
Na revista do JN:
Amante de futebol, recusou uma viagem à Alemanha, para assistir a um jogo da selecção no Mundial e não esconde a razão:
" NÃO SOU ADEPTO DESTA SELECÇÃO E NÃO SOU ADEPTO DO SCOLARI "
Vou tentar exprimir tudo o que me vai na alma portista... "FAZEM FALTA PESSOAS COM LIBERDADE PARA DIZER O QUE PENSAM." Rui Madeira
" NÃO SOU ADEPTO DESTA SELECÇÃO E NÃO SOU ADEPTO DO SCOLARI "
"Nunca fui lateral, era central, só quando cheguei ao Marítimo é que o professor Nelo Vingada me colocou lá. Acostumei-me à posição, adaptei-me cada vez melhor e agora pretendo ficar ali o resto da minha carreira. Subo muito, mas sempre com a preocupação de defender bem, essa é a prioridade".Foi desta forma que o brasileiro se definiu numa entrevista a'O JOGO quando se apresentou ao serviço em Coimbra. Alto, tem 1,80 metros, o novo reforço do FC Porto já leva 102 jogos na Liga portuguesa, mas ainda não conseguiu fazer o gosto ao pé. Na época passada, participou em 26 jogos pela Briosa (21 como titular), efectuou 33 cruzamentos e apontou 13 cantos, confirmando ser dono de um bom cruzamento, característica que agrada a Co Adriaanse. Curiosamente, sofreu mais faltas do que as que cometeu (viu apenas um cartão vermelho e cinco amarelos) e conseguiu em média recuperar mais de três bolas por jogo.
PALAVRAS DOS OUTROS
Vibrar com o especáculo
Fernando Calazans, colunista do diário brasileiro "O Globo: "Mais violento do que Portugal e Holanda, que não fizeram tantas faltas assim, é muito difícil em Copas do Mundo. Não fizeram faltas, mas baixaram o sarrafo com inusitada selvageria, machucando uns aos outros sem dó nem piedade, enquanto Felipão vibrava com o espectáculo, se é que se pode chamar assim, e era enaltecido justamente por aquele incitamento".
Alguém mais reparou que os novos tempos constatados por Figo há coisa de duas semanas têm grandes parecenças com os antigos ou a Imprensa estava toda demasiado entretida a saltar nos camarotes?
Alguém deu conta de que a selecção portuguesa voltou a fazer o habitual?
E nós também? Estou a olhar agora - quer dizer, agora ontem às 19h27 - para o Abel Xavier na Sport-TV e a reparar que o cabelo lhe embranqueceu, mas embranqueceu por causa do efeito Clorane, não foi a mortificação por aquele penálti que provocou o estoiro da boiada nas meias-finais do Euro'2000. Ninguém chegou a dizer-lhe "rapaz, tem juízo, admite que puseste a mãozita à frente da bola e que empurraste os colegas, à falsa fé, para cima dos árbitros por seres incapaz de assumir que meteste água". Quando escrevo ninguém, quero dizer mais do que meia dezena de pessoas. A esfrega ficou para a vez seguinte, porque a gente, mesmo a gente que não tinha dúvidas a respeito do penálti, sentiu pena daquele pessoal que tinha jogado com tanta pinta. Mas a vez seguinte, bem na vez seguinte era complicado, porque em 2002 havia prioridades e o rescaldo da falta estúpida de João Pinto, seguida de um candidato a soco no árbitro Angel Sanchez, calhou no dia em que o seleccionador já tinha consulta marcada. Até por imposição hierárquica, havia que o atender primeiro. Ainda assim, lembro-me dos debates em que se discutiu o perfil do sucessor de Oliveira e era unânime: alguém que travasse a progressão desta má imagem.
Nesse parêntesis, o recorde de cartões em campeonatos do Mundo, mais a cabeçada de Figo que ontem andou nos jornais de todo o planeta, são mesmo o que o doutor receitou. Por isso, prossiga a histeria. Continuemos a berrar contra o árbitro e a ilibar os jogadores, ainda que tenham metido novamente a mão a uma bola desnecessária, quase infantil (Costinha), limpado o nariz de um adversário com a testa impunemente (Figo) e vingado com os pitons - para vermelho directo - uma falta de fair-play dos holandeses (Deco). Pode ser que as pessoas acreditem que a culpa foi toda de Ivanov. Até à próxima, pelo menos.
Lá fora
"É verdade que, no segundo tempo, o jogo quase vira uma batalha campal e a cabeçada que Figo deu num holandês não tem justificativa em nenhuma hipótese, no máximo explicação (...) Devia saber o que estava fazendo, macaco velho que é nos campos europeus"
João Ubaldo Ribeiro, escritor brasileiro, no jornal "O Globo"
Guus Hiddink não venceu dez jogos consecutivos em fases finais do campeonato do Mundo. Mas ganhou cinco e empatou dois sem Ronaldinhos, Rivaldos, Ronaldos, Kakás, Robertos Carlos, Decos, Figos, Cristianos Ronaldos, Maniches ou Ricardos Carvalhos. Na vez deles, dispôs de atletas coreanos e australianos em circunstâncias muito favoráveis: alguns sabiam jogar à bola quando lá chegou. Também não foi campeão do Mundo. Mas jogou duas meias-finais seguidas, primeiro dirigindo a Holanda e depois a Coreia do Sul. Escusam de ranger dentes por causa dos lapsos de arbitragem no Mundial'2002. Não interessa. Transformar a Coreia numa equipa que os árbitros conseguem ajudar é uma proeza e, para além disso, sei de alguns seleccionadores campeões do Mundo que encontraram igual simpatia entre os homens do apito na redentora caminhada de dez jogos consecutivos sempre a vencer.
Na aventura australiana, Hiddink foi menos profissional. Durante a qualificação, ninguém o viu na piscina do condomínio privado todas as tardes reflectindo na melhor combinação de jogadores ou estudando as protuberâncias dos adversários na sauna. Ao invés, treinou a equipa por correspondência e matou o tempo levando o PSV Eindhoven a outro título holandês, o sexto da sua lavra. À federação australiana não concedeu sequer uns minutos extra de anúncios televisivos para ajudar a pagar os selos. Em contrapartida, fez-lhes o pequeno favor de qualificar a selecção para o segundo Mundial da história, multiplicou por quatro os pontos feitos no anterior e está nos oitavos, os terceiros do seu currículo pessoal.
Porém, se me perguntarem o que mais me impressiona em Hiddink, descarto isto tudo e recupero dos arquivos uma conferência de Imprensa em que participei no relvado do estádio de Incheon, em 2002. Durante quarenta minutos, Hiddink deu respostas em holandês, inglês, alemão, francês, espanhol, italiano e até tentou um português abrasileirado de qualidade não muito inferior à de um certo seleccionador tão bom, tão bom que não precisou de saber mais do que metade de um só vocabulário para chegar onde chegou. Hiddink não terá tantos recursos, mas a um fulano como ele perdoa-se tudo. Outros nem ganhando quarenta jogos seguidos no campeonato do Mundo.
É preciso distinguir entre os cantores e os que gostam de cantar. A moda do «karaoke» trouxe para a vida artística muitos milhões de pessoas a quem sempre faltou a veia, mas nunca a vontade.
Também no futebol, curiosamente, há ocasiões especiais em que os especialistas ficam a pregar no deserto, estranhamente acompanhados por uma multidão de leigos. Cada Mundial é um caso típico. Os especialistas da bola põem-se legitimamente em bicos de pés e alguns até compram uma vestimenta nova para a solene ocasião e depois descobrem-se num autêntico arraial popular, onde todo o povão debita sentenças à velocidade da luz, entre uma trinca na sandes de courato e um gole na garrafa de cerveja.
Outro exemplo deste «karaoke» em que nos encontramos são os fóruns daTSF. Avisadamente, os responsáveis por esta rádio passam o ano todo a separar o trigo do joio: durante o dia o pessoal indiferenciado explica como é que se resolvem os principais problemas do país e à noitinha a tribo do futebol está acantonada na «Bancada Central», sob a batuta desse exemplo nacional da neutralidade que dá pelo nome de Fernando Correia. Os ouvintes da «bancada» já se conhecem, nem que seja de ouvido: é o Paiva de Alguidares de Baixo, o Silva de Mogadouro e a Leonor da Porcalhota.
