Quando chega a fase final de um Europeu ou de um Mundial e o futebol é uma realidade relampejante que cheira a festa e a fervor patriótico, eles aparecem. São hordas de adeptos novos em folha, já que durante o resto do tempo se mantêm alheados da vivência futebolística, uma espécie de condutores de domingo que irrompem a meio da semana e complicam o trânsito, deixando os outros com os nervos em franja. Sendo evidente a sua extraterritorialidade, já que não os costumamos encontrar no planeta futebol, não virá mal ao mundo que lhe chamemos o que realmente são: extraterrestres.
Quando Scolari pede para pendurarem bandeiras nas janelas e pintarem os nomes dos jogadores nas paredes, ou sorri para vender relógios, ou se põe a dizer disparates tão qualificados como esse de que "aqueles jogadores têm muito amor para dar", está a pensar nestes adeptos de ocasião, uma categoria volátil e imprecisa. Chegam quando chegam e partem quando partem; mas fazem tudo o que lhes mandam fazer. Por isso, asseguram também os aspectos folclóricos, entregando-se a práticas excessivas e descabidas, como aquela estranha bandeira com não sei quantas mil mulheres, uma coisa que só ocorreria a extraterrestres.
Embora também haja nesta fauna invasora muitos homens que durante o resto do ano se comportam como inimigos morais do futebol, o grosso da coluna é formado por mulheres. Aquela bandeira foi um modo brutal de nos dizerem que agora também era a sua vez. Aliás, disse-o claramente aquela senhora que, depois de 40 anos de solidão, quebrou as grilhetas e, por uma vez, "baldou-se ao marido". Fez bem. A bandeira foi uma maçada inútil, mas valeu por aquela alegria vinda do lado de uma antiga inocência e também por ter finalmente percebido que seguir uma linha de fuga não é fugir da vida. Pelo contrário, é produzir realidade, criar vida encontrar uma arma.
Suponho que também é à tocante inocência destes adeptos ocasionais e acríticos que se dirigem outros aspectos calamitosos e insuportáveis do Mundial, como spots da SIC, canções com letras de arrepiar, previsões dos tarólogos, imagens de celebridades embrulhadas na bandeira nacional, ou posando com lingerie verde e encarnada, conferências de imprensa dos jogadores em estágio, ou ainda os incontáveis programas e reportagens que nos mostram coisas tão substantivas como o quarto onde irá dormir o seleccionador e nos contam histórias tão interessantes como a do homem que pintou o cabelo com as cores da selecção.
Porém, nem só de palermices e enjoativos excessos se faz esta invasão. Há nesta vaga outros espécimes mais agressivos e nefastos do que os folclóricos e os patrióticos. É a malta dos negócios, umas criaturas ferozes, de dentes arreganhados, que se infiltram em todas as articulações e interstícios desta realidade. Não trazem bandeiras nem corações alvoroçados, apenas coisas para vender em tendas montadas à sombra do futebol: os relógios, os DVD, os CD, os posters, os sabonetes e os perfumes da selecção.
A escritora Clara Pinto Correia, que é uma dessas raras mulheres irredutíveis, que ainda há algumas, e, por isso, permanece no seu glacial planeta distante, desabafou na sua coluna diária do Correio da Manhã: "já estou farta da gaita do Mundial." Não admira. Mesmo os que gostam do Mundial já estão fartos dele. E uma gaita realmente, tudo isto. E ainda agora o carrossel infernal se pôs em movimento. Logo, o pior está ainda para chegar. E ninguém sonha o que terá ainda de ver e ouvir antes de vislumbrar uma bola branca e dourada a deslizar num pedacinho de relva."
O António José Seguro, ó Pedro Nuno?
Há 17 horas