se que o jogador nem sequer chegou a depositar o cheque recebido. Sem se dar por vencida, a task force continua a investigar, não aceitando o arquivamento. Mas o efeito útil já está conseguido: a suspeita foi divulgada e ficou instalada.