Durante o Mundial a bancada vem abaixo. Todos os senhores doutores e todas as domésticas esquecem o custo de vida e os malandros dos políticos, arrogando-se o direito de ocupar a primeira fila da bancada, como se lá tivessem um lugar cativo.
Todos nós conhecemos uma vizinha ou um colega de trabalho que nunca nos falou de futebol, nem sabe quem ganhou o último campeonato e agora, desde que começou o Mundial, quer convencer-nos, à viva força, que o Scolari é o melhor do mundo e que a vitória sobre Angola foi um feito histórico.
Tentar discutir com estes «hooligans» do Mundial é tempo perdido. Se falamos em alhos, eles respondem-nos com bugalhos. Totalitários na sua ignorância, defendem a ditadura dos resultados sem concessão de espécie nenhuma. O Irão e a Holanda são a mesma coisa e agora, com o peito cheio dos nove pontos, até a Argentina é que tinha vindo a calhar, que a coisa ficava já resolvida. O Brasil, que quase todos pensam que só vamos encontrar na final, (como se fosse possível) é melhor que se vá pondo a pau.
No pólo oposto encontram-se os que pensam que o Mundial, para Portugal, só começa verdadeiramente amanhã e que a Santa de Caravaggio, ou tem as baterias carregadas, ou andou a desperdiçar energias contra o México, que nos farão mais falta daqui para a frente.
Sem hipervalorizar a forma sofrida como chegámos aos oitavos-de-final», a verdade é que até agora apenas cumprimos os mínimos. O sonho começa aqui e agora tudo o que vier à rede é peixe... graúdo.
O que o futuro nos reserva, se não for o céu, vai voltar a marcar a diferença entre os adeptos do futebol, que estão habituados a ganhar e a perder durante toda a época e os habituais «football haters» que nasceram este mês para o jogo e já querem ser tratados como adultos. No dia em que Portugal sair da Alemanha sem ser campeão, eles não vão ser capazes de achar que o futebol é mesmo assim e o pranto nacional vai ser medonho, antes de voltarem à sua vidinha.
Pensando bem é capaz de ser melhor, para não correr o risco de ter que passar o resto do ano a explicar-lhes o que é um fora de jogo.
Seleccionador precisa-se
Começa a ser preocupante a história da renovação de Scolari. Estamos no final de Junho, em Agosto a Selecção já tem agendado o primeiro jogo de preparação para dar início à fase de qualificação para o Euro'2008. Faz sentido pôr em causa todo o projecto por causa de um resultado? Scolari é melhor treinador se chegar aos quartos-de-final?
P- A organização do gabinete técnico actual é melhor do que em 2002, por exemplo?
R- Não me parece. As pessoas são as mesmas, não parece que se tenha modificado muita coisa em relação a 2002 ou 2000. Não correu foi tão bem em 2002; aliás, se a bola do Sérgio Conceição no jogo contra a Coreia tem entrado, talvez não houvesse o affaire-Coreia. Não entrou. A bola do jogo com Angola entrou.
P- E os assuntos extradesportivos?
R- Tudo o que foi dito foi dito, acho que está enterrado. Esta participação no Alemanha'2006 tem sido boa, positiva, há muita empatia, especialmente de Évora. Há magníficas condições para os jogadores e também para a Comunicação Social e neste particular por obra e trabalho de Joaquim Oliveira, que gostaria que fosse referido, já que ninguém salientou isso ainda.
P- As barafundas que se registaram no Euro'2000 (meia-final com a França) e Mundial'2002 (expulsão de João Pinto) podem voltar a repetir-se?
R- No Euro'2000, houve de facto uma revolta muito grande. Quando alguém com posicionamento importante em determinado organismo diz que os finalistas que gostaria de ver eram a Holanda e a França, é evidente que os outros semi-finalistas não vão gostar. Condicionou logo mentalmente. Depois aconteceu o lance com Abel, houve uma explosão enorme de alguns de nós, que não devia acontecer, mas aconteceu. Em 2002, se calhar todo o clima que se gerava ali à volta talvez tivesse levado a uma reacção um pouco intempestiva e exagerada do João Pinto. Tenho muita pena que tenha saído da Selecção Nacional sem ter feito mais um jogo depois daquele castigo da FIFA. Nunca se sabe, mas temos quase a certeza que isso não irá voltar a acontecer.»
Acho que foi na última página da "Seara Nova", numa secção intitulada "Factos e Documentos", por onde habitualmente desfilavam, sob a forma de notícias "sem comentários", as misérias e ridículos do regime, que li a redacção de uma menina de uma escola da região de Leiria intitulada "A Pátria". Estavam ainda para lavar e durar os tempos obscuros do "Deus, Pátria e Família" e do "Portugal do Minho a Timor", e a propaganda "patriótica" tinha-se, em tempos de guerra colonial, exacerbado até à esquizofrenia. A redacção rezava mais ou menos assim (cito, obviamente, de cor): "A Pátria é muito bonita. A Pátria tem muitas casas, muitas árvores, muitas coisas maravilhosas. Eu nunca fui lá, à Pátria".
Também eu "nunca fui lá, à Pátria", e quando, a propósito da selecção e do "Mundial", vejo tanta gente a agitar freneticamente bandeiras e a cantar o hino, pergunto-me muitas vezes: "De que é que esta gente está a falar? O que tem o futebol a ver com isso da Pátria?". É nestas alturas que os "patriotas" do futebol clamam à uma que devemos todos apoiar a selecção "nacional", e apoiá-la acriticamente porque a Pátria, como o outro dizia, "não se discute".
Os sociólogos poderão talvez explicar, ou tentar explicar, o que leva tantas pessoas, jovens e não só, a pôr, a pretexto do futebol, bandeiras nacionais à janela, a pintar a cara com a esfera armilar e as quinas, a agitar cachecóis verdes, vermelhos e amarelos, mas essas explicações passarão decerto ao lado do futebol. Na verdade, a maioria nem é provavelmente constituída por verdadeiros adeptos de futebol, pois a Pátria dos adeptos é, fundamentalmente, o seu clube, e os adeptos de futebol menosprezam-nos como intrusos, como "condutores de domingo", aos assim chamados "adeptos de selecção", que só aparecem, unânimes, no futebol por alturas de "Mundiais" ou de "Europeus".
O futebol tem esse poder, o de alimentar sentimentos comunitários de pertença e identidade e de delimitar fronteiras simbólicas entre "nós" e "os outros". Em tempos de crise de valores identitários, de desagregação e diluição cultural - as próprias línguas nacionais foram sendo relegadas para um estatuto subalterno face ao inglês comunicacional global; e não deixa de ser significativo o modo como os "adeptos da selecção" portugueses partilham espontaneamente simpatias com a selecção do Brasil, ou com a de Angola, países da mesma língua "materna" -, o futebol emerge como último território de afirmação de diferença e de reconhecimento. Se se tratasse, como tantas vezes se diz, apenas de necessidade de auto-estima de um país descrente de si mesmo, dificilmente se explicaria que o futebol mobilize, do mesmo excessivo modo, alemães, dinamarqueses, ingleses, japoneses, suecos, em torno das suas selecções "nacionais".
Símbolo da Pátria, a bandeira do futebol funciona hoje, quando escasseiam as grandes causas colectivas, como representação sobretudo da Mátria. Embrulhamo-nos nela como órfãos que somos, e gritamos "Portugal! Portugal! Portugal!" como quem chama por uma infância antiquíssima que confusamente pressentimos que perdemos. E, se não ganharmos "nós", que ganhe o "país irmão" (do mesmo berço matricial), o Brasil.
