"Se entrasse de chicote durava dois meses"
JORGE MAIA / ANDRÉ VIANA
Admite não ter a capacidade oratória de Villas-Boas, mas garante que o que diz no balneário é lei. Sem negar que teve dificuldades iniciais, explica que começou de mansinho para poder terminar melhor do que a concorrência ao sprint, mas reconhecendo que as principais adversidades até estiveram dentro de portas. No final, conclui agora, os resultados validaram a sua liderança.
Na sua apresentação como treinador, apelou à tranquilidade dos adeptos e prometeu "qualidade de jogo e resultados". Sente que cumpriu?
Em termos de qualidade de jogo, tivemos momentos em que a apresentamos, outros em que não. Mas procuramos sempre, no trabalho, comportamentos que nos pudessem dar um jogo circulado, de pressão. Por circunstâncias várias, houve alturas em que não fomos capazes de o apresentar, de ter essa intensidade.
Consegue especificar essas circunstâncias?
Tenho a noção clara. Primeiro, as expectativas elevadíssimas dos jogadores depois de uma época como a que tínhamos feito. Isso elevou as expectativas de toda a gente e o foco e a concentração dispersaram-se um bocadinho. Não foi fácil assentar e focar os jogadores no nosso jogo e nos nossos objetivos, o que é natural no ser humano. Depois de uma época brilhante, perspetivavam para a sua vida outros campeonatos, mais competitivos. Houve mais do que um momento em que isso, para mim, foi notório.
De que momentos é que se está a lembrar?
Logo no início, que se foi prolongando, e na reabertura do mercado. São coisas que mexeram com a nossa época. Acrescente-se a isto uma perda fundamental na dinâmica de jogo, que foi a perda do Falcao, a nossa referência. Deixou-nos sem tempo e o Kléber, apesar da sua qualidade, precisava desse tempo. Faltou-nos a referência para o jogo interior, alguém com quem as coisas já saíam naturalmente, permitindo uma qualidade de jogo na área... Foram aspetos fundamentais, para mim, e que nos fizeram oscilar.
O presidente disse, já no final da temporada, que o Vítor Pereira teve de lidar com jogadores que se achavam os melhores do mundo. Porque é que essa revelação só foi assumida a posteriori e que trabalho teve o treinador durante a época na gestão destes egos?
Basta irmos ao passado para percebermos que esta questão é intrínseca ao ser humano. É naturalíssimo. Depois de grandes conquistas, os jogadores sentem-se valorizados, sentem que é a oportunidade deles. Eu não posso apontar rigorosamente nada em termos de profissionalismo aos meus jogadores, nada. Mas admito que, inconscientemente, perceberam que o mercado funciona e que, depois da saída do Falcao, houve uma certa dispersão. Nós vivemos com isso e lutámos contra esse problema. Procurámos resolvê-lo, acredito que houve momentos em que isso nos afetou, mas acabámos consistentes e, nos jogos em que foi preciso que aparecêssemos, as coisas acalmaram e provámos claramente a nossa competência.
Concorda que tem dificuldades em passar, mediaticamente, uma mensagem forte e cativante?
Percebo claramente essa crítica. Não sou um grande orador, sou uma pessoa reservada e gosto de estar sozinho, preservo a minha pacatez e não posso mudar a minha personalidade, não posso representar. O André [Villas-Boas] tem um discurso diferente, é uma pessoa diferente, até porque tem menos dez anos do que eu. Mas o André tem uma forma de comunicar forte e eu não sou um comunicador do nível dele. Se calhar, deixei-me influenciar e quis ser algo que não sou. Não estava à vontade naquele papel e falhei. Cometi erros de comunicação no início, eu próprio olhava para mim e dizia: 'Tu não és assim'. Admito que, inicialmente, não respeitei a minha natureza. Em relação a discurso forte, para dentro, se não o tivesse nem chegava ao FC Porto. Perguntem aos jogadores que eu liderei. Quando o barco navega em águas calmas, qualquer um é líder. O problema é ter liderança em contextos de adversidade. Se eu tivesse sido mais agressivo, tinha durado dois meses no FC Porto, não tinha passado disso. Tive de ser flexível até as peças do puzzle se juntarem.
