quarta-feira, março 31, 2004

Miguel Sousa Tavares na Abola

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Provavelmente o melhor central do mundo



1 Bastou-me ver jogar o Ricardo Carvalho a primeira vez para perceber que estava ali um digno sucessor do inesquecível Aloísio na defesa do FC Porto e um futuro central de dimensão europeia. Empurrado por umerro cometido no seu jogo de estreia a titular e também tapado por Aloísio e Jorge Costa, Ricardo viria ser, talvez injustamente, emprestado para rodar no Setúbal. A reforma de Aloísio (antes de tempo, quanto a mim), trouxe-o de regresso ao FC Porto e, de então para cá, Ricardo Carvalho cresceu a cada jogo que passou, melhorando sempre, mesmo quando já não parecia haver mais campo por onde melhorar, ao ponto de hoje ter atingido o mais próximo possível daquilo que alguém, na sua esfera de competência própria, pode estar da perfeição. Terçafeira passada vi-o encher o campo, no jogo contra o Lyon, controlando todas as manobras defensivas da equipa com classe, autoridade, estilo e eficácia tremendas, dando-se ainda ao luxo de marcar o golo porventura decisivo da eliminatória. De facto, como alguém já escreveu, esgotam- se os adjectivos, semana a semana, para classificar as exibições de Ricardo Carvalho. Não vejo ninguém, entre todas as equipas europeias de topo, que tenha um central ao seu nível. Desconheço o que se passa no resto do planeta, mas não é muito arriscado dizer que ele é provavelmente o melhor central do mundo na actualidade. Pelo menos, a «Gazzetta dello Sport» classificou-o como o melhor europeu, nesta fase da Liga dos Campeões. Como se sabe, Ricardo Carvalho esteve fora das convocatórias de Scolari até ter constado com insistência que o mesmo jogador que o selecionador português desprezava , a benefício de Fernando Couto, Jorge Andrade, Beto ou Fernando Meira, estava nos planos do super-Real Madrid. A partir daí, Ricardo começou finalmente a ser convocado, mas como suplente de Couto e Jorge Andrade. Para mim, como portista, até é melhor que Scolari o poupe no Europeu, para ele estar mais fresco na próxima época (se continuar no FC Porto). Agora, como português, como alguém que gosta de futebol e como alguém a quem incomodam injustiças gritantes, considero inqualificável deixar Ricardo Carvalho no banco de suplentes durante o Europeu.

2 A talho de fouce, vem também a já tão falada exclusão de Vítor Baía – também ele distinguido pela «Gazzetta dello Sport» como o melhor guarda- redes desta fase da Liga dos Campeões. Baía está a realizar uma época simplesmente brilhante, exibindo classe, calma e confiança em todos os jogos e todos os ambientes, por mais difíceis que sejam.Opaís inteiro sabe e vê semanalmente que Baía é actualmente o guarda-redes português em melhor forma, seguido do Moreira. Ele é, além disso e desde sempre, o único que temos que domina por completo o jogo aéreo, com um tempo de saída perfeito e uma calma que chega a parecer arrogância aos adversários. Como tudo o indica, Baía vai ser excluído do Europeu, por razões pessoais do seleccionador, que nunca ninguém entendeu, mas que obviamente não têm que ver com ele mas com o clube que representa – como o provou a célebre provocação de chamar à Selecção o terceiro guarda-redes do FC Porto, para o fazer jogar um minuto e evidentemente desaparecer das convocatórias desde então e para todo o sempre. Scolari vai portanto, mantendo a sua soberba, optar por Ricardo e Quim – qualquer deles com quase o dobro de golos sofridos no campeonato em relação a Baía. Apesar de ser de bom e patrioteiro tom prestar tributo, se não mesmo vassalagem a Scolari, é necessário ter a coragem de dizer que a exclusão de Baía é um acto determinado por exclusivas razões pessoais, que seguramente não são recomendáveis. Vítor Baía tem uma longa e prestigiosa carreira ao serviço do futebol e da Selecção de Portugal. Scolari, ao fim de mais de um ano – veremos o que consegue amanhã, contra a Itália – tem apenas no currículo ao serviço da Selecção, além de uma histórica derrota com a Espanha, uma série de jogos inconsequentes, alguns piores, outros menos maus.