Enquanto campeonato do Mundo de futebol, o Alemanha'2006 está a sair-se um Mundial de atletismo surpreendente. O importante é "fugir" à Argentina. Ou "escapar-lhe", para usar o termo dramático adequado. Pensei bem no assunto e acho que correr seria uma medida apressada, sobretudo sem verificar primeiro se os argentinos vêm atrás de nós. Esse devia ser o parâmetro fundamental. Tomemos por certo aquilo que está subentendido na maioria das opiniões sobre o tema, ou seja, que Portugal se disporia a perder de propósito com o México, assumindo, no mínimo, o empate da Argentina com a Holanda três horas depois. Não seria boa ideia avisá-la? Está bem que Pekerman, um treinador estudioso e perspicaz, perceberia que Scolari tinha usado a segunda equipa, fácil de identificar por ter ainda parecenças com a primeira do Euro'2004, que o seleccionador aperfeiçoou cuidadosamente durante dois anos e que, na fase de preparação para o Europeu, deu provas de ser capaz de perder qualquer jogo com enorme competência. Nisso, meus amigos, temos de dar o braço a torcer. Mas coloquemos a hipótese de excesso de zelo. Técnico e jogadores empenham-se demasiado, os mexicanos explodem, fazem um jogaço à República Checa: Pekerman (suponhamos que Pekerman também não sabe de que modalidade é este Mundial) hesita. Fica a pensar 'olha que estes muchachos do México até podem lixar-me os oitavos, deixa-me mas é fugir deles" e desata a correr, só parando para capturar os portugueses pelo caminho, frustrando-lhes o tal plano sabidola de evitar a Argentina nesta fase para apanhar, mais à frente, a palerma da equipa que se desse ao trabalho de a eliminar. Portanto, fugir não é seguro. Até porque é muito difícil saber com exactidão quantos dos sete campeões europeus de 2004, que hoje regressam a Gelsenkirchen, será possível tirar do onze para garantir a derrota sem o risco de pôr os argentinos com mais medo do México do que de nós.
" Como é possível que uma equipa que ainda há dois anos foi Campeã da Europa, com 80% dos jogadores portugueses, entre agora em campo sem um único titular dessa época ou oriundo dos seus escalões de formação "
Haja decoroVi na RTP que os árbitros Pedro Proênça, Duarte Gomes, António Marçal e Lucílio Baptista assistiram ao jogo Portugal - Angola no restaurante Catedral da Cerveja, no Estádio da Luz.
Foi a primeira vez que beberam e comeram à borla sem ser depois de um jogo do benfica.
Levaram, como habitualmente, um cachecol encarnado, só que desta vez era da selecção.
Este grupo já é conhecido como a Tertúlia do Calabote, em homenagem ao seu ídolo de juventude.
in Abola
O Mundial'2006 é o campeonato do Mundo perfeito. Enquanto o planeta discute ética e deontologia, os limites do compromisso com as fontes e a independência dos jornalistas, as televisões aceitaram que a FIFA retocasse os jogos antes de lhos dar. Não há repetições dos casos duvidosos, não há imagens das invasões de campo, não são filmadas tarjas de índole alguma, mesmo que consigam escapulir-se aos SS, e ontem nem sequer houve a máscara de homem-aranha amarelo que Kaviedes enfiou na cabeça para festejar o terceiro golo do Equador. Só em diferido.
O Mundial'2006 é o Portugal sem suicídios do antigo regime.
O futebol passa por uma desinfecção cuidadosa antes de nos chegar a casa. Mas as pessoas não se opõem grande coisa a estas restrições pedagógicas. Lá no fundo talvez acreditemos todos que os nossos meninos e meninas, quando crescerem, hão-de encolher os ombros e saber ser superiores às decisões dúbias da arbitragem, porque aprenderam nos Mundiais de futebol. E também não hão-de entrar nos relvados durante os jogos nem usar as transmissões para pedir a namorada em casamento ou estender um lençol para dizer que moram em São Pedro da Cova. E usar máscaras, mostrar os mamilos ou dar um beijo de língua no capitão de equipa para festejar um golo está fora de questão a partir de agora: a FIFA não admitirá que as pessoas voltem a aproveitar-se do futebol. Só ela.
Perante a compreensão que estas medidas recolhem, percebe-se que o seleccionador e os jogadores da selecção façam tanto espalhafato só porque a Imprensa achou que jogaram mal contra uma equipa formada em grande parte por futebolistas desempregados e das segundas divisões. Se o Mundial tem de ser perfeito para tanta gente, porque não hão-de também eles usar um pouco de pó de arroz? Mais um pouco, quero dizer.
"Este Mundial não será demasiado fácil? Não haverá mais equipas fracotas do que é costume? As boas equipas estão a jogar mal, mas as más são tão mazinhas que lá vai dando para safar. Valha-nos a espevitada frescura do Equador! Parabéns à primeira equipa de pessoal da praia a passar à fase seguinte!"
"Nem dá para perceber se o Brasil jogou bem. É capaz de ter jogado mal. Mas, raios nos partam, porque ninguém joga mal tão bem! O Brasil não faz nada, mas esse nada que não faz dá gosto ver como é feito, e como depois se transforma, num ápice, num tudo que nunca se viu."
"Não convocar Baía foi uma decisão da federação"
Ruy Carlos Ostermann é o homem que escreveu a biografia de Luiz Felipe Scolari, logo após a conquista do Campeonato do Mundo pelo Brasil, em 2002. Encontrámo-lo ontem na sala de Imprensa de Berlim, antes do jogo dos canarinhos. Não parece ter 71 anos. É simpático, muito acessível e até perguntou se os portugueses tinham apreciado o seu livro. "Gosto sempre de saber se consegui passar a mensagem que eu e ele desejávamos", afirmou, com um sorriso tipicamente brasileiro, enquanto bebia um café.
Contou muitas histórias sobre a carreira de Scolari no Brasil e em Portugal. Houve uma que despertou imediatamente a curiosidade. "Eu sei que ele não é amado por todos no vosso país. Por exemplo, os adeptos do F. C. Porto começaram a gostar pouco dele a partir do momento em que recusou convocar Vítor Baía. Mas, se calhar, essa não foi uma decisão dele, mas sim da Federação Portuguesa de Futebol. Eu sei que todos os responsáveis da FPF negam isso mas um dia a verdade virá ao de cima", sublinhou.
E acrescentou "Toda a gente sabe do que estou falando. Scolari foi contratado com a missão de efectuar uma grande mudança no futebol português porque o outro Mundial tinha sido um fracasso. E foram-lhe feitas, desde logo, algumas exigências. Havia gente que não era confiável desportivamente. O Ricardo é um óptimo guarda-redes e dá também muitas garantias", recordou, com ar cúmplice, sem tocar mais no nome do guarda-redes do F. C. Porto.
Bilhetes diários
Gaúcho, tal como o "Sargentão" (ambos são naturais do Estado de Rio Grande do Sul), sublinhou que foi ele o primeiro a chamá-lo de Felipão. "Fui eu que lhe dei essa alcunha. Quando tinha 22, 23 anos, jogava como zagueiro no Caxias. Era um homem grande, pesadão, forte, mas tremendamente tosco do ponto de vista técnico. Aí, eu resolvi apelidá-lo de Felipão".
Apesar de tudo, sublinha que não é seu amigo íntimo. "Temos uma amizade profissional que tem mais de 30 anos. Gosto de saber como está a sua família mas nunca vou a sua casa ou estou com os seus amigos". Como pessoa, aponta-lhe defeitos e qualidades. "Ele começa a vencer os jogos antes deles porque é um líder à moda antiga competente, sério e muito trabalhador. Do ponto de vista negativo, considero que é uma pessoa demasiado obstinada. Perde imediatamente a cabeça num diálogo se percebe que há ironia ou maldade na outra pessoa".
Dos tempos do Mundial 2002, lembra os bilhetes que o treinador lhe entregava, todos os dias, na sala de Imprensa, às escondidas de toda a gente. "Depois de ele aceitar o meu convite para fazer a publicação, o qual foi feito muito antes do início dessa prova, só impus uma condição para escrever o livro. Tinha de me dar um diário para que não se esquecesse de nada. E tenho de orgulho de dizer que nunca me aproveitei disso para efectuar o meu trabalho de jornalista naquela competição. Os meus próprios colegas só viram os bilhetes escritos após o livro ser publicado porque tinha de haver muita seriedade naquele negócio".
Cronista do jornal "Zero Hora", comentador de rádio e moderador de debates no Brasil, Ostermann está presente, pela 11.ª vez consecutiva, numa fase final de um Campeonato do Mundo. "O primeiro foi em 1966, de má memória. Quem ficou a rir foram os portugueses", concluiu, com uma enorme gargalhada.
