terça-feira, junho 19, 2007

Entrevista PINTO DA COSTA parte II




"Dinheiro de Anderson abateu o passivo"

Pinto da Costa explica que os ordenados dos administradores da SAD do FC Porto são estabelecidos por uma comissão de vencimentos independente.

A maior parte dos 15 milhões que o FC Porto recebeu do Manchester United à conta do pagamento da transferência do brasileiro Anderson já serviu para abater o elevado passivo da SAD do FC Porto, garante Pinto da Costa.

PÚBLICO - A SAD do FC Porto teve um prejuízo no último ano de 30 milhões de euros e este ano já vai a caminho de mais de 25 milhões. O acumulado é de cerca de 125 milhões de euros. Como se explica?
PINTO DA COSTA - O número referente a esta época e, por arrastamento, o do acumulado já não estão correctos. Porque tivemos, entretanto, a venda do Anderson.

Vai ser para abater no passivo?
Não é vai ser, já foi. O FC Porto recebeu 15 milhões de euros da primeira tranche e, de imediato, abateu mais de dez milhões ao passivo. É uma prioridade nossa reduzir o passivo e aproveitamos esse negócio para o fazer.

Mas o passivo tão alto não o preocupa? Não há cada vez mais o perigo de o FC Porto perder o controlo accionista da SAD?
Não, embora até o BPI tenha sido sujeito a uma OPA. As leis do mercado permitem-no. Mas não há qualquer perigo de insolvência, isso está perfeitamente controlado. Por isso é que estamos a tomar medidas, como a venda do Anderson.

O FC Porto, desde que foi campeão europeu, já encaixou cerca de 175 milhões de euros em vendas de jogadores...
O FC Porto vendeu daquela equipa europeia vitoriosa grandes jogadores. Vendeu o Paulo Ferreira, o Ricardo Carvalho e o Deco, que eram três estrelas. E depois vendeu o Derlei e o Nuno Valente, que já estavam na fase descendente da carreira. Mas quando se fala que o FC Porto desmantelou uma equipa campeã não se está a ser sério: foi forçado a vender porque era impossível manter um jogador como, por exemplo, o Ricardo Carvalho, que foi para o Chelsea ganhar mais num mês do que ganhava aqui num ano. E que conhecia essas propostas. Quando se fala nisto, quer-se passar a ideia de que se desbaratou uma equipa e se ficou com outra [digna de um campeonato] regional. Os jogadores não caem aqui de pára-quedas e o FC Porto "só" adquiriu o Helton, o guarda-redes da selecção do Brasil, o Fucile, internacional do Uruguai, o Lucho, um craque da selecção da Argentina, o Lisandro, que também já lá jogou, o Pepe, o Anderson, o Quaresma. A leitura correcta é que o FC Porto acabou um ciclo e preparou-se para outro.

Mas, no mesmo período, teve também receitas na Liga dos Campeões de 225 milhões... Não acha que uma boa parte podia ter sido para reduzir o passivo?
Podia se tivéssemos abdicado de continuarmos a ter uma grande equipa. Porque àqueles jogadores que referi há que acrescentar dois internacionais brasileiros, como eram o Diego e o Luís Fabiano, e o Seitaridis, acabado de ser campeão europeu. Infelizmente, estes não resultaram, mas o FC Porto fez novamente uma grande equipa. Se o FC Porto não tivesse o Helton, o Pepe, o Lucho, o Lisandro e o Quaresma, recentemente contratados, não tinha sido bicampeão este ano nem tinha ido aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. E, apesar de tudo isso, está a reduzir o passivo.

O que é questionado não é a capacidade de renovar a equipa. Cito Miguel Sousa Tavares, que referiu os mais de 70 jogadores com contrato e a vinda de Mareque, Sonkaya, Ezequias, Pittbul, Tarik, Leo Lima, Sokota e Diogo Valente...
Primeiro, o FC Porto tem 45 jogadores seniores, incluindo os do plantel, com contrato e não 70, contando com os emprestados e os miúdos. Segundo, há 25 anos que conheço e tenho estima por Jesualdo Ferreira, que na altura esteve para vir para o FC Porto, tal como, aliás, a certa altura da época passada. Por isso, como se pode escrever ter sido um empresário sul-americano a negociar a sua vinda do Boavista? É o maior absurdo e falsidade que pode ser dita, até tendo em conta o meu bom relacionamento com João Loureiro. Terceiro, não há clube nenhum que acerte em todas as contratações. E não é só em Portugal. Lembro--me que há um ano, no mercado de Inverno, o Benfica contratou o Moretto, o Marco Ferreira, o Manduca e outro qualquer. Ao fim de um ano, o único que lá está é o Moretto, que não joga. Não há uma varinha de condão que diga que este vai dar e aquele não. Agora, a nossa percentagem de acerto é excelente. Alguém conhecia o Helton quando ele veio do Brasil para Portugal? E quando ele veio para o Leiria já era com o fim de a seguir vir para o FC Porto. Caso contrário não teria saído do Brasil.

