terça-feira, março 11, 2008

A GRANDE DEPRESSÃO - MIGUEL SOUSA TAVARES



1- A eliminatória perdida contra o Schalke e a forma como foi perdida, deixou-nos, a nós portistas, psicologicamente de rastos. Por várias razões, a saber:

— Porque desde cedo se percebeu que a Champions League ia ser o único verdadeiro desafio da época. O campeonato seria fácil demais para chegar a constituir desafio, a Taça da Liga era apenas um estorvo e a Taça de Portugal um prémio de consolação para vencidos de tudo o resto

– o que não seria e não é o nosso caso. Passar a fase de grupos era o primeiro e essencial desafio e foi ultrapassado de forma categórica. Aí chegados, também, é preciso sermos realistas: o FC Porto tem uma boa equipa, seguramente uma das melhores da Europa. Mas não tem equipa para ser campeão europeu. Os quartos-de-final seriam o culminar de uma época de êxitos, as meias-finais um marco quase inimaginável. Logo, muito dependeria do sorteio dos oitavos-de-final.

— E, em parte por sorte, em parte por mérito próprio (ter terminado em primeiro lugar no grupo faz bastante diferença), o FC Porto teve sorte no sorteio: o Schalke 04 era uma equipa perfeitamente ao alcance do FC Porto – com muito menos experiência, infinitamente menos futebol, muito menos categoria.

— Com o avanço conquistado no campeonato e a sorte de uma época praticamente sem lesões, o FC Porto pôde planear esta eliminatória com tempo e com capacidade de gestão do plantel, ao passo que o Schalke chegou à eliminatória sem poupanças, sem crença e em crise.

— E, enfim, porque, para o ano que vem, não sabemos se lá teremos o Bosingwa, o Bruno, o Lucho, o Quaresma ou o Lisandro. Conhecendo o que a casa gasta e olhando para as pouco subtis pressões da imprensa lisboeta ligada aos rivais, não é de prever que tal milagre aconteça.

Custa muito ser afastado da Europa por uma equipa que mostrou exuberantemente ser inferior e ter jogado sempre no factor sorte. Custa muito ver o melhor futebol derrotado apenas pela sorte e por um factor individual: um guarda-redes concedeu um golo perfeitamente evitável aos 3 minutos do primeiro jogo e que viria a revelar-se decisivo; o outro defendeu tudo o que era imaginável mais o que não era, até aos penalties do segundo jogo. Essa é a primeira razão deste tão triste desfecho: o FC Porto não teve sorte alguma nos dois jogos com o Schalke. No primeiro, merecia, pelo menos, ter empatado; no segundo, justificou a vitória por 3 ou 4-0, e acabou derrotado no penalties. Como já tínhamos visto no jogo com o Sporting, também é preciso que a sorte não esteja sempre do mesmo lado.