Antes da despedida, afirmou estar ansioso por voltar a ver Scolari. "Não falo com ele há vários meses. Por uma ou outra razão, que tem a ver com a agenda de nós os dois, não conseguimos trocar uma palavra".
António Pinto de Sousa, no "Jornal de Negócios":
"Se Portugal ganhar o Mundial, deveríamos - todos - contribuir com um dia de salário para o senhor Scolari".
E se perder?
Mário Grejó: «Anderson já vale 20 milhões»
ASSESSOR DESMENTE IDA PARA VALÊNCIA
Anderson tem uma sombra por estes dias em Porto Alegre. Mário Grejó, seu assessor, acompanha todos os passos do prodígio e soube por Record das notícias que circularam em Espanha, dando conta de que o médio tinha sido oferecido ao Valencia.
"Impensável ", classificou, não evitando uma gargalhada quando confrontado com os dez milhões de euros referidos como necessários para contratar o portista.
"Isso foi quase o que o FC Porto pagou por ele. Já vale muito mais. Depois de ter sido o melhor jogador do Mundial de Sub-17 e de já ter vencido títulos em Portugal, Anderson já vale 20 milhões de euros. No mínimo...", acrescenta, confiante no valor do esquerdino.
E promete: "Vocês ainda não viram nada do Anderson. Dêem-lhe mais alguns meses e vão ver do que o miúdo é capaz. É impressionante o que consegue fazer com a bola."
Para já, o futuro é mesmo o FC Porto, até porque "nunca ninguém falou com ele e o Jorge Mendes não o quer vender". E o camisola 30 ainda quer mostrar o seu futebol na Invicta. "Ele está bem, tem sido muito acarinhado e elogiado pelo treinador, que lhe deu muita confiança e prometeu que o vai utilizar mais na próxima época", confessou-nos o seu assessor.in record
Imprensa francesa crítica com equipa desinspirada
NULO COM SUÌÇA MERECE MUITOS REPAROS
A exibição da selecção francesa ontem com a Suíça merece fortes reparos na imprensa gaulesa desta manhã. A generalidade dos jornais frisa que a França "falhou" na estreia do Mundial'2006.
"Zidane e os amigos falharam a entrada no Mundial", escreve o L'Equipe, que acrescenta logo depois que a selecção não deu "qualquer garantia", criticando a "falta de inspiração e o pouco entrosamento". Domenech também não é poupado.
O Libération alinha no mesmo discurso do L'Equipe, afirmando que a "França, sem fôlego, falhou a entrada no Mundial".
O Le Figaro diz que a selecção francesa "não teve ritmo nem praticamente qualquer ocasião de golo". O jornal acrescenta que o nulo não compromete as aspirações mas também não esclareceu as dúvidas em relação ao valor da equipa.
Para o Le Parisien têm de começar já a pensar em ganhar os dois próximos jogos.
O France Soir afirma que a "equipa de França corroída por uma doença crónica", não foi capaz de ganhar a uma "formação helvética sólida mas não imbatível".
O golo de Pauleta, logo aos quatro minutos, não me soube bem. Como muitos outros portugueses, eu carrego a culpa do colonizador. Sendo o futebol qualquer coisa entre o bailado e o combate, o nosso passado comum induzia a coisa a ser lida à luz do combate (aliás, foi o que se passou há três anos naquele famoso jogo amigável que não chegou ao fim).
Foi por isso que o golo de Pauleta aos quatro minutos parecia, na minha cabeça complexada, trazer anexa a frasezinha do dr. Salazar quando declarou a guerra: "Para Angola rapidamente e em força." Que jogo chato, carregado de fantasmas. Que maçada. Não podíamos escapar à história, não nos podia ter calhado outra equipa?
Que seca.
Depois, aquilo foi como foi. Eu achei que foi bom. A bem dizer, óptimo. Um golo aos quatro minutos não foi, afinal, nenhum princípio de combate. Foi um golo só. Acabou por ser um golo do mais ex-colonialmente correcto que se podia arranjar.
O marcador foi um bom acaso: Pauleta é açoriano e o arquipélago dos Açores foi durante séculos um filho ignorado da desnaturada metrópole imperial. Como os angolanos, também os açorianos queriam a autodeterminação (e conseguiram-na com a autonomia, um grau intermédio com órgãos de governo próprios). Como os angolanos, também os açorianos foram vítimas do império.
Também podia ter sido Cristiano Ronaldo a marcar o golo. A Madeira, por assim dizer, também era uma colónia (aliás, ainda hoje o sr. Jardim e os seus amigos continuam a chamar "colonialistas" e "portugueses" às autoridades civis e militares, o que prova que a coisa não se dissolveu).
Quando o jogo acabou, suspirei de alívio. Um-zero, sim senhor. Um-zero ameniza a culpa. Idealmente, teria gostado (a minha culpa teria gostado) do empate. Com golo do Mantorras, do querido Mantorras, com o golo do meu Benfica. Preferia que fosse o meu Benfica a marcar um golo. Não sei se este pensamento, no entanto, é ex-colonialmente correcto.
E por falar em pátria. As mulheres da minha pátria fizeram aquela coisa patética da "mais bela bandeira". Foram postar-se ao sol, no Jamor, para trabalhar à borla para o Banco Espírito Santo. E, ao que parece, divertiram-se. Depois, na semana passada, o Expresso resolveu oferecer uma bandeira nacional a cada leitor. Só que a bandeira, como o festival parolo do Jamor, também era uma bela maneira de promover o BES. Para lá das cores nacionais e o escudo e tal, lá estava o símbolo do BES. Nunca se tinha visto tão fantástica operação de propaganda, pelo menos desde que o patriotismo voltou a render.
Acontece que ontem a PSP de Viseu apreendeu uma centena de bandeiras num estabelecimento comercial por conterem inscrições de marcas. O Ministério Público diz que "eventualmente poderá tratar-se de um ultraje a um símbolo nacional". Então façam favor de investigar a bandeira do BES. Se a bandeira do BES não for investigada, é porque há justiça de primeira e de segunda. Além do patriotismo de segunda.
Jorge Costa abandona Standard de Liège
O experiente defesa português comunicou hoje à direcção do Standard de Liège que pretende abandonar o clube belga, mesmo tendo em conta que ainda tinha contrato até 2007.
De acordo com o site oficial do Standard Liège, o clube belga acabou por aceitar o pedido de Jorge Costa e jogador português já não irá marcar presença no treino marcado para quarta-feira.
1. A julgar pelas reacções que recebi (o e-mail, essa invenção), todos teremos de ser patriotas até à última gota de sangue. Acho bem. Ai dos que duvidam, ai dos que protestam ou desconfiam - há uma legião de embevecidos, que já ganharam o "reyno dos céos", que está disposta a tudo para defender as cores da Pátria, mesmo quando os seus representantes jogam medianamente (isto é um eufemismo; na verdade, eles jogaram mal). E Figo, além disso, enganou-nos as vitórias pela margem mínima (além da Argentina, temos o caso evidente da medíocre Inglaterra, mediocremente dirigida para fazer um futebol medíocre, mauzinho) não são assim tão abundantes. Olhem o Equador, olhem a Alemanha, olhem o México, olhem a Austrália e a Itália. Mas se estão contentes com a "margem mínima", tudo bem; nós somos apenas os "doidos da bola". Nem treinadores de bancada. Fiquem com a margem mínima.
2. Por falar em margem mínima, eu gosto de Zico. Gostei sempre, mesmo na derrota de Zico ao lado de Sócrates, quando aquela selecção de futebol bailarino achou que podia ganhar tudo e perdeu contra a Itália do futebol à Scolari. Portanto, Zico também gostei de ver como riu (com gosto) ao ver o golo de Nakamura, depois da faltinha sobre o guarda-redes australiano. Mas o destino é como o deserto australiano: vem longe. Aos 83 minutos Cahill parecia voar sobre "aquele grande recife de coral" - Guus Hiddink não faz o meu futebol, mas gosto do estilo. Em dez minutos, a vitória de Zico desapareceu como a poeira. Nós já fizemos o mesmo diante da Inglaterra, evidentemente, mas nessa altura não falávamos de margem mínima. Gosto, como se diz no Brasil, de vitórias "de virada" - aquele repente que dá a jogadores inconformados com o destino e com a margem mínima, que nunca chega para satisfazer derreados do espírito.
