1- A partir das 22.10 de domingo, todos os portistas se viram confrontados com um dilema de difícil solução. Perdido de vez o sonho de novo penta-campeonato, por qual dos objectivos deve torcer o nosso coração: desejar que o Braga comece a perder pontos, para que assim lhe roubemos o segundo lugar e o acesso à pré-eliminatória da Liga dos Campeões do ano que vem, ou torcer para que o Braga se aguente e consiga roubar ao Benfica o seu de há muito anunciado título de campeão? Racionalmente, deveríamos torcer pela primeira opção, mas acho que não me engano se disser que a grande maioria dos portistas torce para que, acima de tudo, o Benfica não seja campeão. É que, nos últimos anos, a «Instituição» tem feito o possível e o impossível para se tornar absolutamente odiosa e odiada aos olhos dos portistas.
Pela parte que me toca, tento, apesar de tudo, manter a calma e a lucidez. Penso que seria muito mau que o F.C.Porto — que, a par do Manchester United, é o clube com mais presenças na Liga dos Campeões — viesse a falhar a edição de 2010/11. E também, contra túneis e apitos encomendados, continuo a pensar que o campeão deve ser o melhor em cada época. E esta época — já o escrevi aqui duas vezes — o melhor tem sido o Benfica. E, até por isso, como também já o escrevi, é pena a história do túnel. É pena que o excesso de zelo do Dr. Costa nos faça para sempre lembrar que este, a ser o ano do Benfica, será também o ano do túnel — o ano em que nos foi retirada, de forma infame, uma das armas principais para discutir o título até final. E isto não é conversa de vencido: estava a olhar para o jogo de Alvalade, a meio da primeira parte, e a pensar que o jogo estava mesmo à medida das arrancadas do Hulk. Mas, quando olhava para o espaço que deveria ser o dele, quem é que eu via lá? O Mariano González!
2- Se me tivessem pedido um palpite para o jogo de Alvalade, eu teria apostado numa vitória do Sporting. Porque um «clássico» é sempre um «clássico», com uma lógica que desafia a simples lógica habitual, e também porque, de há uns tempos para cá — dois, três anos — venho detectando no F.C.Porto um preocupante regresso aos tempos do síndroma do terror da travessia do Douro. Jesualdo Ferreira devia estar atento a isso, porque essa foi a razão primeira para aquelas, já longínquas, décadas de subalternidade portista: o medo de vir jogar a Lisboa, que tolhia os jogadores, transformando-os em crianças aterrorizadas num mundo de adultos. O mesmo F.C.Porto que, no espaço de uma semana, aguentou e venceu o Arsenal e destroçou o Sporting de Braga, veio a Lisboa, perante um Sporting que lhe é em tudo inferior, e assinou a pior exibição da época — apenas comparável à que já havia assinado na Luz.
É claro que há coisas ou casos que são previsíveis: o Mariano ainda consegue disfarçar às vezes, quando tudo está a correr bem à equipa; mas, quando a equipa precisa mesmo de jogar onze contra onze, ele não existe — só Jesualdo é que insiste (e, diga-se em abono da verdade, acompanhado por alguns amigos da onça). Eu acho que o rapaz é sério no esforço que faz, que sente e sofre pela equipa. O problema é que ele não é capaz de dominar uma bola, de fazer um remate sem ser para onde está virado, de cruzar uma bola em condições, enfim, de exibir um básico de técnica futobolística sem a qual é forçoso pensar que se enganou na profissão. Eu sei que às vezes saem dali coisas totalmente imprevistas e que, em momentos de delírio, ele é capaz de sair da cabina telefónica com a bola à frente — mas não sai pela porta, sai pela parede de vidro, criando uma tamanha trapalhada que os adversários acabam por se desnortear. Mas, no fundamental, não há milagres no futebol: em Alvalade, Mariano perdeu todos e cada um dos lances em que interveio e não deu seguimento a uma única jogada. Mesmo assim, e igualmente previsível, Jesualdo Ferreira esperou pelo minuto 46 e pelo 3-0 para se conformar com a inviabilidade do milagre.
