quinta-feira, junho 24, 2004

JÚLIO MAGALHÃES

Agora é possível


A vitória sobre a Espanha e apuramento para os quartos-de-final do Europeu veio confirmar aquilo que era óbvio. Scolari estava enganado, foi induzido em erro por colaboradores da Federação e teve de refazer tudo o que tinha planeado ao longo de ano e meio e 15 jogos de preparação.

Foi a pequenez e mesquinhez de muita gente, a quem o sucesso do FC Porto tanto incomodava, que levou o seleccionador a cometer erros inadmissíveis. Chegou autoritário, disseram-lhe que o FC Porto era o inimigo, o País juntou-se a ele, sentiu-se apoiado e assim trabalhou até perder um jogo oficial, com a Grécia, depois de penosos 15 jogos de preparação.

Recordo que até ao jogo com a Rússia, Nuno Valente não era opção (Rui Jorge foi sempre o preferido e indiscutível), Ricardo Carvalho era o quarto central (depois de Fernando Couto, Jorge Andrade e Beto, por esta ordem), Deco não era titular nunca (Rui Costa foi sempre a primeira opção), Maniche foi chamado quando já nada o fazia prever, ia mesmo ficar fora do Europeu (Petit era o preferido), restando apenas Costinha e Paulo Ferreira, únicos representantes da melhor equipa da Europa.

Julgo que se chegasse hoje, Scolari convocava Vítor Baía e não tinha afastado o melhor guarda-redes português de um sonho legítimo.

A Selecção venceu e convenceu com a Espanha. Porque apostou no núcleo do FC Porto. Mais sólida, mais consistente, mais segura, com este núcleo, Ricardo não é sujeito a tanta pressão e tanto trabalho, Figo não se desgasta como era costume, perdendo-se no campo à procura da bola, Cristiano Ronaldo tem espaço para a fantasia do seu futebol, podendo perder bolas que a seguir são recuperadas, Miguel sente-se mais confiante, a equipa ganha um espírito ganhador, o mesmo que levou o FC Porto à conquista da Taça UEFA e da Liga dos Campeões. Na década de sessenta, o Benfica tinha quase toda a equipa na Selecção. Eram os campeões europeus.

Não me venham dizer que somos bons à última hora, e que quando já ninguém acredita, conseguimos. O FC Porto acabou com esse estigma e provou que é possível jogar e ganhar quase sempre, com trabalho e com os melhores.

Se hoje acreditamos que é possível ir mais longe neste Europeu, isso deve-se sobretudo ao exemplo a que o País assistiu de ver uma equipa portuguesa dizer que entrava em campo para ganhar e não para sofrer e esperar pela sorte.

Dos 15 jogos de preparação e do jogo oficial com a Grécia pouco resta do que Scolari planeou. Mudou seis jogadores. Para quem tinha tantas convicções, temos de convir que é muito.

Com esta equipa, é possível Figo continuar a ser a grande referência, é possível Rui Costa continuar a jogar e a maravilhar, é possível Fernando Couto não perder o seu estatuto de grande senhor. É possível até fazerem, se quiserem, mais um Campeonato do Mundo. Como acontece no FC Porto, onde Jorge Costa e Vítor Baía continuam a ser os faróis de uma nova geração.

Não era difícil perceber isto.