Apreciei a combatividade da Austrália, como a do Equador, esses heróis que venceram Brasil e Argentina há uns anos. Aquele futebol não era prático - mas respirava por todo o lado. Não queria saber de margem mínima nem recuava para o esquema do Portugal-Grécia. Está dito.
Retirado do Blog da Copa
Agora é a sério
Da terra de onde venho, onde cresci e me tornei homem, que é uma pequena aldeia a cerca de 20 quilómetros ao sul de Lisboa, Aldeia de Paio Pires, o pior que podiam chamar a um homem não era cabrão ou filho de puta (este muito grave), mas sim "um tretas", um palhaço.
Muito simplesmente porque, no tempo em que cresci e aprendi com essas pessoas, quer fossem mais velhas, da minha idade ou mais novas, o que se é era mais importante do que o que se faz, isto é, a prática é mais importante do que o pragmatismo.Por conseguinte, éramos mais julgados pela nossa conduta para com o outro (o amigo, por exemplo) do que pelo sucesso que tínhamos ou poderíamos ter. Em qualquer lado onde nos encontrássemos, um homem da terra, era um homem a ser defendido ou a defender-nos, as explicações ficariam para depois.
Esta introdução tem duas razões de ser: a primeira para que, caso o Felipão leia esta crónica, caso isso acontecesse (já vi coisas piores, como o jogo de estreia de Portugal), não me chamar de intelectual, como chamou aos que estão contra ele em Portugal, numa entrevista dada a um jornal de Porto Alegre (uma cidade nunca pode escolher os seus filhos); a segunda para dizer que o Felipão é "um tretas", um palhaço, pois para ele, mais importante do que os homens da terra, são as suas convicções, o que ele acha que está certo e mais nada. Não vou sequer discutir as opções dele pelos jogadores que começaram a jogar, seria leviano da minha parte, já que não sei da forma física e psicológica dos 23 jogadores que compõem o ramalhete de Portugal.
Mas uma coisa posso discutir: jogar contra Angola com apenas um ponta de lança é não querer marcar golos ou temer o adversário. Pauleta, neste jogo, seria muito mais produtivo com, por exemplo, Postiga a auxiliá-lo, a ser um segundo ponta de lança, em detrimento de Simão, não por este, mas pelo jogo que Portugal disputava. Por outro lado, ter vários modos de actuar, favorece a dificuldade dos adversários preverem o que se vai fazer, como se vai jogar. Já vi Felipão perder a final do campeonato da Europa, por teimosia, por falta de talento, por ser palhaço.
Talvez por isto, se tenha ouvido nas bancadas do estádio, os portugueses a torcerem por Angola (que nos é simpática, mas ali era adversário). Não foi só nas bancadas, desconfio.Eu, em São Paulo, passei a torcer por Angola, não contra Portugal, mas a favor de Angola e contra Felipão. Termino por dizer que o argumento de o português ter inveja do brasileiro não colhe na minha pessoa. Pois não só vivo no Brasil, torço pelo Brasil, como também julgo o Brasil um grande país, pais de que me orgulho de fazer parte.
Simplesmente a selecção portuguesa não é a selecção brasileira! Ter sido campeão com aqueles jogadores que o Felipão foi não é difícil, difícil seria não ser. Mas fazer Portugal perder duas vezes da Grécia, em duas semanas, em Portugal, isso já é preciso algum talento. Em Portugal, um técnico não se pode dar ao luxo de ser teimoso. Força Brasil, força inteligência, força competência. Resta-me a consolação de saber que o Senhor José Mourinho prometeu acabar a sua carreira, cedo, ao serviço da selecção nacional portuguesa.
Carreira e palmares:
Nome: Vítor Manuel Martins Baía
Idade: 36 anos. Nasceu em São Pedro da Afurada (Vila Nova de Gaia) a 15/10/69
Família: Divorciado. Tem dois filhos, Diogo,de 13 anos, e Beatriz, de 9 anos
Habilitações académicas: Frequência do 11º ano
Clubes: Académica de Leça (até 1983);FC Porto (1983-1996; 1999 até ao momento);FC Barcelona (1996-1999)
Primeiros títulos: 1 Campeonato Distrital de Iniciados; 2 Taças Nacionais de Juvenis;1Campeonato Nacional de Juniores
Títulos seniores: 9 Campeonatos de Portugal; 5 Taças de Portugal; 7 Supertaças de Portugal; 1 Campeonato de Espanha;2Taças do Rei; 1 Supertaça de Espanha;1 Taça das Taças; 1 Taça UEFA;
1 Liga dos Campeões; 1 Taça Intercontinental
Internacionalizações: Selecção A; 76; Sub-21: 8; Juniores: 4; Juvenis: 11
É presidente do Conselho Fiscal do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol
É autor da autobiografia "Vítor Baía 99" e co-autor do livro infantil "Contos Redondos"
A sua fundação - Vítor Baía 99 - foi criada há dois anos para apoiar crianças e adolescentes desprotegidos"Quero voltar ser o número 1"
O guarda-redes do FC Porto fala da Selecção, de Scolari, do seu clube e do mundo do futebol. Confissões do jogador com o maior palmares do mundo, que começou benfiquista e deve a carreira à irmã.
O Mundial de Futebol abriu ontem as portas e Portugal tem amanhã o seu pontapé de saída frente a Angola. Tal como aconteceu no Euro-2004, o Vítor Baía volta a ser o grande ausente da Selecção Nacional. Qual a razão por que o seleccionador nacional, Luiz Felipe Scolari, não gosta de si?
Isso eu também gostava de saber. Esta situação vai perpetuar-se: daqui a 10, 20, 30 ou 40 anos toda a gente se vai lembrar do caso. E um enigma. É uma situação para a qual ninguém consegue encontrar explicação. Só há uma pessoa que tem a explicação para isso e essa pessoa nunca teve a coragem de admitir ou de falar publicamente o porquê. Enquanto assim for, isto vai ser falado como uma das maiores injustiças do futebol nacional.
Numa entrevista televisiva, na SIC Notícias, Scolari já disse que não o considerava o melhor guarda-redes português.
Ele é evasivo. Disse que considerava que convocava os melhores mas nunca disse que eu não era o melhor. Escondeu-se sempre na capa de seleccionador. Ou seja: "Só falo dos que cá estão". Vamos ver se quando ele sair, quando já não tiver a capa de seleccionador, se diz quais são os verdadeiros motivos. Porque, como ele não assume, aparecem nos meios de comunicação social boatos, não se sabe de onde, para branquear. Mas nunca é nada da boca do seleccionador. Já surgiram tantas coisas - algumas delas nada simpáticas para comigo, nomeadamente que eu não seria convocado por questões disciplinares, de comportamento e eu nunca tive um único problema disciplinar na minha vida de jogador de Selecção. Nunca!
Na sua carreira teve um único grande problema disciplinar.
Tive um, com o José Mourinho, mais isso é outra questão. Nunca tive qualquer problema com nenhuma pessoa relacionada com a Selecção - nem presidentes, nem directores... Absolutamente nada! O comportamento com os meus colegas foi sempre impecável. Portanto, é uma questão do próprio seleccionador. Tenho de respeitar mas não posso aceitar. Tenho esse direito de não aceitar. Aliás, estive com o seleccionador uma vez e gostei de ter conversado com ele. Pareceu-me uma pessoa de bem, por isso é que estranho tudo isto.
Esse único contacto que teve com Scolari foi em 2003 durante uma viagem à Suíça, por ocasião de um jogo promovido pela ONU. Por que não lhe perguntou a razão de não o convocar?
Achei que não o devia fazer.
Pensou que tudo acabava por se resolver?
