terça-feira, novembro 09, 2004

Miguel Sousa Tavares

Há horas de verdade

A vitória azul começou da maneira que todos os portistas desejavam: com um «frango» de Ricardo.

Um clássico «frango» de Ricardo: saída falhada a uma bola alta na pequena área. Do alto da sua inabalável soberba, Ricardo declarou: «Infelizmente não se quer ver as coisas como elas são». Pois não, e ele é ainda o único que acredita que todos nós não vemos e que todos nós compreendemos as evidentes e gritantes razões pelas quais é ele o titularda baliza de Portugal...



1. A QUENTE, SOBRE O F.C. PORTO-SPORTING: - Sempre achei estranho que os treinadores conseguissem ler o jogo a partir do «bunker» onde o vêem. Qualquer adepto de estádio sabe que, quanto mais alto subir no estádio, melhor vê o que se passa lá em baixo. Talvez por isso, não é raro observar grandes treinadores que seguem o jogo em pé, em lugar de sentados ao nível do chão, no «banco». No final do FC Porto- Sporting, Victor Fernandez (um dos que seguem os jogos sentados), disse que ao intervalo, na cabina, tinha «corrigido a posição do Diego e a do Costinha». A verdade é que o Diego - que havia feito uma primeira parte igual ao costume, isto é, a leste do jogo -, ressurgiu na segunda parte, acabando até por marcar um grande golo. Pergunto-me se Fernandez teria visto o mesmo e feito as alterações que conduziram o FC Porto a umaclarividente vitória se a estulta Comissão Disciplinar da FPF o não tivesse remetido, de castigo, para a bancada... - Durante uma hora certa - dos 15 aos 75 minutos - o Sporting não fez um único remate à baliza de Baía. Em 96 minutos não dispôs de uma só e flagrante oportunidade de golo. Manifestamente, servia-lhe o empate, não sendo o milagre possível.
O FC Porto, inversamente, dispôs de uma, duas, três, quatro, cinco,oportunidades de golo: à sexta, marcou. Deus não dorme durante 90 minutos. - A vitória azul começou da maneira que todos os portistas desejavam: com um «frango» de Ricardo. Um clássico «frango» de Ricardo: saída falhada a uma bola alta na pequena área. Do alto da sua inabalável soberba, Ricardo declarou no final, sobre o golo: «Infelizmente, não se quer ver as coisas como elas são». Pois não, e ele é ainda o único que acredita que todos nós não vemos e que todos com preendemos as evidentes e gritantes razões pelas quais é ele o titular da baliza de Portugal.
Tinha aqui, no Dragão, uma oportunidade única para calar os seus mais críticos. Mas, azar seu, desperdiçou-a e logo da pior maneira para alimentar essas críticas. Em lugar da humildade, preferiu, como sempre, a fuga em frente, reclamando-se de uma pretensa falta que a televisão desmente, sem piedade. Podia, depois do jogo e antes de falar, ter ido olhar para as imagens, mas preferiu continuar a chamar-nos a todos parvos. Recomendo-lhe a leitura da célebre fábula do Rei que ia nu. - De igual modo, não salvam o Sporting, desta vez, as habituais desculpas com a arbitragem e as «coisas estranhas»: António Costa fez um jogo de um só sentido - o das cores verde e branca. De um penalty perdoado a uma expulsão perdoada, sobram-me três folhas de bloco-notas de sentido único: na dúvida, sempre e sempre a favor do Sporting. - Mais unilateral ainda que a arbitragem de António Costa, só mesmo os comentários da SportTV, na sua habitual e infalível linha antiportista. Desta vez, aos comentários da «casa» juntaram-se os inacreditáveis comentários do sportinguista Manuel Fernandes, de todo esquecido do mínimo de isenção exigível à função que exerce. Passo por cima de todo o facciosismo demonstrado para me reter na profundidade subtil do comentário que lhe mereceu o segundo golo do FC Porto: «Animicamente, este golo foi mau para a própria equipa (do Sporting)». Pode crer. E o terceiro ainda foi pior.



2. Como ontem se escreveu aqui, nem A Bola, este Porto-Sporting foi um derby anormal, pelo simples e extraordinário facto de ter sido precedido por uma semana de absoluta ausência de hostilidades orais de parte a parte. Não houve «bocas» entre treinadores, dirigentes ou jogadores, não houve suspeições prévias sobre o árbitro (eu, por exemplo, só soube quem era o árbitro quando o jogo começou), não houve declarações sobre o «sistema», não houve provocações entre claques, nem sequer houve (nem poderia haver!) reclamações pelo facto de o FC Porto ter retribuído ao Sporting a «gentileza» de lhe reservar apenas mil bilhetes. Dá que pensar, em função do que se viveu no último Benfica-Porto - antes, durante e após o jogo. Dá ideia de que o «suspeito do costume» esteve ausente do país, esta semana, ou então de que o «suspeito do costume» afinal não é, ou não é sempre, o «troublemaker» do costume...



