É preciso distinguir entre os cantores e os que gostam de cantar. A moda do «karaoke» trouxe para a vida artística muitos milhões de pessoas a quem sempre faltou a veia, mas nunca a vontade.
Também no futebol, curiosamente, há ocasiões especiais em que os especialistas ficam a pregar no deserto, estranhamente acompanhados por uma multidão de leigos. Cada Mundial é um caso típico. Os especialistas da bola põem-se legitimamente em bicos de pés e alguns até compram uma vestimenta nova para a solene ocasião e depois descobrem-se num autêntico arraial popular, onde todo o povão debita sentenças à velocidade da luz, entre uma trinca na sandes de courato e um gole na garrafa de cerveja.
Outro exemplo deste «karaoke» em que nos encontramos são os fóruns daTSF. Avisadamente, os responsáveis por esta rádio passam o ano todo a separar o trigo do joio: durante o dia o pessoal indiferenciado explica como é que se resolvem os principais problemas do país e à noitinha a tribo do futebol está acantonada na «Bancada Central», sob a batuta desse exemplo nacional da neutralidade que dá pelo nome de Fernando Correia. Os ouvintes da «bancada» já se conhecem, nem que seja de ouvido: é o Paiva de Alguidares de Baixo, o Silva de Mogadouro e a Leonor da Porcalhota.
Durante o Mundial a bancada vem abaixo. Todos os senhores doutores e todas as domésticas esquecem o custo de vida e os malandros dos políticos, arrogando-se o direito de ocupar a primeira fila da bancada, como se lá tivessem um lugar cativo.
Todos nós conhecemos uma vizinha ou um colega de trabalho que nunca nos falou de futebol, nem sabe quem ganhou o último campeonato e agora, desde que começou o Mundial, quer convencer-nos, à viva força, que o Scolari é o melhor do mundo e que a vitória sobre Angola foi um feito histórico.
Tentar discutir com estes «hooligans» do Mundial é tempo perdido. Se falamos em alhos, eles respondem-nos com bugalhos. Totalitários na sua ignorância, defendem a ditadura dos resultados sem concessão de espécie nenhuma. O Irão e a Holanda são a mesma coisa e agora, com o peito cheio dos nove pontos, até a Argentina é que tinha vindo a calhar, que a coisa ficava já resolvida. O Brasil, que quase todos pensam que só vamos encontrar na final, (como se fosse possível) é melhor que se vá pondo a pau.
No pólo oposto encontram-se os que pensam que o Mundial, para Portugal, só começa verdadeiramente amanhã e que a Santa de Caravaggio, ou tem as baterias carregadas, ou andou a desperdiçar energias contra o México, que nos farão mais falta daqui para a frente.
Sem hipervalorizar a forma sofrida como chegámos aos oitavos-de-final», a verdade é que até agora apenas cumprimos os mínimos. O sonho começa aqui e agora tudo o que vier à rede é peixe... graúdo.
O que o futuro nos reserva, se não for o céu, vai voltar a marcar a diferença entre os adeptos do futebol, que estão habituados a ganhar e a perder durante toda a época e os habituais «football haters» que nasceram este mês para o jogo e já querem ser tratados como adultos. No dia em que Portugal sair da Alemanha sem ser campeão, eles não vão ser capazes de achar que o futebol é mesmo assim e o pranto nacional vai ser medonho, antes de voltarem à sua vidinha.
Pensando bem é capaz de ser melhor, para não correr o risco de ter que passar o resto do ano a explicar-lhes o que é um fora de jogo.
O António José Seguro, ó Pedro Nuno?
Há 17 horas