Qualquer um acha que a melhor via para se ir à Selecção é o rendimento em campo. Sou campeão da Taça UEFA, da Liga dos Campeões, varias vezes campeão nacional, tenho várias Taças de Portugal, fui considerado o melhor guarda-redes da Europa pela UEFA em 2004. Isto não é o suficiente para se ir a uma selecção nacional? E suficiente para ir à melhor selecção do mundo! E nem convocado sou!
Não se importava de discutir a titularidade com o Ricardo?
Não tinha problema nenhum. Aí, o seleccionador decidiria. Tal como o António Oliveira decidiu quando me viu treinar e ao Ricardo antes do Campeonato do Mundo de 2002, na Coreia. Se o seleccionador sentisse que outro colega meu tinha mais garantias, para mini perfeito. No Porto aconteceu-me exactamente o mesmo e toda a gente dizia que a minha reacção seria negativa, que eu não tinha perfil para ser o número dois, que iria criar mau ambiente, que seria um mau profissional... A prova está em que eu deixei de jogar no meu clube e as pessoas só têm a falar bem de mim.
A convocatória para este Mundial também gerou polémica com a exclusão de Quaresma, seu colega no Porto.
O Quaresma é um talento e todos sabem que ele tinha valor para lá estar. Quando o melhor jogador de um campeonato nacional não cabe na Selecção...?! Pelos vistos, não são todos filhos do mesmo Deus.
Considera-se o Romano português?
São casos diferentes.
Diferentes porquê?
Não sei se um caso com um jogador mediático não poderá ser uma estratégia para motivar os restantes e a partir daí ter os jogadores todos do lado dele. Se contra tudo e contra todos, ele não convocou o Romário e conseguiu ter a selecção brasileira toda do lado dele...
Mas houve uma vaga de fundo no Brasil...
Sim, mas ele teve a equipa toda do lado dele e acabaram por ser campeões do mundo.
Parece-lhe que isto tem unido a equipa em torno do Scolari?
Não sei. Se calhar sim. Porque a Selecção é uma Selecção unida. Porque aquilo funciona como um clube. Isso é uma política acertada do ponto de vista da união do grupo mas não nas outras componentes.
Entendeu como uma "provocação" a convocatória de Bruno vale, à data guarda-redes da equipa B do Porto, para o Euro-2004.
Pensei: "Mas que mal fiz a este homem para ele me estar a fazer isto?" Certamente com um futuro brilhante à sua espera, ele não deixava de ser o terceiro guar-da-redes do FC do Porto e nem sequer tinha sido uma única vez chamado à selecção principal. De repente aparece assim... Nem foi só comigo, acho que foi uma surpresa para todos os guarda-redes da Primeira Divisão.
Scolari voltou a insistir nele (entretanto substituído pelo Paulo Santos devido a lesão), no Quim e no Ricardo. Eles são melhores guarda-redes do que o Vítor Baía? Quem é o melhor guarda-redes de Portugal?
O que posso dizer é que, por muito respeito que me mereçam todos os guarda-redes portugueses, o meu termo de comparação nunca esteve em Portugal.
Quem é o seu termo de comparação?
O meu termo de comparação é o querer estar ao nível dos melhores do mundo. Nunca me preocupei com A, B ou C...
Estamos a falar de quem? O Preud'Homme? o Schmeichel?
Todos. É conseguir estar entre os melhores do mundo. É chegar a ser o melhor guarda-redes da Europa. Ser o melhor! E isso já consegui. A questão nacional para mim era um tema menos importante.
Considera-se então o melhor guarda-redes português?
Não me está a ouvir dizer isso, pois não? Nem nunca me vai ouvir dizer isso.
Estou-lhe a perguntar.
Respondendo à questão como estou a responder, respondo a tudo. Desde que comecei a minha carreira como sénior aos 18 anos quis sempre estar entre os melhores do mundo e demonstrei-o, não de letra, mas em campo, conquistando títulos importantes e sendo considerado pelas maiores entidades ao nível da Europa como o melhor. Não vou dizer que sou o melhor guarda-redes português porque sou logo criticado: "É pá, parece mal estares a dizer que és o melhor". Tenho de dizê-lo por portas travessas. É o país que temos.
Continua a deter o recorde da invencibilidade, não é?
1192 minutos em 2004. É obra. E custou bastante.
E desde 2004, quando conquistou o seu 27.° título, a Taça intercontinental - agora já tem 29 com o Campeonato e a Taça de Portugal deste ano -, tornou-se o futebolista com o maior número de títulos de sempre.
E ainda estou em actividade.
E, simultaneamente, passou a ser um dos oito jogadores do mundo que têm os três títulos europeus e a Taça intercontinental, e é o único português com as três taças europeias.
Da minha geração sou o único com esses quatro títulos. E há uma que ganhei mas não faço uso disso porque como estava lesionado nem sequer me sentei no banco; mas fomos todos convocados e se for ver os jogadores que ganharam a Supertaça da Europa pelo Barcelona, está lá o meu nome. Se a reivindicasse até era o único jogador no mundo com todas as taças.
O único título que lhe falta é com a camisola das Quinas. Para obter a titularidade no Porto teve de falhar o Mundial de Riade, invocando uma lesão.
O clube era obrigado a deixar-me ir a não ser que estivesse lesionado. E naquela altura não havia mais nenhum guarda-redes no FC Porto porque o Zé Beto estava castigado e o Mlynarczik lesionado.
Se o pudesse ter escolhido...
Escolhia o clube e depois o tempo veio a dar-me razão, porque tive uma oportunidade que podia ser única porque, na altura, apostar num guarda-redes com 18 anos era uma utopia. Só alguém com muita coragem e uma mentalidade completamente diferente do normal é que o faria. Artur Jorge foi essa pessoa.
Viu o jogo de Riade? Que sentiu?
Vi. Alegria. Vibrei com aquilo como se lá estivesse. Mas depois comecei a lembrar-me "Eh, eu podia estar ali também". Imagine a confusão que ia na minha cabeça.
Ficou dividido.
Fiquei, mas acabei por aceitar. Não tinha de lá estar.
Conquistar títulos é o que o faz correr?
Essa é a única forma de demonstrar o meu valor e de responder às pessoas que possam não ter uma opinião muito favorável - porque vivemos num país livre e eu não tenho de agradar a toda a gente. Não vou à procura de justificações para situações menos boas que me possam acontecer - a culpa é do vizinho, do sol, da água, da bola... nunca entro por aí - e tenho muito orgulho em ser assim, ou seja, assumo sempre as minhas responsabilida-des. É um erro tremendo irmos para a imprensa lutar contra tudo e contra todos, e falar mal de tudo e de todos. Só há um local onde podemos responder a tudo o que possa vir de menos bom: dentro do campo. E como? Ganhando títulos. Só assim conseguimos perpetuar um nome e uma carreira.
O que será uma boa classificação para Portugal neste Mundial?
Para uma Selecção o principal é a primeira fase, é uma barreira. Passada a primeira fase, qualquer equipa pode ser campeã do mundo. Depois é a eliminar e a partir daí tudo pode acontecer, porque há vários factores que pesam e nem sempre a que tem mais qualidade ganha. Desejo toda a sorte do mundo à Selecção e que cumpra os objectivos.
Vai ao Mundial a título pessoal ou como comentador de uma televisão, como aconteceu no Euro-2004?
Não. Vou estar o tempo todo de férias. Tive muitos convites para o fazer mas prefiro estar a descansar e tranquilo.
E se Portugal chegar à final vai assistir?
Não. A Alemanha não faz parte do meu itinerário de férias. Mas irei torcer por Portugal.
No Porto também tem estado no banco, sempre que Helton está operacional o treinador, Co Adriaanse, opta por ele.
Opções. Há que respeitar. É a mesma situação: respeito, mas posso não aceitar. No entanto, faço tudo para que o meu colega tenha todas as condições para poder jogar ao seu melhor nível. Não chego lá e crio mau ambiente, ou deixo de cumprimentar ou falar com o meu colega. Antes pelo contrário. As pessoas são diferentes. Eu sou assim. É a minha maneira de ser e orgulho-me disso. Ser diferente é algo que também me dá um prazer tremendo. As pessoas dizem: "Mas és diferente porque és mesmo ou é só aparência?" Sou diferente porque sou mesmo. As coisas saem-me com naturalidade. Não preciso de estar a fazer fretes, a fazer de conta que sou bom para, por trás, andar a minar tudo e todos e a fazer jogo sujo. Tem a ver com a minha educação, o meu crescimento e a minha maturidade. E o "mister" Adriaanse tem sido correcto. Tem as suas opiniões e demonstra-as duma forma frontal e educada. Respeito e posso aceitar ou não - mas isso já é um problema meu.