Teve sempre esse controlo interno? Houve episódios com dimensão pública, nomeadamente algumas reações a substituições...
Mas no ano anterior não houve? Não foi uma, foram várias. Mas não se falou, porque se ganhava. Todos querem jogar e quem anda emocionalmente instável tem reações emocionais desproporcionadas. Asseguro que não estive perante uma situação muito grave. Trabalhamos nos limites da emoção, da pressão, da competitividade, os jogadores são animais competitivos, uma ou outra vez têm de extravasar. Vindo de uma II Liga, se chego ao FC Porto com uma liderança de chicote, tinha durado dois meses. Não tenho dúvidas nenhumas disso. Fui flexível.
"Cheguei a ler que até um macaco seria campeão"
Durante o ano foi muitas vezes anunciada a sua saída inevitável ou acordos com o presidente no sentido de só ficar se fosse campeão. Houve alguma conversa com Pinto da Costa sobre isso?
O presidente foi o primeiro a manifestar-me total confiança no nosso trabalho. Acho estranhíssimo que se pense que uma pessoa que se distingue pela inteligência e pela intuição, que tem ganho títulos uns atrás dos outros, fosse apostar em mim a pensar que eu ia falhar. Dá para acreditar nisto? Olho para o meu trajeto e não estranho que, de fora, me coloquem em dúvida, porque eu sei de onde vim, a última equipa que eu tinha treinado foi o Santa Clara, da II Liga. Eu presto provas todos os dias, sei que tenho de ganhar mais, sei que há muita gente que gostaria de treinar o FC Porto. Pôr em causa o treinador é uma forma de desestabilizar um clube que tem ganho tantos títulos, porque o ganhar desgasta, mas desgasta os outros e não se olha a meios para atingir fins. Sei que era eu que estava mais à mão, eu é que vim de adjunto... Às vezes entristece-me que se diga que na época passada se ganharam tantos títulos e parece que eu não estive cá. Vim de férias, vim de qualquer lado, caí de paraquedas... Falam como se não tivesse estado, mas estive e ajudei.
Sentiu-se um alvo fácil?
O que estava mais à mão, o mais fácil. Mas isso torna-me muito mais forte. Sem competência não há quem resista; a estrutura pode ser muito forte, mas sem competência não há hipótese... Eu cheguei a ler coisas... Não me dói por mim, porque sei bem no meio em que estou. Agora, os meus filhos... Os meus filhos e os amigos dos meus filhos também veem televisão, também leem jornais. Os meus filhos chegaram a casa a dizer: 'Ó pai vais sair, eu até chorei". Isso é que me custa. Eu cheguei a ler que até um macaco seria campeão. Isso é a maior falta de respeito pelos outros adversários todos. Isso pode-se pensar, mas não se pode dizer. É uma vergonha. Hoje estou mais preparado, mas houve momentos em que pensei que era de mais. Estive firme nas convicções, só assim conseguimos chegar ao fim e ganhar o campeonato. Com mérito. Não é só demérito dos outros. O Real Madrid não ganhou também com o demérito do Barcelona? Aqui o campeonato foi competitivo enquanto teve o Benfica na frente, continuou espetacular quando foi o Braga, depois passou o FC Porto para a liderança e lá se foi a qualidade num campeonato nivelado por baixo. Depois vejo que tivemos mais golos marcados, menos golos sofridos... É esta a equipa que foi martelada todo o ano porque jogava mal? Temos de ser coerentes e não nos deixar levar na onda. No final da época, tiveram de se engolir muitos sapos.
"Há dez anos já dizia que treinaria o FC Porto"
Há dias, o presidente disse que "os contratos não se rasgam, renovam-se". Vai renovar?
