O golo de Pauleta, logo aos quatro minutos, não me soube bem. Como muitos outros portugueses, eu carrego a culpa do colonizador. Sendo o futebol qualquer coisa entre o bailado e o combate, o nosso passado comum induzia a coisa a ser lida à luz do combate (aliás, foi o que se passou há três anos naquele famoso jogo amigável que não chegou ao fim).
Foi por isso que o golo de Pauleta aos quatro minutos parecia, na minha cabeça complexada, trazer anexa a frasezinha do dr. Salazar quando declarou a guerra: "Para Angola rapidamente e em força." Que jogo chato, carregado de fantasmas. Que maçada. Não podíamos escapar à história, não nos podia ter calhado outra equipa?
Que seca.
Depois, aquilo foi como foi. Eu achei que foi bom. A bem dizer, óptimo. Um golo aos quatro minutos não foi, afinal, nenhum princípio de combate. Foi um golo só. Acabou por ser um golo do mais ex-colonialmente correcto que se podia arranjar.
O marcador foi um bom acaso: Pauleta é açoriano e o arquipélago dos Açores foi durante séculos um filho ignorado da desnaturada metrópole imperial. Como os angolanos, também os açorianos queriam a autodeterminação (e conseguiram-na com a autonomia, um grau intermédio com órgãos de governo próprios). Como os angolanos, também os açorianos foram vítimas do império.
Também podia ter sido Cristiano Ronaldo a marcar o golo. A Madeira, por assim dizer, também era uma colónia (aliás, ainda hoje o sr. Jardim e os seus amigos continuam a chamar "colonialistas" e "portugueses" às autoridades civis e militares, o que prova que a coisa não se dissolveu).
Quando o jogo acabou, suspirei de alívio. Um-zero, sim senhor. Um-zero ameniza a culpa. Idealmente, teria gostado (a minha culpa teria gostado) do empate. Com golo do Mantorras, do querido Mantorras, com o golo do meu Benfica. Preferia que fosse o meu Benfica a marcar um golo. Não sei se este pensamento, no entanto, é ex-colonialmente correcto.
E por falar em pátria. As mulheres da minha pátria fizeram aquela coisa patética da "mais bela bandeira". Foram postar-se ao sol, no Jamor, para trabalhar à borla para o Banco Espírito Santo. E, ao que parece, divertiram-se. Depois, na semana passada, o Expresso resolveu oferecer uma bandeira nacional a cada leitor. Só que a bandeira, como o festival parolo do Jamor, também era uma bela maneira de promover o BES. Para lá das cores nacionais e o escudo e tal, lá estava o símbolo do BES. Nunca se tinha visto tão fantástica operação de propaganda, pelo menos desde que o patriotismo voltou a render.
Acontece que ontem a PSP de Viseu apreendeu uma centena de bandeiras num estabelecimento comercial por conterem inscrições de marcas. O Ministério Público diz que "eventualmente poderá tratar-se de um ultraje a um símbolo nacional". Então façam favor de investigar a bandeira do BES. Se a bandeira do BES não for investigada, é porque há justiça de primeira e de segunda. Além do patriotismo de segunda.
O António José Seguro, ó Pedro Nuno?
Há 18 horas