É uma espécie de regra um guarda-redes jogar na Liga e o outro na Taça...
Não é uma regra obrigatória, depende do treinador. Tinha a esperança de que poderia jogar a final da Taça de Portugal.
Ele disse-lhe a razão de não jogar a final da Taça?
O que o treinador fez, duas vezes, foi agradecer-me a minha postura, a minha ajuda, tudo o que tenho feito por ele, pelo clube e pelos meus colegas. Disse-me isto depois do jogo com o Penafiel, no qual nos sagrámos campeões, e depois da final da Taça de Portugal.
Tem contrato com o Porto por mais uma época. Se continuar no banco, admite seguir as pisadas do seu amigo Jorge Costa e ir para o estrangeiro?
Neste momento, o meu principal objectivo é cumprir o meu contrato. O meu pensamento não é de um jogador acomodado, longe disso, nem nunca poderá ser. Não está predefinido na minha mente que não vou jogar,mas sim que vou jogar quando regressar ao trabalho a 10 de Julho. Tenho a humildade de assumir e saber que sou o número dois. Mas na minha mente só há uma ideia: ser o número um e voltar a jogar. Ou seja, vou trabalhar e lutar para ser o número um, como se estivesse agora a começar a minha carreira. As pessoas pensam: "Mas este gajo é maluco. Então já ganhou tanto, já não precisa disto para nada e pensa como se ainda fosse um miúdo?" Mas esta é a minha forma de estar no futebol e na vida. Não estou acomodado a 29 títulos.
Deixar o Porto não é uma porta fechada...
Exactamente. Não vou estar a dizer que nunca irá acontecer isso porque não sei. Se tiver de seguir a minha vida, seguirei sem qualquer problema.
Da última vez que Pinto da Costa renovou o seu contrato e o do Jorge costa, ele disse que gostaria de continuar a contar convosco "na casa", mas provavelmente já não como jogadores.
Há sempre lugar no clube para jogadores que marcaram e fizeram tudo pelo clube.
Na equipa técnica?
Isso é uma suposição. Sentimos que as pessoas nos têm no coração porque é uma vida dedicada a uma causa, porque o FC Porto acaba por ser uma causa à qual nós só não damos aquilo que não podemos dar. Ficamos sempre completamente sugados de cada vez que temos de lutar por este clube.
Uma coisa é certa: tem azar com os treinadores holandeses porque no Barcelona teve graves problemas com Van Gaal.
Sim, mas penso que é coincidência, porque Co Adriaanse não tem nada a ver com o de Barcelona - esse faltou-me ao respeito. Aquilo foi assim: "Não gosto de ti porque não gosto de ti." E assim não havia nada a fazer. Porque ele dizia aos amigos que eu era o melhor guarda-redes que ele tinha. É maldade.
Mas tiveram alguma discussão?
Só tive uma discussão com ele - e grave - quando vi que não estava a ter uma oportunidade apesar das coisas não estarem a correr bem para o meu colega. Fui confrontá-lo com o que ele me tinha dito: que eu iria lutar de igual para igual. E ele diz-me: "O outro tem de estar muito, muito mal para tu jogares". Isto é brincar comigo, isto é maldade! Perguntei-lhe: "Você quer mesmo que eu me vá embora, não é?" Ele ficou a olhar para mim e não respondeu. Disse-lhe: "Olhe, o seu silêncio..."
Apesar de ter terminado mal a sua passagem por Barcelona começou da melhor maneira: em 1996, os seis milhões de euros da sua transferência tornaram-na na mais cara de um guarda-redes. E foi recebido apoteoticamente, até encheu a casa de electrodomésticos a troco de autógrafos.
Foi a primeira e última vez, porque aquilo foi de loucos. Tiveram de chamar a polícia e interromper o trânsito numa avenida enorme. Baixei a cabeça, meti-me no meio das pessoas e comecei a correr para a loja. Quando repararam que era eu, desataram a correr atrás de mim, mas consegui entrar na loja e salvar-me. Estive das sete da tarde à meia-noite a dar autógrafos.
Nem o Vítor tinha noção da sua popularidade...
Não. Pensava que era apenas uma figura nacional e, afinal, naquela altura já era uma figura internacional. Tinha muito a ver com o facto de já ter feito muitos jogos da Liga dos Campeões. E, a certa altura, os "media" espa-nhóis, nomeadamente os cata-lães, não sei como nem porquê, fizeram de mim um "sex symbol". Isto teve um impacto tremendo na comunidade feminina, e primeiro que eu conseguisse passar a mensagem de que era um homem casado e tranquilo... Aquilo era incrível: ia na rua e as miúdas começavam aos gritos e a chorar, atrás de mim... Pensava: "Isto não me está a acontecer". Via-me aflito para fazer as coisas que um cidadão normal faz, como ir ao cinema. Aqui em Portugal toda a gente sabia que eu era um homem de família...
Sim, mas em Portugal também é considerado o primeiro "sex symbol" do futebol nacional, o nosso Beckham...
Sim, mas lá teve uma repercussão tremenda.
Aqui não o abordam?
Abordam-me, dou autógrafos, mas é por simpatia...
Mas tem uma legião feminina de fãs.
Não sei, ouvi dizer que sim (estou a brincar). Cá não têm aquele tipo de manifestação.
São mais comedidas?
Controlam-se mais. Em Barcelona chegávamos ao aeroporto e era um caos, a polícia tinha de fazer cordões humanos até ao autocarro... Não era só comigo, era com todos os jogadores, púnhamos a cabeça de fora e as miúdas começavam a chorar e aos gritos... Era tipo uma "boys band" ou até os Beatles. Agora acontece o mesmo, se perguntar ao De-co como é quando vai a sítios públicos ele diz-lhe que é igual.
Depois do desaire de Barcelona regressa ao Porto e renasce para o futebol com José Mourinho. Considera-o o melhor treinador que teve, mas também foi com ele que viveu o seu único grave problema disciplinar. Não gostou que ele questionasse uma lesão sua, ele acusou-o de dar uma entrevista sem autorização do clube. Estas regras fazem parte dos vossos contratos?
No início de cada época é-nos entregue uma norma interna onde vêm as nossas próprias regras.
É nessa norma que aparecem as regras de relacionamento com a imprensa, um tema tão sensível no futebol?
Aparece tudo: as saídas nocturnas, a que horas temos de estar em casa... Por isso é que não se vê muitos jogadores do FC Porto, durante a época, na noite, e os que saem têm o castigo imposto pelo clube. Tem a ver com uma organização, com uma forma de viver do clube, se calhar, diferente de todos os outros.
Não lhe parece que os clubes fazem da comunicação social um bode expiatório dos problemas? São a única entidade colectiva a fazer "black-outs", a cortar relações com jornais... Nos "black-outs" o Porto é campeão.
Só temos pena dos "black-outs" pelos nossos adeptos, porque gostariam de estar mais informados e de ouvir os seus ídolos falar. De resto, não nos arrependemos porque têm a ver com as injustiças de que somos alvo.
E os "black-outs" resolvem esse tipo de problemas?
A nós tem-nos resolvido. Porque andamos tranquilos. Deitamos tudo lá para dentro, e as pessoas pensam que ficámos afectados com as críticas e a pressão negativa que exercem sobre nós, e é precisamente ao contrário.
Nunca se sentiu coarctado na sua liberdade como cidadão?
Não, porque faz parte da nossa cultura e não somos obrigados a nada. Não estamos num tempo de ditadura. Os "black-outs" são propostos quer pela direcção, quer pela equipa técnica, quer pelos jogadores. Depois tanto pode ser aceite como não. E só se faz quando há unanimidade, porque se houver alguém que seja contra, já não fazemos. Vivemos em democracia.
Se assim é qual a razão por que há jogadores que furam os "black-outs"?