Estamos a trabalhar na próxima época, com tranquilidade. O futuro vai-se construindo. Nunca tive medo do futuro, eu sou treinador, treino em qualquer lado. A mim ninguém me tira este sonho. Tenho muito orgulho em ser treinador do FC Porto, sempre disse que aqui chegaria, perguntem aos meus jogadores de há dez anos. Eu disse-lhes que ia ser treinador do FC Porto, portanto eu estou onde quero estar. Enquanto me quiserem, aqui estarei.
Há a possibilidade de ir para o Olympiacos?
Estou num grande clube, mas é como para os jogadores. Fico satisfeito, nada mais do que isso. Quero conquistar muito mais títulos neste clube.
A noção de carreira está nas suas palavras. Vê-a chegar até onde?
Tenho 43 anos e estou em aprendizagem.
Até onde pensa treinar?
Até onde Deus me levar. Vou treinar enquanto o futebol for a minha paixão. Não consigo viver sem isto, se estiver um mês ou dois sem futebol começo-me a desequilibrar emocionalmente e a minha mulher já me começa a dizer 'vai que eu já não te aturo'. Chegamos cansados, mas não conseguimos viver sem isto.
Há dez anos dizia aos seus jogadores que ia treinar o FC Porto. Hoje, onde se vê daqui a dez anos?
A treinar, não sei que clube, mas a treinar, de certeza absoluta. É como respirar, se não treinar sinto que não estou a viver. Viver é treinar.
"O que disse sobre Jesus fez-me pior a mim"
Retratou-se de um discurso mais duro que teve, inicialmente, para com o treinador do Benfica. Porquê?
Não fui autêntico, provavelmente por defesa. Estava numa perspetiva defensiva, porque os pontos de interrogação começaram logo no início e eu fechei-me e fui reativo, reagia com agressividade. Um treinador amigo dizia-me que amigos dele lhe comentavam que eu me tinha tornado agressivo e arrogante e ele achou estranho. Acho que aconteceu inconscientemente, para me defender. Não estava preparado para ser atacado por toda a gente, quase que me senti humilhado, parece que tinha deixado de perceber de futebol. Aquele Vítor que muitos perspetivavam que pudesse ir longe, parecia que tinha deixado de existir. Depois percebi que as pessoas não me conhecem e passei a encarar as coisas com naturalidade. Quando disse o que disse sobre o Jorge Jesus, não fui eu próprio e aquilo fez-me mal. Provavelmente, fez-me pior a mim do que a ele. Nunca mais me senti bem comigo próprio, porque não posso avaliar as pessoas e eu avaliei o Jorge Jesus como pessoa. Não posso fazê-lo, porque não o conheço como pessoa. Não fui correto e por isso pedi desculpa e fiquei muito melhor comigo próprio. Vou continuar a cometer erros, mas a refletir sobre eles para que não voltem a acontecer.
"James não tem medo de assumir"
Face à ameaça de perder Hulk, Vítor Pereira recusa-se a atirar a pressão para cima de James, mas admite que o colombiano já tem bagagem para não minguar nos grandes jogos. O treinador perde-se em elogios...
Já percebeu onde é que o James se sente melhor?
Se eu pedir ao James para jogar num corredor, ele não consegue...
Mas não foi isso que lhe pediu na maior parte dos jogos?
É claro que sim, mas não quero que ele nos dê sempre banana ou maçã a comer. Eu quero é que ele nos dê aquilo que os outros não esperam. Quero que seja ele a procurar, sem desequilibrar a equipa... Quando a dinâmica na frente é grande, essa fatura paga-se no momento da perda de bola. É preciso rigor posicional, mas eu dizer-lhe 'James, tu vais jogar só num corredor'? Nunca na vida. Não posso é permitir que ele se lembre de se juntar ao Hulk na direita, porque, se o fizer, desequilibra a equipa na perda. Eu só tenho de organizar em função do que ele me dá, mas não pode ser a anarquia total nos três homens da frente. Nunca lhe disse para jogar sempre no corredor, mas também nunca lhe disse para jogar sempre dentro, porque essa alternância entre o dentro e o fora, o alto e o baixo, é que cria a diversidade, a qualidade de jogo. Tem é de ser ele a procurá-la, eu deixo que o seu talento seja exposto em prol da equipa, não o deixo é desequilibrar a equipa.