3. E, todavia, o «suspeito do costume» até teve razões de sobra para ter montado um cenário bem diferente, face à provocatória decisão do Conselho de Disciplina da FPF. O que diriam os dirigentes do Benfica ou do Sporting se, nas vésperas de ter de defrontar o FC Porto, vissem o
seu treinador remetido de castigo para a bancada, por ter, num jogo da Taça, levantado os braços ao alto e exclamado, de modo a que o árbitro o ouvisse: «Isto é falta!»? Mais extraordinário ainda é que a sanha justiceira dos senhores juízes do CD, punindo um treinador com o curriculum completamente imaculado porque, à vista de todos, é um verdadeiro cavalheiro do futebol, tenha deixado passar em branco, tal como o árbitro o havia feito, as arrepiantes imagens do Bráulio a partir o nariz do Areias, numa «bicicleta» impensada e, sobretudo, as da entrada de uma violência inaudita do Flávio Meireles, só por milagre não deixando o Costinha morto no relvado. Já se sabe de há muito (e eu já o escrevi várias vezes), que o desígnio dos Conselhos de Disciplina, da Liga ou da Federação parece ser o de perseguir o FC Porto e estabelecer, sem qualquer pudor, uma dualidade de critérios, que se aplica através de
uma fórmula simples: uma justiça para o FC Porto, outra para todos os outros. Mas, apesar de tudo, deveria haver limites, que parece que não há. Esta decisão do CD da FPF ultrapassou todos os limites do aceitável, denunciando-se a si própria como aquilo que é: uma paródia de justiça.
Registo o silêncio alheio à volta. Mas ele só vai durar até que outrem se sinta atingido por decisão até muito menos grave do que esta. Nessa altura, claro, ninguém se irá lembrar da doutrina estabelecida pelo CD da Federação.



4. Qual é o verdadeiro Benfica, versão 2004/05? O Benfica de consumo interno, das vitórias contra adversários menores, o Benfica líder provisório do campeonato e prometido campeão à 7.ª jornada, o Benfica dos discursos inflamados dos seus dirigentes, o Benfica que claramente apostou este ano, quase em desespero, ser campeão nacional, custe o que custar? Ou o Benfica dos jogos decisivos, dos jogos difíceis, dos palcos europeus, onde sucumbe «naturalmente» perante qualquer equipa mediana? O Benfica capaz de vencer tranquilamente um Vitória de Setúbal na Luz e proclamar aos quatro ventos que, não fosse o «sistema» e toda a gente constataria a sua evidente superioridade, ou o Benfica que paralisa de terror face a um Anderlecht ou um Estugarda? É que, por muito que isso pese aos benfiquistas, a segunda versão retira credibilidade à primeira e aos argumentos em seu favor. Não é campeão quem se proclama antecipadamente como tal, mas quem, em qualquer cenário, demonstra justificá-lo. «Quod est demonstrandum».



5. E eis uma boa notícia para os portistas. Ou melhor, uma boa notícia teórica: a UEFA prepara-se para introduzir nas regras do jogo a penalização subsequente dos «simuladores», cujas simulações tenham enganado os árbitros durante um jogo, em termos de justificar decisões,como penalties, livres perigosos e expulsões dos adversários, que acabam por influir injustamente no desfecho do jogo e que são, para todos os efeitos, uma forma de batota. Em termos objectivos, esta é uma boa notícia para os portistas porque, há muitos anos, que não temos um «simulador», treinado para tal e utilizado até como arma secreta para resolver jogos complicados- ao contrário de alguns dos nossos rivais, que dispõem de verdadeiros artistas na matéria. Porém, e como disse, para os portistas a boa notícia é apenas teórica. É que, se ela for avante como nova lei do futebol, quem a irá aplicar, entre nós, são exactamente os Conselhos de Disciplina. E, pelo exemplo agora visto, em que o Costinha acabou castigado e o Flávio Meireles impune, corremos o risco de no futuro vermos um jogador do Porto sair do campo com um
traumatismo craniano e depois ainda ser condenado como «simulador».
Pensando bem, mais vale que a UEFA deixe tudo como está.