Ninguém fura os "black-outs" no FC Porto.
Um dos principais factores de pressão no futebol são as claques dos clubes. No Porto tem havido alguns casos complicados nos últimos tempos: as ameaças de morte a Mourinho, uma emboscada ao carro do actual treinador, jogadores que sentiram necessidade de contratar segurança privada, etc. Comportamentos violentos que são tranquilamente assumidos pelos líderes das claques, inclusive em declarações à comunicação social.
É o lado negativo, o lado que não queremos e contra o qual lutaremos, por parte de claques.As claques também têm um lado positivo: a forma como nos apoiam, indo connosco para todo o lado, e é isso que queremos delas. Depois há um outro lado que me custa explicar, porque não estou no meio deles, e que tem a ver com cada um: com o seu ideal, com aquilo que cada um quer da sua vida.
Há uma certa tolerância dos clubes para com esses aspectos negativos.
As claques já fazem parte duma indústria, são rendibilizadas, têm rendimentos e já são geridas como empresas. Ou seja: já não é propriamente o amadorismo ou o correr por gosto, também têm as suas compensações, e por isso o tema é complexo, porque há ligações clube-claque, há coisas que escapam a toda a gente e que, no fim, se torna difícil de explicar.
Já foi alvo de alguma situação?
Não. Se calhar outros colegas meus não o podem dizer, mas eu, pessoalmente, não posso falar mal de ninguém: não posso falar mal da claque, não posso falar mal dos seus líderes, não posso falar mal dos adeptos do FC Porto, antes pelo contrário, porque para comigo têm sido extraordinários.
O futebol é fértil no campo das ligações perigosas, o que espera do processo "Apito Dourado"?
O que esperam todos: que a montanha não vá parir um rato. Muita gente já foi julgada na praça pública e, pelo que me é dado a entender, algumas delas, nomeadamente o meu presidente, sem ter sido provado. Isto é algo inaceitável: a condenação pública antes da saída da sentença final. E no futebol há um aproveitamento mediático muito grande disso como forma de atingir pessoas. Até ao momento, as pessoas foram todas ilibadas porque as suspeitas eram infundadas.
Porque o futebol é a única modalidade a estar permanentemente sob suspeita?
Porque é uma estratégia dos clubes para encobrirem o insucesso das suas equipas, as más contratações, maus treinadores...
Estratégia como?
Porque assim desviam as atenções. Se falamos da arbitragem, não vamos falar que os jogadores foram mal escolhidos ou a época mal planificada. E o Zé Povinho só se agarra a isto. O dirigente que queira desviar as atenções da má política do seu clube fala dos árbitros.
É uma estratégia na qual inclui oseu clube e o seu presidente?
É uma estratégia que está enraizada na cultura do dirigismo português, em todos os clubes de "top". E depois isso é alimentado pela imprensa. É uma cultura do país.
E qual a razão de ninguém chamar os bois pelos nomes e todos falarem do sistema...
Porque não há provas.
O que é "o sistema"?
"O sistema" é imaginário para justificar...
Octávio - o técnico que popularizou "o sistema"-passa a vida a ameaçar "é hoje que digo..."
Mas ninguém diz nada porque ninguém tem nada para dizer. E ninguém tem nada para dizerporque ninguém tem provas de nada. A única situação em que disseram que tinham provas ainda não conseguiram provar nada: a do "Apito Dourado".
Não há fumo sem fogo...
Não concordo. Basta-me já ter sido alvo de boatos e invenções para não poder concordar com essa teoria.
Ainda a pressão: o que tanto gritam os guarda-redes na baliza?
As pessoas têm uma opinião favorável a meu respeito, dizem "este menino é uma pessoa bem educada" e se eu fosse a contar...
Mas na televisão dá para uma ter uma ideia...
Ê assim: a minha vida fora do futebol não tem nada a ver com aquilo que sou ali dentro em termos de linguagem e de postura. Porque em campo acabamos por
ter leis diferentes, aquilo torna-se uma arena onde ganha o melhor e o mais forte. E eu quero ser o mais forte e vencer.
Portanto, transforma-se quando entra em campo...
Transformo-me porque quero ganhar. Mas não a todo o custo. Fazer batota e ser trapaceiro não tem nada a ver comigo. É duma forma agressiva? Sim, na maneira como comando a minha equipa.
O que leva para o campo?
Nada. Só o meu equipamento.
Tem algumas superstições?
Não. Tenho a minha fé, mas não tenho ritual.
Usa um termo habitualmente conotado com a religiosidade para descrever o seu gosto pelo lugar de guarda-redes: "chamamento". Porquê?
Era um gosto anormal naquela altura, porque todos os miúdos fugiam da baliza. Todos queriam jogar à frente... Aliás, naquela altura punha-se na baliza quem tinha menos jeito para jogar à frente. Mas eu desde logo fixei-me naquele lugar e nem queria saber de jogar mais à frente. Depois de tantos anos, ao fazer uma retrospectiva sinto que nasci com um dom especial.
"Dom" foi a palavra que a sua irmã Lurdes usou para demover o seu pai quando ele reagiu mal ao seu abandono dos estudos, no 11.° ano.
Não conseguia conciliar o futebol com os estudos. Foi complicadíssimo porque a reacção do meu pai foi bastante agressiva. Ao ponto de ele ter dito que fizesse as malas e saísse de casa. As mulheres da casa impuse-ram-se e disseram-lhe, primeiro a minha irmã e depois a minha mãe, que se eu saísse elas saíam comigo. Ele acalmou-se, reflectiu e agora o meu pai é o meu maior admirador.
E tornou-se num portista ferrenho, ficando para trás o amor ao Benfica, que, aliás, lhe havia transmitido. No seu caso, foi o seu primeiro treinador, ainda na Académica de Leça, Fernando Santos, que fez de si um "dragão". No gosto pelo clube mas não só... Ou poderia ser hoje economista como a sua irmã.
Um "olheiro" do Porto foi-me ver e ao Domingos, tínhamos uns 12 anos. O Domingos esteve bem e o guarda-redes da outra equipa brilhou, mas a mim quase não me viu defender. Ele disse ao Fernando Santos para levar o Domingos e o outro rapaz ao Porto, mas ele decidiu que ia eu, sem dizer nada a ninguém.
Mas quando passou de júnior para sénior, uma tromboflebite quase acabou com o seu sonho.
Foi na fase final do Campeonato de Juniores. Acordei com o braço direito pesado e adormecido. Era uma tromboflebite e ainda estive internado quase dois meses. Mas por causa disso não fui emprestado ao Famalicão e acabei por fazer a minha estreia na baliza do Porto, porque não havia mais ninguém disponível.
Como é que chegou de rapaz filho de um guarda-fiscal e de uma doméstica a dono de um carro milionário, o seu Mercedes McLaren?
Não falo desse tipo de questões, mas vou abrir uma excepção. Custa-me a compreender que jornais tenham feito primeiras páginas sobre isso, quando, se calhar, a nível nacional, os jogadores são das pessoas que mais solidariedade fazem. Tenho uma fundação que sobrevive maioritariamente com o meu dinheiro. E vêm-me agora falar de um carro e de luxos desnecessários?! Não posso, depois de tantos sacrifícios, cometer um excesso e comprar o carro dos meus sonhos?!
O que lhe falta fazer?
Tanta coisa! Por exemplo, dar seguimento a uma obra de que muito me orgulho, que é a Fundação Vítor Baía 99.
Quantas crianças já ajudou?
Muitas. Temos dois anos de existência, e é algo de que muito me orgulho. Outros projectos logo se verá...
Vê-se um dia sentado na cadeira da presidência do clube?
Oh, não...! Acredito que o presidente do FC Porto só sairá da presidência no dia em que deixar de existir, que eu espero que seja daqui a muitos anos. Por isso, enquanto o meu clube tiver um presidente como o que tem, isso nem me pela cabeça.
Pinto da Costa diz que o vê como um irmão mais novo, adoptivo. E o Vítor vê-o como um irmão mais velho ou como um pai?
Como um amigo. Mas não misturo as coisas. Ele é o meu presidente, o meu chefe e terá sempre o meu respeito, tal como ele vê em mim aquele jogador que só não dá o que não pode.