Isso explica que, muitas vezes, tenha preferido o Varela?
Motivou críticas, mas é preciso encontrar equilíbrios na equipa. A função de um treinador é aproveitar o talento sem colocar em causa a equipa. A própria equipa o exige, quando sente que o desequilíbrio está a surgir por incumprimento tático aqui ou acolá, a equipa não gosta disso, a equipa começa a perceber que alguém está a falhar e se alguém está a falhar tem de se chamar a atenção para isso.
O James vai ser o quê?
O James é um jogador de grande talento, que cresceu do ponto de vista defensivo, porque o seu grande problema era não ter essas preocupações. Retirava-nos qualidade do ponto de vista defensivo, mas percebeu que é preciso ser agressivo na perda de bola, é preciso jogo posicional defensivo, que não podia haver anarquia... Foi aprendendo, é inteligente; para mim não é um ala puro, mas tem que lá aparecer também, porque tem um cruzamento de grande nível, cria situações de rutura sem precisar de velocidade, de ir para cima, de rasgar. Tem uma capacidade de decisão enorme e uma capacidade técnica enorme, mas tem de pôr ao serviço do coletivo o jogo dele. Não o podemos amarrar, porque é entre o meio e a ala que ele se sente bem.
Já é produto tático acabado?
Vai continuar a evoluir, a ganhar peso e estatuto. Só espero que isso não lhe retire a humildade, porque com isso perderia tudo.
O James está preparado para pegar na equipa como o Hulk pegou esta época?
É diferente do Hulk, mas tem maturidade suficiente e já o provou. Chegou muito novo, mas não tem medo de assumir as coisas. Há uns meses sentíamos que ainda tinha dificuldades nos jogos grandes, mas neste momento acho que está preparado para jogar contra qualquer equipa.
"Tenho de estar preparado para a saída do Hulk"
Depois dos dois golos marcados por Hulk à Dinamarca, os seus primeiros pelo Brasil, é natural que a sua cotação no mercado dispare mais um pouco. Assim sendo, é inevitável que seja transferido? "O Hulk é super, é um jogador de um nível elevadíssimo. Neste momento é nosso jogador, trabalho a pensar que ele fica, mas tenho de estar preparado para a sua saída. Gostaria que continuasse, mas se não for possível teríamos de nos dinamizar de outra forma", desviou Vítor Pereira, que não consegue comparar uma eventual saída de Hulk à perda de Falcao no último verão: "São dois jogadores excecionais, um mais no espaço central, envolvido em toda a dinâmica, e o Hulk sobretudo no corredor, ainda que o tenha usado algumas vezes ao meio, sendo fortemente criticado por isso, mas ganhando o campeonato." O treinador não deixa de reconhecer, porém, que a saída do Incrível teria implicações na forma de definir os lances de ataque.
"Pensei que contaria com o Falcao e com o Kléber"
Pelo que disse anteriormente, deduz-se que a saída do Falcao foi uma surpresa...
O FC Porto forma jogadores, consegue adquiri-los quando não estão na plenitude das suas capacidades, forma-os, ganha títulos e sistematicamente tem sobre si os olhos de clubes de outros campeonatos... É natural que nunca se saiba bem que jogadores saem, depende das propostas e da procura.
Mas desde inícios de julho que parecia quase inevitável a saída do Falcao. Não trabalhava precavendo esse cenário?
Pensei que contaria com o Falcao e com o Kléber, com tempo, num processo de adaptação natural que lhe permitisse, depois, revelar o seu potencial.
Nesse sentido de evolução, o Kléber será uma opção diferente na próxima época?
O Kléber tem qualidade. É um jovem, precisa do seu tempo. Não pode ser imediatamente posto à prova, mas foi o que aconteceu porque houve necessidade de que isso acontecesse. Acredito num Kléber mais maduro, mais habituado a este tipo de pressão e que nos dará muito mais na próxima época.