O que não era de prever eram outras coisas: a noite absolutamente desastrada da dupla de centrais, assistindo os remates para os dois primeiros golos do Sporting e abrindo uma avenida iluminada para o terceiro; o desaparecimento de Silvestre Varela e de Rúben Micael — este, limitado pela arrastada lesão na clavícula causada por uma entrada «a matar» de um defesa leixonense há quinze dias atrás, e branqueada em campo por Bruno Paixão. E também não era de prever que à recaída física de Rúben Micael se viesse juntar também a de Raul Meireles. E, de repente, com meio jogo pela frente, o meio-campo do F.C.Porto ficou entregue a três suplentes: o Tomás Costa, mais um artista de variedades, com penteado a condizer, chamado Belluschi, e um rapaz da Colômbia, Freddy Guarín de sua graça, que está seguramente na lista dos dez piores jogadores que eu alguma vez vi vestirem aquela luminosa camisola azul-e-branca. É preciso conceder: foram contratempos a mais. E ainda faltava saber para que lado cairia a sorte do jogo.
3- Resultado feito, é claro que choveu um coro de elogios à exibição do Sporting — como já antes, perante idêntico resultado, havia sido contemplada a vitória sobre o Everton. Pois eu, que vi os dois jogos, confesso-me pouco impressionado. Vi um Everton desfalcado, absolutamente inofensivo, como já havia sido contra o Benfica e, face ao qual, o Sporting não fez mais do que a sua obrigação de ganhar tranquilamente e salvar um pouco a honra de uma época sem glória. E contra o F.C.Porto?
Na primeira jogada de ataque, aos seis minutos, o Moutinho ganha um ressalto ao Fucile, centra no chão e pelo chão direito ao Rolando, que serve o Djaló para um remate «cagadinho» que bate mal o Helton: 1-0 no primeiro remate à baliza. Foi um tónico precioso para uma equipa que, passados dez minutos, já dava a sensação de estar a arrastar-se em campo e a suspirar pelo intervalo. E, quando já tudo caminhava para as cabinas, o Mariano perde, uma vez mais e displicentemente, uma bola a meio-campo, há um cruzamento para a área e Bruno Alves assiste de cabeça para um remate feliz do Izmailov: 2-0 ao intervalo, quando apenas o 1-0 já era excelente. E assim regressa o Sporting para a segunda parte, depois de um anormal período de descanso na cabina. Regressa e, ao minuto 1, primeiro ataque e eis que Bruno e Rolando abrem alas para ver o Liedson rematar ao poste e permitir uma recarga tranquila do Veloso: 3-0 ao minuto 46, aproveitando tudo aquilo a que generosamente talvez se possa chamar três oportunidades de golo. A partir daí, a história do jogo ficou contada: o F.C.Porto sucumbiu psicologicamente e o Sporting renasceu, física e animicamente, como até o Sacavenense teria renascido. Muitos «olés» e auto- -elogios, mas eu, sinceramente, ainda me pergunto onde esteve a fantástica exibição leonina. O que eu vi foi uma sorte quase obscena, a que se juntou um «hara-kiri» portista, potenciado por alguns jogadores que pareciam ter tomado Dormicum ao pequeno-almoço — seguindo, aliás, o exemplo do próprio treinador. Ainda não foi desta que consegui ver — por uma vez que seja! — Jesualdo Ferreira conseguir mudar o curso dos acontecimentos a partir do banco...
4- Também é preciso sorte noutras coisas. O Sporting começou o jogo sem nenhum titular indisponível e apenas com o seu treinador a ensaiar por antecipação a desculpa do cansaço. O Benfica tem atravessado a época inteira com todo o seu núcleo duro permanentemente disponível (à excepção de Pablo Aimar, que é, por natureza, fisicamente intermitente). Mas todos eles lá têm estado à disposição de Jesus. E, não desfazendo o mérito deste na gestão do plantel e em tudo o resto, assim tem sido com Javi García (agora castigado com dois jogos), Ramires, Aimar, Saviola, Cardozo, Di María: seis estrangeiros de luxo, sempre disponíveis. Mas já o F.C.Porto teve lesionados de longa duração: Varela, Fernando, Meireles, Rodriguez, Orlando Sá. Agora, juntou-lhe o Farías e há dois meses que tem o Hulk de fora, às ordens do Dr. Ricardo Costa. O Rúben anda a jogar lesionado, o Meireles talvez antes de tempo, e não tem avançados no banco de suplentes. Faz a sua diferença, mas agora já não há nada a fazer. Apenas ultrapassar o Arsenal.
in abola