As grandes equipas conseguem contornar os erros de arbitragem e a sorte do jogo. Nem sempre, mas conseguem. O FC Porto não o conseguiu, o que quer dizer que também houve erros próprios. E, praticamente de todos. Jesualdo Ferreira esteve a um passo de uma época de êxito pleno, teve muito pouca sorte em não ter lá chegado, mas também cometeu alguns erros, a meu ver: o primeiro foi o do Helton – não vou voltar ao assunto, mas já dei a minha opinião de que não é jogador para grandes jogos. Não é, ao contrário de Neuer, do Schalke, um guarda-redes que garanta vitórias e milhões. Depois, Jesualdo teve o erro crónico do Mariano González. Quando o Fucile foi (injustamente) expulso no Dragão e ele fizera entrar o Mariano, o FC Porto não ficou a jogar com dez, ficou sim a jogar praticamente com nove e meio. No ano passado era o Renteria, este ano é o Mariano: pergunto-me que estranha fixação terá Jesualdo Ferreira neste Mariano González, o qual, basta olhar para a maneira como conduz a bola sem levantar a cabeça, as dificuldades que tem em dominá-la, a absoluta falta de ideias e capacidade de que dá mostras, para compreender que não cabe na equipa. Também Farias foi um erro de casting: será útil para jogos caseiros de pouco grau de exigência, mas jamais será jogador de grandes jogos. E, enfim, para quem havia anunciado que ensaiara os penalties durante a semana, prevendo um desempate nesses termos, Jesualdo mostrou que ensaiou pouco ou mal, ao contrário dos alemães. Pessoalmente, nunca aceitei a frase feita da «lotaria dos penalties». Quem alguma vez marcou penalties ou tentou defendê-los, sabe que há técnicas para tal que se apuram e há regras de ciência que aos treinadores cabe explicar. E, tirando Lucho, nenhum dos outros intervenientes do FC Porto nos penalties – Helton, Bruno Alves ou Lisandro – mostrou fazer a mínima ideia de como se marca e se tenta defender um penalty. Os alemães sabiam-no e, por isso mesmo, nem mesmo em superioridadde numérica durante quase uma hora, se preocuparam em tantar evitar a suposta «lotaria dos penalties».

Para além do erros que acho que Jesualdo cometeu, outros contribuiram também para a derrota: Lisandro falhou três golos no conjunto dos dois jogos; Tarik falhou dois no Dragão, um deles indesculpável; Quaresma esteve «ausente» do primeiro jogo e falhou um golo imperdível no segundo; Farias falhou outros dois no Dragão, de forma que tornou claras as suas limitações de vária ordem; e Lucho, que fez duas grandes exibições, continuou cativo de uma estranho temor de arriscar o remate para golo, quando tinha condições para o fazer.

E, todos juntos, mais um gigante chamado Neuer e um monstro chamado azar, escreveram a história de uma eliminatória ingloriamente perdida. Para o ano há mais? Pois, o problema é mesmo esse. Não sabemos se para o ano há outra hipótese como esta.

2- Camacho antecipou a sua morte anunciada e poupou ao «amigo» Luis Filipe Vieira a chatice de ter que despedir um amigo e o contratempo de ter que indemnizar o treinador que foi a sua aposta pessoal. E aí vão já dois, na mesma época: escolhidos por ele, descartados por ele. Até quando é que o discurso do Apito continuará a conseguir desviar as atenções?

3- Para consolo interno, costuma-se dizer que o «Sporting está em todas as frentes». Na verdade, não está em nenhuma por mérito próprio: está na taça UEFA porque falhou a continuidade na Liga dos Campeões e o sorteio tem sido misericordioso; está na Taça de Portugal, porque também lhe calhou jogar sempre em casa e contra equipas fracas; está na final da Taça da Liga, porque foi a única equipa das grandes que ligou alguma coisa ao assunto e, mesmo assim, porque, contra o Fátima, era uma eliminatória a duas mãos e contra o Setúbal lhe bastou ficar em segundo lugar num grupo onde atrás de si só havia equipas da segunda divisão; e, na Liga está a 20 pontos (!) do primeiro lugar, a seis da entrada directa na Liga do Campeões e a lutar presentemente por um lugar na UEFA. Contra o Benfica, pese à desajuda de Paraty, nunca mostrou argumentos suficientes par levar de vencida uma equipa que nem ao Leiria mete medo. E, noutro jogo da verdade, em Guimarães (com o seu querido Lucílio Baptista, por uma vez imparcial), mostrou-se inferior em tudo a quem lhe disputa o terceiro lugar. A falta de Liedson e a falta de orçamento não explicam tudo: há ali também muita falta de classe, muito menino que se acha vedeta internacional, mas que não imagina o trabalho que isso dá.

E, agora, que faz um adepto portista reduzido à tristeza deste campeonato? Torce pelo Guimarães e pelo Setúbal, para que sejam eles a disputar a Champions. E torce pela Académica e pelo Leixões, para que não desçam.