É um dado adquirido que fica para a próxima temporada? Que salto perspetiva que ele possa dar na equipa?
Não o posso dizer com certeza absoluta. A este nível, não é possível, depende do mercado. Fundamentalmente, espero-o mais tranquilo.
Que papel desempenha o treinador para que um jogador consiga essa tranquilidade?
Há coisas que nós não podemos fazer pelos outros, por mais confiança que possamos transmitir. Há coisas que tem de ser o próprio a ir buscar. Isso é uma coisa que é dele, o nosso trabalho é dar-lhe ferramentas para que ele esteja mais forte. O resto é interior.
"Precisamos de um ponta de lança"
Sente necessidade de outro tipo de soluções para além de Kléber e Janko?
Julgo que é consensual que precisamos de uma alternativa, vamos procurá-la e trabalhar nesse sentido.
O Jackson Martínez pode ser esse jogador?
O Jackson Martínez ou outro jogador qualquer que o clube entenda que tem qualidades que acrescentem alguma coisa.
Mas conhece-o? Que opinião tem?
Como deve calcular, observo jogadores durante todo o ano. Mas só falo dos meus jogadores e o Jackson Martínez não é um dos meus jogadores.
Identificou carências no plantel?
Está equilibrado, mas precisamos de um ponta de lança sim, que tenha características diferentes, que não diminua os pontas de lança que já temos.
Que características são essas?
Quero um jogador que possa ir no espaço, mas que também possa vir em apoio. Um jogador que consiga ser explosivo, o que não é fácil encontrar, mas é isso que procuramos, um jogador que na área seja capaz de finalizar pelo ar e no chão.
"Jogadores dão-me muito mais do que sou capaz de imaginar"
O que o levou a insistir com Hulk a ponta de lança?
Porque senti que era ali que ele mais nos poderia ajudar. Às vezes ouço críticas e questiono-me... Eu toda a minha vida refleti futebol. Se quisermos falar sobre futebol, eu falo e argumento, seja com quem for. Porque experimento e reflito no terreno. Estranharia é se eu não conseguisse ver que o Hulk é muito mais forte à direita, naquele tipo de movimento em que ele é um desequilibrador. Seria estranho não ver isso, ainda para mais trabalhando todos os dias com ele. Mas se entendia que a equipa precisava mais dele ao meio, foi porque a dinâmica que faltava naquele momento o exigia ao meio, mesmo sabendo que ele rende mais à direita. Decidi em função das necessidades da equipa e o Hulk é humilde. No meio, deu-nos o que esperei, essencialmente nos jogos de decisão, que vencemos.
Perante as críticas de que falou, e que foram recorrentes e transversais, nunca vacilou nas suas convicções?
De outra forma não teria ganho o campeonato.
Mas não reconheceu validade em algumas críticas?
A utilização do Maicon à direita, por exemplo. Respondo da mesma forma. Então eu não sei que o Maicon é muito mais central do que lateral? Naquele momento, senti que não tinha uma solução que me transmitisse mais confiança do que ele, pela forma de trabalhar, por estar focado no nosso jogo e nos nossos objetivos... Senti que o Maicon, naquele momento, era a melhor solução, mesmo que não me desse, ofensivamente, aquilo que uma equipa como o FC Porto precisa. Eu não vejo menos do que os outros.
São questões de balneário, portanto...
São questões de trabalho. Quem me transmite confiança no trabalho, eu conto com ele. Naquele momento, os outros não me transmitiam confiança. E ponto final. Só isso. Eu é que tenho de decidir, e hoje decidiria exatamente da mesma forma.
Pensa que isso foi importante para o crescimento dele?
Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas. Deu-lhe a confiança que lhe faltava, para sentir que tinha espaço e que tinha qualidade.
O Maicon é o seu troféu pessoal mais emblemático? Os treinadores gostam de reclamar méritos no crescimento dos jogadores...
Há treinadores que gostam, mas eu não gosto.
Porquê?
