quinta-feira, junho 01, 2006

Praça da alergia

José Manuel Ribeiro no Ojogo:

Uma advertência: este comentário vai dar a ideia de que tem outra vez Scolari no centro, mas é só aparência. Ao prevenir-me com este aviso, não estou a fazer juízos sobre o que temos escrito sobre o seleccionador, nem a negar que ele goza e gozará sempre de uma generosa má vontade da minha parte e muito menos a reprimir-me para o bem do País. Pelo contrário, o apelo generalizado à repressão patriótica é que justifica umas palavras, por querer contrariar a natureza e os respectivos mecanismos de controlo. Seria fácil explicar a minha ideia se pudesse apresentar Scolari como uma bactéria e os críticos como a febre que a impede de se reproduzir, mas não seria educado chamar bactéria ao seleccionador - no mínimo, senhor bactéria - , por isso pego antes no exemplo dos deputados que decidiram dar a si próprios o direito de fazer um intervalo no trabalho quando houver jogos da Selecção. É sempre justo que suspeitemos deles? Será correcto que a opinião pública nunca lhes dê o benefício da dúvida? Não, mas também não acontece por acaso.

Duvidamos, a maior parte das vezes injustamente, dos políticos, dos médicos, dos juízes, etc, porque essa dúvida os coloca sob pressão, às vezes uma pressão pequenina, mas coloca. Matará poucas bactérias, mas mata. Quando se pede silêncio a quem não gosta de Scolari, não se pede apenas que o poupemos aos benefícios de uma censura: exige-se que calemos um impulso natural de que nós próprios somos vítimas, porque também os jornalistas e comentadores vivem sob suspeita. Aqui n'O JOGO, por exemplo. Se publicamos uma notícia do FC Porto, foi porque a recebemos embrulhada e fácil das Antas, nunca porque andámos a esgravatar para a ter; se a falhamos, é porque somos uns morcões inacreditáveis, tão simples é o nosso acesso. Se temos uma opinião favorável ao FC Porto, o motivo é óbvio; se temos uma opinião contrária, nem tanto, mas está claro que, lá no fundo, no fundo, o FC Porto acabará por ganhar com ela.

Muito antes de completar em Portugal tempo suficiente para tirar conclusões legítimas e ainda sem ter recebido mais do que críticas bem educadas da nossa parte, Scolari participou no mecanismo de controlo, chamando-nos "o jornal de Pinto da Costa". Um adulto esclarecido compreende isto e enfrenta-o como pode. Anteontem, no programa "Trio de Ataque", o Jorge Gabriel insinuou que a entrevista de Co Adriaanse foi dada a O JOGO e não a outro desportivo para que pudesse ser controlada pelo FC Porto, mas não o condeno por atirar para o lixo com essa leviandade o carácter de pessoas que ele não conhece. Dentro da mesma analogia das reacções biológicas, foi apenas mais um glóbulo que acorreu, a dar ao rabito, a um foco de hipotética infecção.