António Tavares Teles
1. Gilberto Madail não gosta que se critique nem a selecção nem Scolari e, do seu ponto de vista – o de presidente da Federação, e em última análise responsável pelo que vier a acontecer na Alemanha –, isso compreende-se perfeitamente. Embora também ele – Gilberto Madail – tenha de compreender que quem critica, e quem noutras circunstâncias louva de resto, fá-lo (quando o faz por isso, é claro) por imperativo de consciência, e não para retirar, aos 23 que (futebolisticamente falando, sublinhe-se) vão representar Portugal, hipóteses de sucesso. Sucesso esse que também será o nosso.
2. Embora creia que é preciso clarificar certas coisas. Esta, por exemplo: selecção é constituída por jogadores com um evidentíssimo interesse pessoal (e quando falo de interesse pessoal quero dizer proveito pessoal, e não só o emocional, o anímico) nesse sucesso, e por uma equipa técnica com o mesmo ou ainda superior interesse nessa matéria, recebendo todos eles (jogadores e seleccionador) chorudíssimos prémios (que costumam negociar até ao último cêntimo) em caso de vitória no grupo, nos quartos-de-final, nas meias-finais, e então na final nem se fala, pelo que a conta do torcedor já está à partida saldada com eles. Sabendo nós que, se conseguirem uma boa performance, terão ainda o prémio suplementar (e que prémio!) de verem valorizadíssima a sua cotação no mercado internacional, porque o nacional (em matéria de aspirações para eles) já há muito que ficou obviamente para trás.
3. Aliás, vistas nesta perspectiva, muito curiosas (para não dizer completamente ridículas) foram recentes declarações do seleccionador, segundo as quais “nunca (viu)” como neste estágio da selecção “tantas pessoas com tanta vontade para dar”, de tal forma que – declarou igualmente o mesmo seleccionador – “às vezes (tinha) de refrear-lhes o ímpeto”! Pelo que quase cheguei a convencer-me de que os jogadores seleccionados tinham abdicado dos prémios, ou coisa parecida... Só que parece que não: nem deram os prémios de volta nem, muitas vezes, se dispõem sequer a dar autógrafos, quanto mais cavaco aos jornalistas que cobrem os trabalhos da chamada “equipa de todos nós”, que no entanto os tratam quase na totalidade como se eles uns deuses fossem ou deles dependesse o destino da pátria.
4. Pelo que, quanto à questão da selecção – jogadores e seleccionador incluídos, suas funções, aspirações e interesses – estamos arrumados.
Restando contudo uma outra: a do apoio dos adeptos. Questão esta com duas vertentes, contudo. Uma, a do apoio que nos pedem; a outra, a do apoio que entendemos dar-lhe, ou dever dar-lhe.
Quanto ao apoio que nos pedem - como já vimos – é total: incenso absoluto, bandeiras portuguesas em todas as casas e em todos os carros, dísticos nas terras natais dos nossos “craques” ou nas ruas onde moram, fé nas três Virgens já convocadas para a ocasião – Nª. Sª. de Fátima, Nª. Sª. de Caravaggio, e agora Nª. Sª. da Conceição – etc., etc., etc.
5. Quanto ao apoio que entendemos dar, ou dever dar: bom, esse, é como no teatro, onde não se aplaude antes do final da peça. Ou então – é verdade – se aplaude aqui e ali, se uma cena é excelente ou um actor, ou uma actriz, magníficos. Porque não somos nós –apesar de tudo, público – que temos de dar alegrias aos jogadores e ao seleccionador, são eles que têm de dar-nos alegrias a nós. Para isso são seleccionados e pagos, sendo que, da alegria que do seu eventual sucesso resultar, para os adeptos resta apenas alegria, o que já é muito bom, sem dúvida. Mas, para eles, resulta um benefício que, repito, não é só emocional, anímico: tem tradução num quase certo lucro material, que eles não vão partilhar com ninguém.
Por isso, é aos “artistas” que compete produzir a “festa”, pela qual são pagos, não ao público, que ainda por cima tem logo à partida de investir nessa produção, sem saber se vai ter o retorno do seu investimento ou não.
6. Dito o que, e passando de resto por cima das recentes afirmações de Scolari a um jornal desportivo brasileiro – afirmações essas só ao alcance de um grosseiro personagem como ele – é evidente que não só desejo que a selecção portuguesa (com este ou outro seleccionador) faça sempre o melhor possível, como até acredito que possa sair-se bem neste Mundial. Jogadores para isso tem, com toda a certeza. Agora, o que é sair-se bem? Ganhar o torneio? Não, evidentemente: isso parece-me muito difícil, para não dizer impossível.
Mas – e aqui estou com Scolari – ficar nos oito primeiros, isso sim. Ou mesmo nos quatro primeiros. Desde que, se por acaso as coisas começarem por correr mal, o seleccionador seja capaz de fazer o que fez no Euro'2004: acertar rapidamente as agulhas, sem favoritismo nem teimosias. E se assim for...