Porque o mérito é do jogador. O treinador trabalha aquilo que é coletivo, depois há o talento e o mérito dos jogadores, integrados na nossa dinâmica de jogo e com as correções que temos de fazer.
Exclui-se desse salto?
O crescimento que eu tenho de promover é o crescimento coletivo. Eu não estou com o Maicon a fazer trabalho específico, o meu trabalho é coletivo e dentro dele há jogadores que crescem mais e que aproveitam as oportunidades.
Com 31 anos, fisicamente diferente do jogador que chegou à Europa em 2005, Lucho pode aguentar a próxima época a um nível alto?
Claramente. Fui criticado pelo triângulo do meio-campo, a questão do duplo pivô. O Moutinho será sempre um 8 que gosta de vir atrás, pegar no jogo a partir de trás. Nunca na vida será um pivô. A minha perspetiva de treino não é organizar o meu jogo. Se assim fosse, estaria limitado àquilo que sou capaz de imaginar, mas, na verdade, os jogadores conseguem dar-me muito mais. Eu só organizo aquilo que eles me podem dar. O Moutinho movimenta-se em função da qualidade que tem e eu não quero formatá-lo, não quero que ele jogue o meu jogo, não quero dizer-lhe que ele tem de fazer isto ou tem fazer aquilo. Só ajudo a organizar esse jogo. Com o Lucho é a mesma coisa. Quem sou eu para lhe dizer para não baixar, para não receber entrelinhas, para não jogar nas costas do adversário? Mas quem sou eu para dizer ao Fernando para aparecer na área a finalizar? Eu só vou modelando e, para mim, essa é a função do treinador. Só tenho de tirar partido do potencial de cada um. Se sentir que há desequilíbrios, vou equilibrando... Isto para mim é treinar.
"Lucho comunica mais sem falar"
Reforço de inverno, Lucho pareceu capaz de congelar a emotividade do balneário. Foi mesmo assim? "O Lucho não é de falar muito, comunica muito mais sem falar. O Lucho é sério, encara a sua profissão com seriedade, e trouxe-nos tranquilidade, experiência acumulada e qualidade", respondeu o treinador.
"Fomos o nosso principal adversário"
Nem Benfica, nem Braga, muito menos Sporting. Para ser campeão, Vítor Pereira teve de olhar para dentro e cerrar fileiras. Sabe, porém, que a concorrência quer dar o salto e que isso vai exigir mais de um dragão que também quer crescer na Europa.
O FC Porto não falhou nos jogos decisivos em Portugal. Tendo escorregado em outros, isso tem que ver com a tal descompressão que apontava?
Quando se sente que o desafio não é desafiante, temos um problema. Foi o nosso maior problema, aliás, dar uma dimensão desafiante aos jogos teoricamente menos complicados. Não tenho qualquer problema em admiti-lo e penso que os jogadores têm consciência disso.
Em que momento da época é que acha que a mensagem passou de forma definitiva?
Ganhámos em Coimbra 3-0 para o campeonato e as coisas aconteceram naturalmente nesse jogo, nem tivemos de acelerar muito. Isso foi um problema e quando lá fomos jogar para a Taça pensávamos que o jogo do campeonato iria repetir-se. Deixámos correr o tempo, fomos afastados e foi esse o momento em que tomámos consciência.
Mas mais à frente, em Barcelos, viu-se uma exibição muito parecida...
Basta situarmos o jogo no tempo. Foi a nossa única derrota, era mais bonito ser campeão invicto, mas não foi possível. Lembro-me de que foi a três dias do fecho do mercado; esse momento mexeu com os jogadores, percebi isso claramente. Mas isso é intrínseco ao ser humano. Por exemplo, até no jogo em Alvalade: foi um mau jogo, um jogo de transições constantes, com as equipas sempre partidas, sem sequências de quatro ou cinco passes que fosse. E quando foi esse jogo? No início de janeiro...
Houve jogadores que tremeram em janeiro?
