O que se passa com Figo? Sorumbático, não consegue disfarçar o ar enfastiado do ricaço cosmopolita que tem de regressar à parvónia natal em dias de festa. Birrento e hiper-sensível, não admite ser substituído ou criticado.
Compreende-se a atitude de Scolari, que saiu em sua defesa, mas é verdade que ele andava mesmo a pedi-las (às críticas), embora cada vez menos as suporte. Não está em causa a sua razoável prestação em campo, mas as suas atitudes, do ataque à naturalização de Deco às críticas feitas aos que exigiram a renovação da selecção. No Portugal-Inglaterra, foi o que se sabe. Como ganharam sem ele, que festejassem sem ele. Pior ainda: após o jogo com a Espanha, num clima de euforia geral, era ele a nota dissonante. Disse então que havia portugueses com champagne no frigorífico para comemorar a derrota da selecção. Quem seriam? Pelo que se tem visto, é ele o único suspeito.
Há, enfim, a explicação piedosa de Scolari, a da sua inesperada devoção à Senhora de Fátima, mas é mais credível a interpretação do jornal espanhol "Marca", onde se podia ler que ele tem tanto de bom jogador como de mau companheiro. E como chegou ele a este ponto?
Figo sempre foi tratado como o guru da selecção. Até que a revolução gerada pela derrota com a Grécia criou uma nova ordem, a qual retirou o poder à malta fina que vinha do estrangeiro e ditava as leis, bloqueando os novos talentos e a necessária renovação. Pois bem, foi a partir daí que a selecção se fez grande e Figo adoptou aquela carantonha de menino mimado e impertinente.
Estes campeonatos servem também para conferir a decadência dos velhos deuses e gerar a emergência dos novos, isto é, tratam da renovação periódica do mundo. Zidane, Vieri, Del Piero, Raúl, Beckham, entre outros, são alguns dos anjos caídos. Por cada um desses, porém, há outro que ascende ao Olimpo: Ronaldo, Heinz, Carvalho, Cassano, Rooney e Torres. O futebol tem um tempo próprio, acelerado, veloz. Nele, tudo é efémero e a excelência depressa se desvanece, como um sonho.
Figo foi um dos melhores do mundo da sua geração, mas vive de modo complicado o seu crepúsculo. Pior ainda, não foi capaz de acumular a dose suficiente de doçura e humildade para poder encarar sem amargura a outra face da glória: o regresso ao comum, ao vulgar. É verdade que um dia ele foi único, fundamental, insubstituível, mas hoje é apenas mais um. Ora, é aí mesmo que lhe dói. Por isso, e já que não o tratam como uma vaca sagrada, faz o que pode para ser a ovelha ronhosa.
Alvaro Magalhães no JN
Os cobardes adoram linchamentos
Há 8 horas