JOSÉ MANUEL RIBEIRO no Ojogo
Fui de folga e adormeci na praia. Leio os jornais e corro imediatamente para o boião de creme Nívea. Se o que lá vem escrito é verdade, grelhei tempo suficiente para apanhar a queimadura solar do século. Acordei noutro mundo. Na terça-feira, Portugal era um caos futebolístico e Luiz Felipe Scolari o padastro da vergonha, havia censura, caras feias e má-disposição; na sexta, a selecção está a um passo dos quartos-de-final, Scolari vai a caminho do altar, aos ombros de alegres querubins, e opiniões como as minhas, que foram unânimes ao ponto de terem finalmente convencido o seleccionador, são agora verrinosas, desonestas e inoportunas. Na terça-feira, sentia-me acompanhado, apenas um numa multidão uníssona; ontem, ponderei seriamente, durante quase dois segundos e três décimos, a possibilidade de pedir desculpa ao Sargentão. O jogo de quarta-feira provou que quem tinha razão era ele; os internacionais do FC Porto não formam uma selecção melhor; Deco não joga mais do que Rui Costa; e afinal a equipa perde em organização quando Figo não desautoriza os companheiros do centro do meio-campo. Também se "alevantaram" entretanto bastiões portugueses compreensivelmente preocupados com as críticas selváticas às "nossas estrelas", das quais me confesso militante - mais das críticas que das estrelas, admito. Ao que parece, estes últimos trabalharam sempre em função dos interesses nacionais e não dos milhões que ganharam, inclusive alguns milhares na própria selecção. Suponho que o dinheiro é um efeito colateral dos esforços patrióticos, fenómeno que explica muitíssimo bem o estado actual da minha conta bancária. Pela minha parte, espero que compreendam os excessos: só vejo futebol e jogadores de futebol, que tento elogiar, criticar ou ignorar com fundamento. Eu esforço-me. Esfrego os olhos, ponho colírio, até já fui de emergência ao oftalmologista, mas só consigo ver gente que fez pela vida. Percebo que deviam ser intocáveis, mas escapa-me o porquê. Deve ser pela mesma doença misteriosa, também, que não encontro razão para moderar as reprimendas a Scolari. Olho para os dois primeiros jogos do Euro, em sequência, e juro que vejo provados, com exactidão assombrosa, dezasseis meses de mau trabalho. Pagos com milhão e meio de efeitos colaterais, em euros de indiscutível peso patriótico.
Os cobardes adoram linchamentos
Há 8 horas