É outra vez a questão das expectativas. Não mexe só com os jogadores do FC Porto, mexe com todos os jogadores, em todo o mundo.
Fazendo um balanço de tudo o que disse até agora, o FC Porto foi o seu maior adversário?
Acho que sim. Não tenham dúvidas nenhumas. Não foi o Benfica, não foi o Sporting, não foi o Braga, foi a própria equipa, fomos nós o nosso principal adversário. Por todos estes motivos. E temos consciência disso.
Eliminando o efeito novidade, de onde espera que venham as dificuldades na próxima época?
Espero uma época mais forte do que esta, mais tranquila também. Os jogadores do FC Porto são constantemente procurados por outros clubes, esse é um ciclo que se repete, mas pela experiência adquirida, pelo conhecimento que temos uns dos outros, acredito que faremos uma época mais forte e mais consistente.
Nessa linha evolutiva, de que jogadores espera mais na nova época?
De todos eles. E de mim próprio. Quero um jogo que nos permita ser mais fortes na Liga dos Campeões e na Taça de Portugal, naquelas competições onde queremos estar em melhor nível.
Foi uma desilusão a época europeia do FC Porto?
Se no jogo com o Zenit em casa tivéssemos concretizado metade das oportunidades que criámos, teríamos sido primeiros no grupo. Foram pormenores, decisões no último momento... Na Liga Europa, a eliminatória com o City foi disputada de igual para igual e conseguimos impor o nosso jogo em grande parte dos confrontos, mas cometemos erros em momentos cruciais que ditaram o nosso afastamento. Não posso negar que foi uma frustração para mim e para todos.
Os jogos europeus colocam desafios muito diferentes?
Na Liga, vivemos de dois momentos: a posse e a transição defensiva, a reação agressiva na perda de bola. Na Europa, temos de ser consistentes na organização defensiva e nas transições ofensivas, assim como nas bolas paradas. A Europa obriga-nos a ser uma equipa culta e adulta nos vários momentos do jogo.
Que desafios espera de Benfica, Braga e Sporting na próxima época?
O Benfica já não cometeu os mesmos erros do ano anterior; o Sporting já não ficou a trinta e tal pontos; o Braga aproximou-se. A época anterior foi uma época atípica, por mérito do FC Porto, mas muito demérito dos outros também. Este ano foi taco a taco, com grande desgaste, mas a tendência é para que as equipas que não ganharam já estejam a trabalhar no pormenor, no que falhou. Nós temos de fazer o mesmo.
"Se tivesse entrado com o André teria saído com ele"
A esta distância, compreende a decisão do André Villas-Boas há um ano?
O André é um portista, atenção... Daqueles portistas! Ganhou tudo, sair do clube do coração bem por cima deve ter pesado um bocadinho. Se fez bem ou mal, só ele o poderá dizer. Não faço ideia do que faria no lugar dele, ficava-me bem dizer que teria ficado, mas não posso dizer. Só quando confrontados com as situações é que percebemos. Eu decidi ficar consoante o que senti no momento, senti que devia cá estar. É preciso que se saiba que eu vim para o FC Porto convidado pelo FC Porto, não pelo André. Se fosse ao contrário, e isso digo-o com certeza absoluta, se fosse o André que me tivesse convidado, se eu tivesse entrado com ele, teria saído com ele, disso podem ter a certeza absoluta, porque só estou na vida desta forma, não estou para aproveitar as oportunidades que outros me criaram. Tenho uma relação de amizade com o André porque foi tudo feito com clareza.
Por que sentiu que devia ficar?
Porque esta era a equipa que eu queria treinar, sabendo que seria uma época muito difícil. Mas seria fácil para algum treinador do mundo? Não seria, de certeza. Apesar de os jogadores serem os mesmos, não eram os mesmos...