3 Algúem, já não recordo quem, atacou-me há dias, por eu ter escrito que nas competições europeias há uma tendência das arbitragens para favorecerem, sobretudo nas fases decisivas, os clubes dos países mais ricos – Inglaterra, Espanha, Itália. Penso que o crítico terá metido a viola ao saco, quando viu o árbitro e o juiz-de-linha do Inter- Benfica fazerem vista grossa a uma entrada de Toldo sobre Sokota a pontapé, que teria ditado obrigatoriamente penalty e expulsão do guarda-redes italiano e, muito provavelmente, outro desfecho na eliminatória. Embora o Benfica se possa queixar e com razão e lhe fosse legítimo esperar outro resultado, não fosse esse clamoroso erro de arbitragem, a verdade também é que não foi por causa disso que morreu na praia, depois de ter conseguido o mais dificil que foi começar a ganhar e marcar três golos em S. Siro. E não foi, primeiro porque o gesto totalmente inesperado de Toldo não resultou de nenhuma jogada de perigo do Benfica, foi sim totalmente gratuito e sem sentido algum: diferente seria, por exemplo, um erro de arbitragem que tivesse deixado pormarcar um penalty. E não foi, em segundo lugar, porque, como se tornou visivel para todos, o Benfica entrou a segunda parte remetido à defesa, de onde não saiu durante mais de 15 minutos, com um meio-campo claramente fora da luta e a equipa sem reação, parecendo esperar apenas que o tempo passasse. Vi o jogo na companhia de dois amigos benfiquistas, um defensor de Camacho, o outro seu crítico.Mas o que nos pareceu evidente a todos é que Camacho durou uma eternidade a dar-se conta de que tinha de fazer alguma coisa -–nem sequer a entrada do Recoba pareceu incomodá- lo – e acabou por só reagir quando já tinha o jogo perdido. Eu registei a ironia dele, afirmando que isso são coisas que só os «entendidos vêm, um treinador, quando perde, não entende nada». Talvez que, como se diz no «bridge », quem está de fora vê sempre melhor, mas a verdade é que eu me habituei a distinguir os treinadores pela forma como eles reagem aos acontecimentos de um jogo: os bons reagem antes que o mal aconteça, os outros reagem só depois e vão sempre atrás do prejuízo.

4 Sporting e FC Porto ganharam esta semana os seus jogos caseiros in-extremis e graças a um erro de arbitragem. Aparentemente as duas situações são idênticas, pelo menos nas suas consequências: provavelmente nenhum dos dois teria ganho sem os erros de que beneficiaram. Mas, apesar de tudo, há diferenças que não são de detalhe. No erro que beneficiou o Sporting foi o próprio golo que foi irregular, por off-side de posição do seu autor; no erro a favor do FC Porto, o golo não foi irregular (foi, aliás, lindo), o que não existiu foi a falta que lhe deu origem. Mas não basta que um árbitro marque um livre perigoso por falta inexistente: é ainda necessário convertê- lo – que o diga o Deco, que este ano já deve ir em mais de uma centena de tentativas falhadas e que, se tem ficado em campo até final, no domingo, ainda a esta hora estaria a tentar converter o livre que o Carlos Alberto converteu. Ou seja, há erros de arbitragem que são consequência directa e necessária de golos e há outros que são apenas consequência indirecta. Digo isto, porque vi o destaque que alguma imprensa desportiva se apressou a dar ao erro que favoreceu o FC Porto, que alguns chamaram mesmo para título da notícia do jogo. Curiosamente, porém, não os vi, no último FC Porto-Manchester, dar idêntico destaque ao livre erradamente assinalado pelo árbitro e que proporcionou o único golo do Manchester. Critérios... Mas há ainda outra diferença: aqui está um portista a reconhecer que o meu clube ganhou um jogo graças a um livre mal assinalado. Não estou nem a pretender que o erro não existiu, nem a queixar-me de uma arbitragem sem razões para queixa, nem a pedir que façam uma investigação ao árbitro porque ele prejudicou o Porto – quando, por exemplo, não expulsou o guarda-redes do Moreirense que derrubou o Maciel quando este ia isolado para o golo (é, aliás regra com que eu não concordo – penalty e expulsão- porque me parece castigo excessivo.Mas a verdade é que a regra existe e uns árbitros aplicam-na e outros não, abrindo espaço para toda a discricionaridade de critérios).