Isso já tinha sido falado, mas nunca tinha sido assumido...
Mas posso assumi-lo. É verdade. Agora, se tinha o Baía no apogeu, não ia trazer um jogador em que eu acreditava cegamente (e o treinador na altura nem o conhecia) para o colocar a suplente. Se na altura tivesse vindo para suplente do Baía se calhar já nem estava no FC Porto nem jogava na selecção do Brasil. O problema foi-lhe posto assim: temos o melhor guarda-redes português, Baía está no auge e não há hipótese nenhuma de se lhe tirar o lugar, nem queremos aqui desestabilizações; por isso, [você] fica no Leiria o tempo que for necessário. Aceitou, embora não tivesse contrato assinado connosco. Havia apenas um entendimento no sentido de que o FC Porto ficaria com o jogador contra o pagamento de uma compensação ao Leiria, que o mantinha em actividade.

Alexandre Magalhães diz que os administradores do FC Porto ganham em média, contando com as gratificações, quase 33 mil euros por mês. É verdade?
Quem vê os recibos sabe que isso não é verdade. A propósito, hoje recebi dos tribunais a comunicação de que o Ministério Público acompanha a minha queixa contra o senhor Rui Cartaxana por ele ter escrito que eu ganhava 60 mil euros, ou coisa do género, por mês. Também já houve um senhor que disse que fui à polícia afirmar que só ganhava 400 euros por mês, como se alguém acreditasse que isso pudesse ser o vencimento de um presidente de um conselho de administração seja de que sociedade for. Já ouvi de tudo. Anda muita gente preocupada com os vencimentos, por isso vou explicar algo importante. A administração da SAD, pelos estatutos, é remunerada desde que seja executiva e nunca nenhum administrador fez preço para a sua colaboração. Há uma comissão de vencimentos formada pelo doutor Domingos Matos - que, por acaso, além de presidente do conselho fiscal da SAD é administrador da Cofina, proprietária do grupo de jornais que mais falam e questionam os vencimentos dos administradores do FC Porto -, pelo doutor Alípio Dias - presidente do Conselho Superior da SAD e administrador do BCP - e pelo conhecido empresário Jorge Armindo. E quando a comissão de vencimentos me veio entregar a proposta para os vencimentos da administração, nem abri o envelope. Chamei o funcionário respectivo e disse-lhe: "Tem aqui isto, proceda em conformidade". Portanto, se alguma crítica possa ser feita (e não creio que deva ser feita) é à comissão de vencimentos.

Joe Berardo lançou uma OPA sobre o Benfica. Noutros países, os grandes milionários estão a tomar conta dos clubes...
Tudo é possível, desde que se obedeça às leis do mercado. Mas há uma coisa que é importante e que convém não esquecer: o FC Porto tem 40 por cento do capital da SAD e, enquanto eu aqui estiver, não alinhará em vendas e terá sempre o direito de veto. Agora, no dia em que esteja no clube um presidente, entre comas, "feito" com uma OPA, isso será possível. Mesmo sem OPA há sempre a possibilidade de um accionista comprar aos outros.

E veria essa situação com naturalidade ou com preocupação?
Depende. Podia ser uma dessas hipóteses e acrescentaria mais duas: desgosto ou satisfação. Tudo em função de quem comprasse e dos seus objectivos. Vou-lhe contar uma história. Em 1987, quando o FC Porto foi campeão europeu, fiz um plano não para dar um passo em frente (porque isso o FCP deu) mas três passos. E levei-o a várias pessoas, uma delas o comendador Gonçalves Gomes. Nesse plano, era preciso que alguém metesse o dinheiro ou que se responsabilizasse perante a banca. Eu não tinha capacidade para isso e, por isso, passava de presidente a director de futebol. E o plano só não foi para a frente porque nenhuma das pessoas que contactei (e que o aprovaram) aceitou que deixasse de ser o presidente. Hoje, há três accionistas de referência: Joaquim Oliveira, António Oliveira e agora os espanhóis da Chamartin, que perfazem quase 40 por cento. Se um cidadão qualquer comprar esses 40 por cento e vier investir para o FC Porto, fico todo contente. Agora se vier para dar cabo disto...


