domingo, junho 27, 2004

O guarda-medos

JOSÉ MANUEL RIBEIRO

A questão do momento: houve perseguição ao guarda-redes Ricardo? Claro que sim; uma perseguição implacável, que dura desde o Mundial'2002 e ganhou fôlego nas últimas 48 horas. Querem que ele seja melhor do que Vítor Baía à força. Ricardo joga o Europeu por ele e por muitas outras almas que têm a sanidade mental dependente dessa premissa. Com tanta gente na baliza portuguesa, até me surpreende que Portugal tenha sofrido três golos, quase tanto como me impressiona a goleada que Baía levou sem ter posto os pés na relva. Para além de todas as grandes defesas que não fez no Euro'2004, Baía viu a carreira comprometida por alguns dos acontecimentos recentes que negligenciou: sim, tem mais um ou dois títulos que Ricardo (23 para ser exacto), mas contribuiu para eles com algum golo, um só para amostra? Não. Derrota por KO técnico. Como se fartaram de invocar os vencedores nestes últimos dias, é bem visto parar por aqui a campanha anti-Baía que Ricardo tem vindo a suportar com a dignidade de um mártir. Defendeu um penálti e marcou outro: que mais precisa um homem de fazer para provar que é o melhor guarda-redes português? Arranjar um abaixo-assinado? Nem seria má ideia, se, ao menos, as pessoas se abstivessem de escrever, por cima das assinaturas, dúzias de comentários completos dando conta da natural repugnância que sentem pela opinião inadmissível dos outros, coisa e tal. Demasiado papel, já muito perto do desastre ecológico e ainda por cima desnecessário. Os partidários de Ricardo têm razão: é tempo de acabar com as referências a Baía. Fico à espera que passem da teoria à prática.

Nota

Ricardo pode sentir-se atingido por este comentário, mas é uma vítima colateral: o alvo é uma área de militância que se serve dele para fazer passar ideias que nunca terá coragem de pôr em português escorreito. Se não fosse Ricardo, seria outro qualquer. O guarda-redes da Selecção Nacional tem todas as possibilidades de se defender no campo, enquanto Baía está sujeito a todo o tipo de comparações brilhantes sem hipóteses de responder. Não tem o próximo jogo para provar, pela milionésima vez, que é o melhor. Ricardo também não, porque não há o que comparar, mas pode continuar a mostrar que não deslustra. Portanto, força.