Até dá despedimentos quem não se curva perante a corja "instituição" e seu corjo-mor!!!
Ferreira Fernandes deixa o "Record"
O pedido de desculpas do director do jornal "Record", Alexandre Pais, a Luís Filipe Vieira, por uma alegada ofensa cometida pelo jornalista Ferreira Fernandes, levou este último a suspender a sua colaboração com aquele diário desportivo, uma vez que não aceitou a posição editorial assumida pelo jornal. Um episódio causado por um pequeno texto na última página da edição de segunda-feira, que suscitou uma resposta de quase uma página do presidente do Benfica na edição de ontem, acompanhada da resposta de Ferreira Fernandes e do pedido de desculpas do director do jornal.
Sabem quem é Ferreira Fernandes? É o autor desta pérola:
Assim não quero
Este ano é para esquecer. Cá estarei para o ano, para sair à rua, gritando pelo meu Benfica que ganhou um campeonato, o primeiro limpamente ao fim de uma dúzia de anos.
Sou benfiquista e estou incomodado. Envergonho-me pelos favorecimentos ilegítimos que, esta época, o Benfica tem tido. Sendo benfiquista, não posso dizê-lo? Não importa, digo-o na mesma. Era o que faltava, prescindir do meu direito de falar sobre o futebol, quando a minha vida foi toda determinada por não deixar de ter opinião.
Sou benfiquista como podia não sê-lo. Digo-o porque, ouvindo alguns, parece que ser de um clube aconteceu-lhes como a escolha de S. Paulo, na estrada de Damasco. Comigo, não. Deus não me apareceu, apontando a águia. Eu poderia ter sido do Porto, porque meu pai o era – a herança é um motivo nobre para se ser de um clube. Poderia ter sido do Sporting, porque a maioria dos da minha terra, da geração que me formou, o era – adesão devida, julgo, ao nosso conterrâneo Peyroteo, o primeiro futebolista angolano a singrar. A melhor das explicações que conheço para se começar a ser de um clube é dada por Miguel Sousa Tavares.
Ele dá mais razões mas gosto desta: por o FC Porto ter a camisola mais bonita do Mundo. Eu tornei-me do Benfica pela mesmíssima razão: por um acaso qualquer.
Depois de me ter acontecido, por razões inexplicáveis, ser benfiquista, sucederam coisas com mais fundamento: sou do Benfica porque não sou ingrato. Adolescente nos anos 60, eu era do Benfica pela mesma razão que um garoto da cidadezinha de Hoboken, nos anos 40, era fã de Frank Sinatra ou um finlandês de hoje usa Nokia. Como não termos orgulho no nosso único produto de exportação?
Relatos chegados ao Hemisfério Sul, directamente de Berna e Amesterdão confirmaram que eu tinha escolhido o que devia.
Mais tarde a adesão ficou definitivamente firme. Não era só aquele quinteto – José Augusto, Coluna, Torres, Eusébio e Simões – que me empolgava. O Benfica não era só bom: era único e precursor. Eu explico. Sou um filho dos anos 60 e vi o meu clube ensinar à Europa o que ela só conheceria décadas depois. Nos anos 60, quase não havia negros nos clubes europeus e o Benfica sempre os teve e bons: Santana, Eusébio, Coluna, Yaúca... Mas, sobretudo, o Benfica tinha um patrão negro, Coluna. Um patrão-patrão: aquele que mandava e era respeitado pelos seus, à vista de todo o
estádio. Hoje, dir-me-ão, que banalidade. Sim, como o voto das mulheres ou não enforcar prisioneiros. Mas alguém teve de apontar o caminho: o papel coube ao meu Benfica.
Isto para dizer que o meu clube é de outro campeonato, que não dessas historietas como a do jogo do Estoril no Algarve ou aquele penálti contra o Belenenses. Com outros também há falcatruas assim? Claro que há, mas as falcatruas dos outros só me irritam, não me ofendem. Como me irritam tantos anos sem ganhar um campeonato, mas não me ofendem. Ofende-me é que alguém se tenha esquecido do que me habituou: grandeza.
Esta época, o Benfica ou ganha o campeonato ou não ganha. Se não ganha, será mais um, em onze anos, a não ganhar.
Se ganha, é para esquecer: assim não quero. Cá estarei para o ano, para sair à rua, gritando pelo meu Benfica que ganhou um campeonato, o primeiro limpamente ao fim de uma dúzia de anos.