I. Embora não pareça, há quem assegure que a inteligência é mesmo o dom mais bem distribuído pela natureza. Afinal, como é patente, ninguém se queixa da falta dela, mas sim da pouca sorte, ou dos muitos inimigos, ou de todas as circunstâncias adversas. Vem isto a propósito da distância que medeia entre a Grécia e a Rússia, que é outra forma de dizer da distinção entre a derrota e a vitória, ou entre a amargura da decepção e a euforia da redenção.
II. Garante o nosso povo, na sua sabedoria inconsciente mas de provada experiência, que burro velho não aprende línguas. Mais proclama o mesmo povo luso que o pior cego é que não que ver. Não sei, porém, se os mesmos adágios são conhecidos no Brasil. Mas estou em crer que um seu cidadão, de apelido Scolari, por esta altura do campeonato já os repita como seus.
III.Contra toda as lições da moderna pedagogia, o medo, esse velho fantasma, pelos vistos ainda subsiste como método válido para fazer ensinar os menos dotados e mais relutantes à aprendizagem. Veja-se o caso do seleccionador nacional. Esteve o homem a fingir que estudava durante quase dois anos. Durante esse período nem uma única vez mostrou ter perfeito domínio de pelo menos um capítulo da matéria obrigatória. Pelo contrário, à vista de todos exibia com o maior à vontade a mais atrevida das insolências. E quando alguém tentava, com a melhor das boas vontades, interpelar o examinando com uma sugestão de correcção, era imediatamente repudiado com maior das arrogâncias. Que é, nem mais nem menos, a de quem não sabe que não sabe. Ora bem, foi munido desta pesporrência, que lhe permitia supor ver o que mais ninguém via, ou não ver o que todos viam, que é o outro lado da manifestação do mesmo lamentável fenómeno, que o referido candidato à glória foi clamorosa e liminarmente reprovado em primeira instância.
IV. Já para a segunda chamada, o estudante do ensino recorrente que se julgava mestre não teve outro remédio senão engolir as velhas certezas e, mirando bem a guilhotina que sobre ele impendia, fazer apelo às soluções que havia renegado e que a si mesmo havia prometido nunca dar uso. E então socorreu-se das melhores linhas do "Manual de instruções para o sucesso com pouco trabalho". Não se sabe, todavia, o que diria o autor desta obra só de pensar que o leitor aprendiz havia eleito, durante jogos e jogos a fio, uma dupla de centrais composta pelos dois Fernandos (Couto e Meira), que Ricardo Carvalho nunca havia começado um (!) jogo a titular, que Maniche só no primeiro desafio oficial (no qual, aliás, foi o melhor nacional) ocupou o lugar de Petit, que Rui Jorge relegava Nuno Valente para o banco e que, finalmente, Deco era mero suplente de Rui Costa
Se não chorasse, ria.
V.É claro que para o juízo a sério o examinando teve também de abdicar da sua política de nunca jogar com mais do que dois dragões (Paulo Ferreira e Costinha), para haver uma repartição salomonicamente exacta com os outros ditos grandes da selva (Ricardo e Rui Jorge pelos leões e Petit e Simão pelas águias). Mas sobrou o insólito de, após dois anos de testes a fingir, só no segundo exame ter consentido em iniciar uma prova com cinco jogadores do Porto. Claro que aproveitou para tirar um - mas aqui, reconheça-se, além do castigo poder ser justo para o melhor na função, o substituto (Miguel) também é digno de confiança, por mérito próprio.
VI.Agora, após ter corrigido os tais 40% de erro, sem os quais não há margem mínima para aprovação, a quem cabe escolher já não falta muito para acertar em todas as incógnitas - basta rasurar a linha onde ditou o nome de Simão e escrever por cima Cristiano Ronaldo. Depois só resta aprender que "vitória" é uma palavra que se escreve em castelhano com as mesmas letras que em português.
no JN
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