terça-feira, junho 13, 2006

Fiquem com a margem mínima.


Francisco José Viegas no JN:


1. A julgar pelas reacções que recebi (o e-mail, essa invenção), todos teremos de ser patriotas até à última gota de sangue. Acho bem. Ai dos que duvidam, ai dos que protestam ou desconfiam - há uma legião de embevecidos, que já ganharam o "reyno dos céos", que está disposta a tudo para defender as cores da Pátria, mesmo quando os seus representantes jogam medianamente (isto é um eufemismo; na verdade, eles jogaram mal). E Figo, além disso, enganou-nos as vitórias pela margem mínima (além da Argentina, temos o caso evidente da medíocre Inglaterra, mediocremente dirigida para fazer um futebol medíocre, mauzinho) não são assim tão abundantes. Olhem o Equador, olhem a Alemanha, olhem o México, olhem a Austrália e a Itália. Mas se estão contentes com a "margem mínima", tudo bem; nós somos apenas os "doidos da bola". Nem treinadores de bancada. Fiquem com a margem mínima.

2. Por falar em margem mínima, eu gosto de Zico. Gostei sempre, mesmo na derrota de Zico ao lado de Sócrates, quando aquela selecção de futebol bailarino achou que podia ganhar tudo e perdeu contra a Itália do futebol à Scolari. Portanto, Zico também gostei de ver como riu (com gosto) ao ver o golo de Nakamura, depois da faltinha sobre o guarda-redes australiano. Mas o destino é como o deserto australiano: vem longe. Aos 83 minutos Cahill parecia voar sobre "aquele grande recife de coral" - Guus Hiddink não faz o meu futebol, mas gosto do estilo. Em dez minutos, a vitória de Zico desapareceu como a poeira. Nós já fizemos o mesmo diante da Inglaterra, evidentemente, mas nessa altura não falávamos de margem mínima. Gosto, como se diz no Brasil, de vitórias "de virada" - aquele repente que dá a jogadores inconformados com o destino e com a margem mínima, que nunca chega para satisfazer derreados do espírito.
Apreciei a combatividade da Austrália, como a do Equador, esses heróis que venceram Brasil e Argentina há uns anos. Aquele futebol não era prático - mas respirava por todo o lado. Não queria saber de margem mínima nem recuava para o esquema do Portugal-Grécia. Está dito.




Retirado do Blog da Copa

Agora é a sério

Da terra de onde venho, onde cresci e me tornei homem, que é uma pequena aldeia a cerca de 20 quilómetros ao sul de Lisboa, Aldeia de Paio Pires, o pior que podiam chamar a um homem não era cabrão ou filho de puta (este muito grave), mas sim "um tretas", um palhaço.

Muito simplesmente porque, no tempo em que cresci e aprendi com essas pessoas, quer fossem mais velhas, da minha idade ou mais novas, o que se é era mais importante do que o que se faz, isto é, a prática é mais importante do que o pragmatismo.Por conseguinte, éramos mais julgados pela nossa conduta para com o outro (o amigo, por exemplo) do que pelo sucesso que tínhamos ou poderíamos ter. Em qualquer lado onde nos encontrássemos, um homem da terra, era um homem a ser defendido ou a defender-nos, as explicações ficariam para depois.

Esta introdução tem duas razões de ser: a primeira para que, caso o Felipão leia esta crónica, caso isso acontecesse (já vi coisas piores, como o jogo de estreia de Portugal), não me chamar de intelectual, como chamou aos que estão contra ele em Portugal, numa entrevista dada a um jornal de Porto Alegre (uma cidade nunca pode escolher os seus filhos); a segunda para dizer que o Felipão é "um tretas", um palhaço, pois para ele, mais importante do que os homens da terra, são as suas convicções, o que ele acha que está certo e mais nada. Não vou sequer discutir as opções dele pelos jogadores que começaram a jogar, seria leviano da minha parte, já que não sei da forma física e psicológica dos 23 jogadores que compõem o ramalhete de Portugal.

Mas uma coisa posso discutir: jogar contra Angola com apenas um ponta de lança é não querer marcar golos ou temer o adversário. Pauleta, neste jogo, seria muito mais produtivo com, por exemplo, Postiga a auxiliá-lo, a ser um segundo ponta de lança, em detrimento de Simão, não por este, mas pelo jogo que Portugal disputava. Por outro lado, ter vários modos de actuar, favorece a dificuldade dos adversários preverem o que se vai fazer, como se vai jogar. Já vi Felipão perder a final do campeonato da Europa, por teimosia, por falta de talento, por ser palhaço.

Talvez por isto, se tenha ouvido nas bancadas do estádio, os portugueses a torcerem por Angola (que nos é simpática, mas ali era adversário). Não foi só nas bancadas, desconfio.

Eu, em São Paulo, passei a torcer por Angola, não contra Portugal, mas a favor de Angola e contra Felipão. Termino por dizer que o argumento de o português ter inveja do brasileiro não colhe na minha pessoa. Pois não só vivo no Brasil, torço pelo Brasil, como também julgo o Brasil um grande país, pais de que me orgulho de fazer parte.

Simplesmente a selecção portuguesa não é a selecção brasileira! Ter sido campeão com aqueles jogadores que o Felipão foi não é difícil, difícil seria não ser. Mas fazer Portugal perder duas vezes da Grécia, em duas semanas, em Portugal, isso já é preciso algum talento. Em Portugal, um técnico não se pode dar ao luxo de ser teimoso. Força Brasil, força inteligência, força competência. Resta-me a consolação de saber que o Senhor José Mourinho prometeu acabar a sua carreira, cedo, ao serviço da selecção nacional portuguesa.