domingo, março 11, 2007

Pois é...





Álvaro Magalhães,escritor no JN sobre táctica em Londres:


"Passam eles a vida a falar de rotinas, mecanização, filosofia de jogo, e, nas alturas cruciais, abandonam sem hesitar as suas laboriosas construções".




O que fez falta

Ainda se lembram do segundo golo do Chelsea no jogo de terça--feira? John Terry, fora do campo, lança "pó de estrelas" na bola e atira-a para dentro. Depois há uma, duas, três estrelas que se acendem ao mesmo tempo e lá ficaram os portistas a ver Champions pela televisão.


Ora aqui está o que poderia ser um confortável diagnóstico para a eliminação do F.C.Porto às mãos do Chelsea: era a Via Láctea contra a Pensão Estrelinha. Mas não foi bem assim. E o que parecia ser um acontecimento natural, quase inevitável, acabou por ter um sabor amargo, e doeu, doeu. É que o tal desnível entre as duas equipas não se notou durante a maioria do tempo, mais exactamente durante três das quatro partes da eliminatória. E ficou por se saber o que teria acontecido se a fada que protege Mourinho não tivesse apoquentado Helton. Deste esperávamos a salvação e dele veio o princípio da perdição. Acontece aos melhores, como se diz, embora, na verdade, raramente lhes aconteça (ou não seriam os melhores). Quem reparou nas exibições de outros dois guarda-redes brasileiros, Doni, da Roma, e Gomes, do PSV, que não são titulares da sua selecção, já sabe onde nasceram as qualificações mais improváveis.


Mas não foi só um outro Helton que fez falta. Também houve muito pouco Lucho e Quaresma, e houve Ricardo Costa a mais, já que não fazia lá falta nenhuma. Aliás, muitos portistas começaram a descrer logo que foi anunciada a equipa. Para certos treinadores é muito difícil resistir à tentação da invenção nestas ocasiões especiais em que está toda a gente a olhar para eles. Inventar é uma palavra prestigiada, excepto no futebol, onde é sinónimo de tentativa saloia de evidência. Uma lástima, portanto. Passam eles a vida a falar de rotinas, mecanização, filosofia de jogo, e, nas alturas cruciais, abandonam sem hesitaras suas laboriosas construções.

O professor já tinha caído nessa no jogo com o Arsenal e voltou a tropeçar na mesma pedra. Tanto quis jogar xadrez com Mourinho que se equivocou e precipitou e voltou a equivocar. Mais fleumático, o "special one" foi também mais preciso e influente. Não inventou: corrigiu, retocou. E, claro, ganhou. Foi pena, mas estivemos lá e fizemos a nossa prova de vida na primeira linha europeia. E agora que já passou a fase de ruminar tantos "ses" podemos aconchegar-nos em redor dos momentos mais calorosos desta campanha: os jogos de Hamburgo e de Moscovo, este golo de Quaresma, que foi um cânone de precisão e simetria, ou a trajectória rara daquela trivela soprada à barra de Cech, no Dragão, ou ainda as imagens de Mourinho e de Abramovic à beira de um ataque de nervos no intervalo do segundo jogo.

E agora adeus e até para o ano, já com Anderson, também Pepe e Quaresma, cuja venda será adiada pelo menos por mais uma época, e um Jesualdo mais experiente, logo, menos inventivo, e, claro, aquilo que claramente ainda faz falta para ser alguém na Europa: mais qualidade no centro da defesa e um ponta-de-lança que se veja. Pode ser?


Texto digitalizado por mim da edição JN papel