"Nunca disse que este era o último mandato"

A final de Viena e o Dragão marcaram os 25 anos de mandato. "As pessoas não sabem quanto custou fazer isto" [o estádio]


Está a começar mais um mandato, que já disse ser o último...
Nunca disse isso, puseram isso a correr, mas eu nunca disse isso nem o contrário.

Mas vai ser ou não? Uma das razões por que se concluiu isso foi por ter dito que estava a preparar a sua sucessão?
Eu não digo que vou preparar a minha sucessão. Isto não é uma monarquia, nem sou dono disto. Posso preparar o FC Porto e preparar as pessoas que estão no FC Porto para que isto corra normalmente sem mim. É diferente. Quem há-de decidir quem vai suceder-me quando me retirar são os sócios.

Há alguém que gostasse de ver substituí-lo?

Há muita gente.

Vou citar alguns nomes que já foram falados nos jornais: Fernando Gomes, António Oliveira, Rui Moreira, Fernando Gomes (ex-jogador), Antero Henriques...
Esse apoio, esse apoio... mas ele não é maluco [risos]... Não vou estar a dizer "este sim, este não" porque não é minha intenção tomar posição quando chegar a hora de decidir. Agora há coisas que são implícitas e é perfeitamente natural que gostasse de ver substituir-me alguém identificado comigo. Mas quando sair não interferirei em nada, rigorosamente em nada. Isso era deixar um espectro: quando ganhasse era eu que estava por trás, quando perdesse era porque não faziam o que eu dizia. A minha intenção quando sair é ir a toda a parte com o FC Porto, mas não intervir absolutamente em nada.

Mas que nomes é que lhe agradavam?
Estão na sua lista alguns (mas há mais) e estão outros que não.

Porque se recandidatou. Foi só porque querer construir o novo pavilhão?
Isso foi fundamental. Disse que não me recandidataria se houvesse uma candidatura credível. Daí a razão por que só me recandidatei no último dia, até porque achava que o FC Porto não podia cair num impasse. Em tempos, eu tinha dito aos colaboradores mais chegados que só me recandidataria se fosse possível construir o pavilhão. Sei o que custa aos sócios andarem a deslocar-se para Matosinhos, Fânzeres, Santo Tirso. Sei o
quanto sentem a falta de um pavilhão. Quando me disseram: vamos ter pavilhão, já está resolvido o problema e já há o projecto do agora Dragão Caixa, eu concordei continuar. Tenho de fazer justiça à acção e ao trabalho de Fernando Gomes, que foi fundamental. Mas não fico só pelo pavilhão.

Que balanço faz dos 25 anos à frente do FC Porto?
Tenho consciência que o clube ainda não parou de crescer. A marca está mais forte, há muitos anos que estabilizámos o número de sócios do clube acima dos cem mil, o que é magnífico. Temos a maior média de espectadores no nosso estádio e o maior número de lugares vendidos. Há dois mandatos fiquei porque me foi dito que era indispensável para o arranque do Dragão. Sacrifiquei os planos pessoais que tinha. Às vezes penso que fiz mal, mas quando olho para o estádio acho que fiz bem. A inauguração, toda aquela luta para o conseguir construir, todas as dificuldades que nos foram colocadas pela câmara, foi tudo tão difícil que, quando me perguntam quais os pontos que considero mais marcantes e que mais felizes me deixaram à frente do FC Porto só posso responder: a final de Viena e o Dragão. As pessoas não sabem quanto custou fazer isto...

O FC Porto continua sem relações com a Câmara do Porto?
Completamente. Somos completamente ignorados. Foi assim que a câmara decidiu, o que havemos de fazer? Também não temos nenhum prejuízo com isso. O que nos dava antes?

Consideração e recebiam-nos na câmara quando éramos campeões.
Sente falta disso?
Tenho pena, porque acho que era o lugar ideal para aquelas manifestações, que eram fantásticas. O FC Porto não deixa de ser campeão por isso e a mim não me faz diferença, até porque não me via na varanda a olhar para baixo e a ver o estado lastimável e triste em que transformaram a Avenida dos Aliados. Passei lá uma vez e quando vi como aquilo ficou nunca mais lá quis voltar. Ou vou por cima, ou vou por baixo... recuso-me a ver o que lhe fizeram.

Não recebeu os parabéns da Câmara do Porto pelo título?
Não. Curiosamente, a única força política que mandou os parabéns, com palavras até muito simpáticas, foi a DORP [Direcção da Organização Regional] do PCP Porto. Parece que houve um voto de louvor na câmara proposto pelo PS.

No Público