"Senti que os jogadores andavam a ver o que tinham"
Durante a entrevista, Vítor Pereira avaliou, expôs, argumentou. Ele próprio, porém, sabe que esteve também em análise, inclusive pelos próprios jogadores. "Acho perfeitamente normal. Tinha estado por dentro de todo o processo, mas como colaborador. Eu vim de treinar o Santa Clara na II Liga, é natural que a minha competência noutras funções tenha sido avaliada, como eu avalio os jogadores que chegam. Naturalmente, passamos por um período em que senti que eles andavam a ver o que é que tinham", diz quem também ia avaliando a sua própria equipa técnica, ao ponto de ter promovido alguns ajustes: "Levámos tempo a perceber a dinâmica entre nós e o que cada um poderia dar. Quanto ao Quinta, precisamos de uma perspetiva de fora, de uma perspetiva mais tranquila. Depois surgiu o aproveitamento do Filipe, que já tinha alguns anos comigo e estava habituado à minha dinâmica. Quanto ao Paulinho, a ideia foi que, tal como o Semedo, pudesse ser importante no balneário, junto dos jogadores, num relacionamento de amizade e cumplicidade que ele nos conseguiu dar.
"Se com 16 não se cumpre..."
Como vê o panorama competitivo em Portugal? Está em causa a sustentabilidade do futebol português depois de situações como a do Leiria, associada ao incumprimento salarial de outros clubes?
Há que tomar medidas que credibilizem o futebol, premiando quem cumpre e penalizando quem não cumpre.
Há margem para alargamento?
Eu vejo tantos incumpridores que não entendo como seria possível. Se com 16 não se cumpre, com mais vai-se cumprir ainda menos. Neste país tomam-se medidas rápidas, soluções rápidas e com consequências gravíssimas, porque adiam problemas e criam novos problemas. Está a ser tudo feito em cima do joelho e nada disso beneficia o futebol. Isto vai ter custos.
O autorretrato de quem tenta fugir da exposição
Tem 43 anos, nasceu, cresceu e vive em Espinho e sagrou-se campeão nacional na época de estreia na I Divisão. Vítor Pereira dá-se a conhecer no futebol, mas preserva a privacidade fora dele. A O JOGO, porém, garante que a sua vida não se prolonga muito para além do treino. "Tenho uma vida pacata, Olival-casa, casa-Olival. Vou ao cinema uma vez por outra", diz este pai de três filhos, todos rapazes (entre os 10 e os 15 anos), que não veem no futebol mais do que um hóbi. "Já chegam os custos que o futebol tem numa família, aquilo que eu lhes retiro já chega. Tenho pouco tempo para eles", queixa-se, apontando a família como o seu refúgio, o escape que lhe permite afastar-se do lado mediático da sua profissão e do qual prefere abstrair-se: "Estou bem em Espinho, junto aos pescadores, é o meu habitat natural. Não me sinto bem nos Globos do Ouro, não é a minha praia."
Vincada nos discursos dos momentos mais marcantes esteve sempre a sua religiosidade, que Vítor Pereira não renega nem esconde, mas que não gostou de ver exposta. "No percurso a Fátima, não fui respeitado. Aquilo não é futebol, são as minhas convicções, a minha fé", apontou, incomodado com a presença de fotógrafos no percurso que fez no final da época, na companhia da mulher. Deus entra na casa de Vítor Pereira, mas fica à porta do Olival e dos estádios onde os dragões jogam. "Sou católico, de muita fé, mas só fui a Fátima pedir saúde para os meus filhos e para a minha família. Não peço títulos a Deus, não misturo futebol com religião", remata quem prefere não deixar a sua sorte em mãos alheias. Por isso, as palavras trabalho e competência andam de mãos dadas no discurso de Vítor Pereira, um antigo professor de Educação Física, futebolista frustrado que se serviu da carreira de jogador unicamente para pagar os estudos e chegar onde sempre sonhou: ser treinador do FC Porto.
"Agradeço aos adeptos"
A relação de Vítor Pereira com os adeptos flutuou ao sabor dos resultados. Feitas as contas, o treinador não o esquece no balanço. "Quero deixar uma mensagem de agradecimento aos adeptos e às claques, que muito nos apoiaram neste percurso", vincou, revelando que as abordagens que tem tido são muito positivas.